A revista NOVA ESCOLA tem sobrescrito no seu nome a seguinte expressão — ‘a revista de quem educa’. Esta identidade se desfigurou na reportagem de capa “A origem da vida”, edição 221 de abril 2009, de Anderson Moço (novaescola@atleitor.com.br), com colaboração de Bianca Bibiano e Rodrigo Ratier.
Nessa edição, a revista destacou na capa que Charles Darwin tinha explicado cientificamente como que todos os seres vivos surgiram de um organismo semelhante a uma bactéria, sem nenhuma consideração histórica das objeções científicas feitas à teoria da evolução no contexto de justificação teórica desde 1859.
Logo em seguida convidou os leitores (o universo de seus leitores é na sua maioria composto por professores do ensino fundamental com pouco ou nenhum acesso à literatura especializada) para entenderem como que Darwin chegou a essa conclusão e da importância disso para a sala de aula de ciências. (p. 32)
O título da capa − “A origem da vida” — induz aqueles professores e os leitores não-especializados a um erro histórico-teórico, pois Darwin nunca propôs uma teoria da origem da vida, mas a evolução dos seres bióticos já existentes (???) por meio da seleção natural. O que Darwin tentou explicar no Origem das Espécies foi: a transmutação de uma espécie em outra, isto é, como que um Australopithecus afarensis se transmutou em um antropólogo.
Darwin mencionou en passant numa de suas cartas a possibilidade de uma origem abiótica da vida. Contudo, o Mysterium tremendum não foi teorizado por Darwin como a NOVA ESCOLA induziu os leitores a aceitar como sendo verdade científica inquestionável.
Além disso, o título “Evolução: a ideia que revolucionou o sentido da vida” não situou historicamente o conceito de evolução, e passou a ideia errônea aos leitores de que a evolução é uma ideia recente. Não é, pois já fora discutida entre os filósofos gregos antigos pagãos, e sem dúvida entre outros povos antigos como os chineses quase 3000 anos antes de Darwin. O título, além de ser retórica bombástica, mas vazio, não é científico, é filosófico e privilegia o ‘naturalismo filosófico’ como se fosse a ferramenta heurística da ciência − o ‘naturalismo metodológico’.
Apesar de Darwin ter afirmado que todos os seres vivos descendem de um mesmo ancestral comum e de que a vida na Terra surgiu há milhões de anos, ao contrário do que foi afirmado ele não lançou as bases da Biologia moderna e de ter mudado a forma de ver o mundo, pois a Árvore da Vida de Darwin [p. 37-38] − descendência com modificação, ou a hipótese do ancestral comum, foi apresentada como base da Teoria da Evolução, é verdade somente do que ocorre dentro de uma espécie. Quanto ao nível de reino, filo e classe a descendência com modificação ela não é vista no registro fóssil e nem na evidência molecular. Muito antes de Darwin, outros naturalistas e filósofos já tinham discorrido esta ‘nova’ forma de ver o mundo.
Ao reproduzir a Árvore da Vida, a revista NOVA ESCOLA cometeu um crasso erro imperdoável numa publicação voltada para educadores: desnudou-se publicamente aos seus leitores como bem desatualizada na literatura especializada, pois recentemente a revista The New Scientist publicou reportagem de capa “Darwin was wrong” [Darwin estava errado] (edição de Fevereiro de 2009), mostrando o erro teórico de Darwin sobre a ancestralidade comum, conceito evolutivo fundamental para a corroboração de quaisquer teorias evolutivas.
Se Darwin lançou a base da Biologia moderna e mudou a nossa forma de ver o mundo, e essa base (a Árvore da Vida ou a hipótese do ancestral comum) não foi corroborada pelas evidências no contexto de justificação teórica, então a Biologia moderna está baseada num erro gravíssimo, e a forma de ver o mundo de algumas pessoas também está errada.
Sem dúvida que o raciocínio de Darwin que o levou a formular a Teoria da Evolução por meio da seleção natural é bem interessante:
"É bastante concebível que um naturalista, refletindo sobre as afinidades mútuas dos seres orgânicos, suas relações embrionárias, sua distribuição geográfica, sucessão geológica e outros fatos similares, chegasse à conclusão de que cada espécie não fora criada independentemente, mas se originara... de outra espécie."
Todavia, chegar à conclusão é uma coisa, mas concluir e demonstrar que uma espécie se originara de outra, tarefa que Darwin se propôs a explicar, é outra bem diferente. Afinal de contas, Darwin não escreveu um livro intitulado como que as espécies existentes mudam ao longo do tempo; ele escreveu o livro intitulado A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural. Ernst Mayr escreveu em 1982 que Darwin intitulou sua grande obra assim, “porque ele estava plenamente consciente do fato de que a mudança de uma espécie em outra era o problema mais fundamental da evolução.” [The Growth of Biological Thought, Cambridge, MA, Harvard University Press, 1982, p. 403]. Todavia, Mayr tinha escrito antes, “Darwin não conseguiu resolver o problema indicado pelo título de sua obra.” [ Populations, Species and Evolution, Cambridge, MA, Harvard University Press, 1963, p. 10.]
