Nova pista na busca pela matéria escura
Partículas de alta energia detectadas em raios cósmicos podem vir desse componente do universo
Dados recentes acrescentam mais uma peça ao quebra-cabeça da existência da matéria escura, substância invisível responsável pela maior parte da massa do universo. Uma colaboração internacional detectou em raios cósmicos que chegam à Terra um inesperado excesso de um tipo de partícula com alta energia, que poderia ser resultado da destruição desse componente ainda desconhecido.
O detector de partículas Pamela foi lançado ao espaço a bordo de um satélite em junho de 2006 no Cazaquistão (imagens: Colaboração Pamela).
Os raios cósmicos são partículas atômicas extremamente penetrantes que se deslocam no espaço a velocidades próximas à da luz. Em seu trajeto, essas partículas se chocam com átomos do meio interestelar e dão origem a novas partículas e a antipartículas (corpos simétricos às partículas elementares da matéria, porém com carga elétrica oposta, que constituem a chamada antimatéria).
Segundo modelos físicos padrões, as antipartículas compõem apenas uma pequena fração dos raios cósmicos que atingem a Terra. Por serem produzidas a grande distância (no meio interestelar), elas perdem energia ao longo do caminho e não têm força suficiente para chegar ao nosso planeta. Logo, quanto mais alta a energia de um raio cósmico, menor deve ser a quantidade de antipartículas encontradas.
Esse preceito, no entanto, foi desafiado por dados coletados pelo detector de partículas Pamela entre julho de 2006 e fevereiro de 2008 e publicados esta semana na revista Nature. Pesquisadores da Itália, Rússia, Suécia e Alemanha analisaram raios cósmicos com energia entre 1,5 GeV (sigla para gigaeletronvolt, medida de energia equivalente a 10 9 eletronvolts) e 100 GeV e detectaram um grande e surpreendente crescimento do número de pósitrons (a antipartícula do elétron) nas faixas de energia mais altas.
“Os dados do Pamela mostram claramente que a fração de pósitrons aumenta significativamente com a energia”, dizem os cientistas no artigo que descreve os resultados. Esse excesso de pósitrons também foi observado por outros grupos em experimentos estatisticamente limitados com raios cósmicos de faixas de energia mais altas.
Segundo a física de partículas Renata Zukanovich, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), as medições anteriores têm alta taxa de incerteza. “Os resultados do Pamela têm margem de erro muito pequena, mesmo levando em conta o grau de imprecisão do experimento”, ressalta.
Fonte misteriosa de antipartículas
Mas qual seria a explicação desse resultado surpreendente? Para os pesquisadores, o excesso de pósitrons só pode ser justificado pela existência de uma outra fonte de antipartículas que não seja a interação dos raios cósmicos com átomos do meio interestelar.
Um dos candidatos a preencher esse posto – e o que desperta maior agitação na comunidade científica – é a misteriosa matéria escura presente em nossa galáxia. Embora nunca tenha sido detectada diretamente, a existência da matéria escura no universo pode ser deduzida de seus efeitos sobre a matéria visível. Quando duas partículas de matéria escura se encontram, elas podem se aniquilar e produzir, assim, diversas partículas subatômicas, como os pósitrons.
Há ainda uma segunda hipótese para o excesso de pósitrons dos raios cósmicos: sua emissão por objetos astrofísicos como pulsares (estrelas de nêutrons muito pequenas e densas) ou microquasares (réplicas em pequena escala dos quasares, que se acredita serem centros de galáxias ativados por buracos negros). Mas esses objetos teriam que estar localizados próximos da Terra, para que as antipartículas não perdessem sua energia durante a propagação no espaço.
Desenho do satélite Resurs-DK1 com um contêiner externo para o detector Pamela.
Por enquanto, os registros do Pamela são insuficientes para determinar qual seria a fonte das antipartículas. Mas o experimento continuará fazendo medições para analisar raios cósmicos de uma faixa de energia mais alta. Esses dados, combinados com as medições já divulgadas, permitiriam distinguir entre a emissão de antipartículas pela destruição da matéria escura ou por objetos astrofísicos como pulsares.
“Na melhor das hipóteses, os resultados do Pamela serão um sinal inequívoco de matéria escura”, comenta Zukanovich. “E, mesmo que essa hipótese não se confirme, os dados são importantes e devem gerar novas pesquisas, porque não se conhece qualquer objeto astrofísico nas proximidades da Terra que emita pósitrons com essa abundância.”
Segundo o físico teórico Rogério Rosenfeld, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), as medições do Pamela, se interpretadas como indício de aniquilação de partículas de matéria escura, têm grandes implicações para o estudo desse componente do universo.
Rosenfeld conta que o modelo mais bem desenvolvido teoricamente sobre a composição da matéria escura – chamado de teoria da supersimetria – tem sérias dificuldades para explicar os novos dados. “Um dos problemas é o número de pósitrons detectados, que requer uma probabilidade de aniquilação maior do que a prevista pelo modelo”, diz. “Desde que os resultados do Pamela foram anunciados à comunidade científica, em outubro de 2008, dezenas de novos modelos de matéria escura foram propostos para explicá-los.”
A resposta para todo esse enigma talvez venha à tona quando o maior acelerador de partículas do mundo – o LHC (sigla em inglês para Grande Colidor de Hádrons) – entrar efetivamente em funcionamento. Se esse dispositivo for capaz de produzir partículas de matéria escura – como se espera –, será possível elaborar um modelo teórico para o comportamento dessas partículas na faixa de energia analisada pelo Pamela e, assim, comprovar a origem do excesso de antipartículas nos raios cósmicos.
Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
02/04/2009