A romaria a Darwin ad nauseam

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Dia de Darwin

O Globo - 10/2/2006 - por Joaquim Ferreira dos Santos

Joaquim Ferreira dos Santos conta que a Livraria da Travessa [RJ] comemora este domingo o Dia de Darwin com um debate, às 19h, sobre a teoria evolutiva. O evento, organizado também pelos biólogos Isabel Landim e Cristiano Moreira, terá palestra de Mário Pinna, da Usp. “É uma celebração ao conhecimento científico e à tolerância pela diversidade, principalmente em regiões que enfrentam as anacrônicas tsunamis fundamentalistas”, dizem os organizadores.

Darwin, quem diria, é objeto de idolatria cega pelos seus seguidores fundamentalistas no mundo inteiro. Vou ser mais gentil com os ultradarwinistas - isso cheira a culto à personalidade. O ‘naturalista inglês’ deve estar se revirando em seu túmulo na Abadia de Westminster. Logo ele que era agnóstico... Enterrado em uma igreja e agora ‘venerado’...

Este blog respeita todas as tradições religiosas, inclusive a ‘religiosidade secularizada’ dos darwinistas, mas não consegue entender sociologicamente o porquê deste aspecto ‘religioso’ esdrúxulo do fundamentalismo ultradarwinista.

Talvez este artigo interessante Feast of Darwin ad nauseum (deveria ser ad nauseam, mas a gente releva) postado por Tristan Abbey no jornal estudantil da Universidade Stanford, no dia 8 de fevereiro de 2006 explique melhor este fenômeno.

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Milhões de católicos ao redor do mundo vão celebrar a Festa de Nossa Senhora de Lourdes neste sábado [11 de fevereiro]. A celebração comemora a aparição da Abençoada Virgem Maria a uma jovem francesa chamada Bernadette quase há um século e meio. Rivalizando com a intensidade de devoção da Igreja, admiradores de Charles Darwin irão reverenciar seu herói com uma série de eventos no dia seguinte, com festividades desde a Austrália a Bangladesh, do Chile à Irlanda [No Brasil também!]. A própria organização dos Estudantes para o Pensamento Racional (Students for Rational Thought) de Stanford irá participar na celebração aqui no campus.

A ausência total de festança em escala global em honra de qualquer cientista deveria causar em nós hesitação. O Dia Nacional de Mol., celebrado no dia 23 de outubro, reconhece o Número de Avogrado e, à medida em que os professores de química através do país levantam anualmente a bandeira do mol. às 6:02 da manhã, este parece ser o único competidor do Dia de Darwin. Onde estão os fãs ardentes de Galileu, os devotos intransigentes de Newton, e os ávidos aficcionados de Edison? O que faz Darwin ser tão especial?

A resposta não reside tanto na sua obra científica (afinal de contas, em termos de simples utilidade, a lâmpada de Edison certamente que bate as observações de Darwin dos bicos de tentilhões), mas mais nas tendências filosóficas daqueles que propõe o neodarwinismo – a crença de que variação puramente aleatória e a seleção natural explicam a complexidade da vida. Michael Ruse, um grande filósofo da ciência que tem debatido em inúmeras ocasiões com os teóricos do design inteligente e criacionistas, escreve no livro “The Evolution-Creation Struggle” [A luta da evolução-criação], que “a evolução tinha estado no ar por muito tempo, e muitas pessoas estavam procurando uma razão para crer nela”. Darwin, de acordo com Ruse, “um dos mais ardentes sociais-progressistas do século 19” foi quem forneceu a razão. O fato de que a Silicon Valley Humanist Community [Comunidade Humanista do Vale do Silício na Califórnia], que é dedicado ao progresso, esteja co-patrocinando o Dia de Darwin na Universidade Stanford é tudo, menos aleatório.

Os defensores mais eloqüentes de Darwin são os primeiros a reconhecer por que a evolução darwiniana é tão importante. O falecido Stephen Jay Gould afirmou, “antes de Darwin, nós pensávamos que um Deus benevolente nos tinha criado”. Semelhantemente, Richard Dawkins explicou que “só depois de Darwin é possível ser um ateu intelectualmente satisfeito” [in O Relojoeiro Cego, p. 25]. Daniel Dennett, cujo livro “A Idéia Perigosa de Darwin”, vai desempenhar um papel proeminente no Dia de Darwin em Stanford, afirma que “... Deus é como Papai Noel, um mito da infância, nada em que um adulto de mente sã e sem ilusões possa acreditar literalmente”. O último Manifesto Humanista, assinado por Dawkins e Dennett, declara: “Os seres humanos são uma parte integral da natureza, o resultado de uma mudança evolucionária não guiada”.

Darwin merece um lugar de honra. Que os sistemas vivos evoluem ao longo do tempo é um fato estabelecido e serve como base para muitas pesquisas proveitosas, especialmente com antibióticos. A seleção natural stambém, é um princípio tão importante para os críticos do neodarwinismo como é para or próprios neodarwinistas.

Mas certamente que Darwin teria ficado constrangido só em pensar ser elevado à santidade secular.

Tristan Abbey é segundanista da Universidade Stanford especializando-se em História. Ele pode ser contatado no e-mail tabbey@stanford.edu
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NOTA BENE: Para a romaria ser mais eficiente, não se esquecem de levar o 'livro sagrado' muito pouco lido pelos biólogos: “Origem das Espécies”