Talvez um título muito mais adequado para o livro de Darwin seria “Origem das Variações”, mas nem isso ele conseguiu explicar, pois a sua teoria da Pangênese foi demonstrada errada já no seu tempo.
São 150 anos da publicação do livro que continua uma das obras mais controversas da história do pensamento humano. Todavia, ouso aqui discordar da afirmação do meu amigo Charbel Niño El-Hani, professor de História da Ciência do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutor em Educação:
“Com esse estudo, Darwin inaugurou a Biologia moderna e o evolucionismo passa a ser um conceito central da área.”
Atribuir a Darwin a inauguração da Biologia Moderna e que o evolucionismo (sic, palavras terminadas em –ismo em português denotam ideologias) passou a ser um conceito central na área é um erro histórico duplo. Ao contrário do afirmado por El-Hani, o livro Origem das Espécies de Darwin não fundou a biologia moderna. Por volta de 1850 já havia um grupo de ciências de biologia da célula cujos líderes foram Matthias Schleiden, Theodor Schwann, Louis Pasteur, Rudolph Virchow e Robert Koch.
Darwin era apenas naturalista e nunca se envolveu neste tipo de pesquisa científica. A sua não familiaridade com a biologia celular pode ser vista na sua teoria da Pangênese da base dos organismos.
Contrariando ainda mais a assertiva de El-Hani, a evolução não se tornou um parâmetro de biologia experimental até que em 1884 August Weismann elaborou sua teoria do plasma germe da hereditariedade.
El-Hani completou:
“A Teoria da Evolução é parte importante do legado cultural da humanidade, pois ela altera o jeito como enxergamos a natureza. E a escola tem o dever de transmitir esse saber a todos os seus alunos.”
Mesmo que a Teoria da Evolução seja considerada por muitos cientistas como a “parte importante do legado cultural da humanidade”, em ciência, o que vale numa teoria não é o fato dela alterar ‘o jeito como enxergamos a natureza’ [uma cosmovisão], mas se ela é corroborada pelas evidências encontradas na natureza. A escola não deve favorecer nenhuma cosmovisão. Antes, a escola tem o dever de ensinar a todos os seus alunos as evidências a favor e contra a teoria da evolução, e que uma nova teoria da evolução, a Síntese Evolutiva Ampliada, já está sendo considerada pelos especialistas. Mas este status epistêmico atual da teoria da evolução foi jogado para debaixo do tapete quando o neodarwinismo, apesar de posar como ortodoxia nos livros didáticos de Biologia, já é uma teoria morta há quase três décadas.
Por que a revista NOVA ESCOLA não informou o seu público-alvo do status epistêmico das atuais teorias da origem e evolução da vida?
O autor da reportagem afirmou que a razão para isso é simples: “Cientes dessa visão, crianças e jovens conseguem estabelecer relações entre os diversos conteúdos que, fragmentados, não resultam numa compreensão ampla do mundo.” Ele está dizendo duas coisas aqui: que os jovens não têm capacidade de discernir criticamente entre duas ou mais posições para estabelecer relações, que a abordagem da evolução não pode ser ‘fragmentada’, mas deve permanecer do jeito que está: Darwin locuta, causa finita.
Isso não é educação, mas doutrinação. A abordagem e o ensino da teoria da evolução em nossos livros-texto e nas aulas de ciência oferecem a visão unilateral vigente. Isso não resulta ‘numa compreensão ampla do mundo’, antes funciona como antolhos colocados nos animais: uma visão unilateral epistêmica muito estreita e que vê apenas um lado das coisas.
Darwin sabia que sua teoria tinha dificuldades que escreveu 4 capítulos (30%) do Origem das Espécies tentando rebater as objeções científicas de então. Até hoje sua teoria tem insuficiências epistêmicas fundamentais não corroboradas pelo contexto de justificação teórica. Escamotear isso intencionalmente do conhecimento dos alunos, não é educação, é desonestidade acadêmica. A revista NOVA ESCOLA sequer mencionou a liberalidade de Darwin em discutir os pontos controversos de sua teoria e as interpretações diametralmente opostas àquelas que ele chegou.
Ninguém discute que Darwin trabalhou quase 28 anos pesquisando em livros e e na natureza. Nem tampouco a sua disposição em responder a uma das questões que havia muito despertava a curiosidade, não apenas de estudiosos, mas de leigos também: qual a origem da vida, do homem e da natureza? Baseado em evidências observadas em diversas regiões do globo e apoiado nas ideias de outros pensadores, Darwin não criou uma fronteira na ciência, mas uma nova maneira de fazer ciência usando a imaginação. Afinal de contas, a teoria da evolução é uma teoria científica de longo alcance histórico.
O que foi chamado de ‘grande diferencial’ de Darwin em ‘defender que as questões naturais devem ser compreendidas por meio de processos da natureza, dissociando o pensamento científico do religioso’ já tinha sido ‘um passo e tanto’ dado por outros naturalistas como Louis-Constant Prévost, Louis-Melchior Patrin, Jean-Baptiste Lamarck, Julien-Joseph Virey, Jean-Baptiste-Julien d’Omalius d’Halloy, Bory de Saint-Vincent, Ducrotoy de Blainville, Etienne Geoffroy Saint-Hilaire (CORSI, P., The Age of Lamarck: Evolutionary Theories in France 1790-1830. Nova York, Cambridge University Press, 1988).
A maioria desses naturalistas já tinha argumentado as principais teses darwinistas da ancestralidade comum a partir de alguns poucos organismos, através de um processo lento, gradual de modificação e de extinção ao longo do tempo impelido, em parte, pela luta pela sobrevivência, uniformitarismo geológico e, pasmem, até a origem primata da espécie humana. Destaque para Louis-Melchior Patrin, que defendia a origem abiótica da vida.
A plausibilidade teórica dos organismos vivos e fossilizados terem se originado desse ‘único ancestral comum’ tipo bactéria que ‘sofreu modificações até gerar toda a variedade de animais e plantas do planeta’ é uma coisa, mas a plausibilidade físico-química disso é outra, pois é preciso considerar a relação custo-benefício das alterações genômicas necessárias para que este único ancestral comum seja a origem das espécies. Nós sabemos hoje que Darwin errou feio e sua Árvore da Vida (monofilética) está mais para gramado (polifilética).
Embora o homem tenha deixado de ser visto como um animal especial e mais evoluído e seja encarado como mais um ramo da grande árvore da vida, a afirmação de Diogo Meyer, professor de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) de que “Somos todos seres aparentados e em evolução, e cada população apresenta as características necessárias para se adaptar às condições do ambiente”, é parcialmente falsa.
Em 1997, Keith Stewart Thomson, biólogo evolucionista, escreveu: “Uma questão de tarefa inacabada para os biólogos é a identificação do revólver fumegante da evolução” e “o revólver fumegante da evolução e a especiação, não é a adaptação local e diferenciação das populações.” Na biologia antes de Darwin, o consenso era que as espécies podem variar somente dentro de certos limites; na verdade, séculos de seleção artificial tinha, aparentemente, demonstrado tais limites experimentalmente. “Darwin tinha que demonstrar que os limites podiam ser quebrados, assim nós também devemos demonstrar.” [“Natural Selection and Evolution's Smoking Gun,” American Scientist 85 (1997): 516-518.] Meyer se habilita? Quem se habilita?
Nós não precisamos de Darwin para nos dizer dessa nossa origem inferior, pois os mitos de criação de alguns textos considerados sagrados descrevem justamente isso: a origem bem inferior do ser humano.
Quanto ao debate sobre a validade da teoria não terminou em menos de duas décadas por ser o argumento de Darwin ‘tão irrefutável’. Há outros fatores históricos para isso: os naturalistas filosóficos foram sobrepujados por naturalistas materialistas como Thomas Huxley que arquitetaram e conseguiram o domínio das publicações, das organizações científicas e do ensino laico na Grã-Bretanha.
A História da Ciência registra que duas décadas após a divulgação do Origem das Espécies, o darwinismo entrou em eclipse como paradigma em Biologia sendo seriamente questionado até 1900. (BOWLER, P. J., The Eclipse of Darwinism, Baltimore, John Hopkins University Press, 1983).
A afirmativa de Sigmund Freud (1856-1939), o pai (sic) da Psicanálise de que “Ao longo do tempo, a humanidade teve de suportar dois grandes golpes em sua autoestima. O primeiro foi constatar que a Terra não é o centro do Universo. O segundo ocorreu quando a Biologia desmentiu a natureza especial do homem e o relegou à posição de mero descendente animal” [p. 33]é mais uma grande bobagem dita por um grande scholar que vai ser retirada do arsenal apologético cientificista.
A razão para jogar esta declaração boba de um grande homem na lata do lixo histórico? O bom em ciência é que as afirmações feitas em nome dela podem se mostrar imediata ou posteriormente verdadeiras ou falsas. Aqui no caso de Freud, sua afirmação se mostrou falsa no ‘primeiro golpe’, pois hoje sabemos que não existe nenhum ‘centro do universo’. Já a segunda, ela se mostra parcialmente verdadeira, pois a Biologia ainda não desmentiu a ‘natureza especial do homem’, pois as evidências da evolução humana são escassas e há bastante controvérsia sobre muito pouca evidência fóssil.
Freud, pisou na bola, pra não dizer outra coisa. E a NOVA ESCOLA também...
Aqui neste blog, a gente mata a cobra e mostra o pau!
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