Revirando a cesta de lixo da História da Ciência

quinta-feira, abril 05, 2007

Achei no meu arquivo esta resenha interessante de Douglas Allchin sobre o livro Theories on the Scrap Heap ― Scientists and Philosophers on the Falsification, Rejection, and Replacement of Theories [Teorias no Ferro-Velho: Cientistas e Filósofos sobre a Falsificação, Rejeição, e Substituição de Teorias] de John Losee, publicada na revista Science 311, 10 February 2006: 781-782, [1]:

Em ciência, (assim diz o ditado) “o homem propõe, e a natureza dispõe.” Assim, muitas teorias terminam na cesta de lixo. Nós não falamos mais de flogístico, calórico, fluído elétrico, pangenes, humores corporais, ou continentes imóveis. Tais erros [científicos] históricos destroem as interpretações fáceis do progresso científico cumulativo. Para John Losee, no seu livro provocadoramente intitulado Theories on the Scrap Heap [teorias no Ferro-Velho], elas também são as melhores ocasiões para se considerar como que os cientistas avaliam as teorias. Numa reviravolta inteligente, ele não pergunta como que os investigadores estabelecem o apoio das evidências a favor das teorias, mas porque eles acham certas teorias inadequadas, mesmo quando aceitas amplamente uma vez.

Losee, um professor emérito de filosofia, Lafayette College na Pensilvânia, acha que qualquer relato deve ser responsável com a história. Ideais prescritivos deveriam, como ele argumentou em trabalhos anteriores, dão lugar à filosofia descritiva da ciência. Qualquer padrão proposto para a avaliação de teorias deve provar ter sido eficaz no passado.

Respeito pela evidência histórica pode trazer resultados surpreendentes. Por exemplo, quão importantes são as confirmações de novas predições? Como que elas se portam em relação às acomodações post hoc? Alguém pode facilmente um punhado de predições vindicadas dramaticamente: o cometa Halley, os novos elementos de Mendeleiev, o oitavo planeta de Adams e Leverrier. Algumas histórias folclóricas, contudo, são mal informadas: nem a curvatura gravitacional da luz de Einstein nem o ponto de brilho de Poisson como prova da teoria da onda de luz tiveram a significância histórica que freqüentemente lhes são concedidas em retrospecto. Ao contrário de histórias amplamente divulgadas, William Harvey nem previu as veias capilares mais tarde “confirmadas” pelas observações de Marcello Malpighi. Em outros casos, como a teoria da produção de energia solar de Bethe e a explicação glacial das erráticas de Agassiz, somente a acomodação da evidência disponível parecia suficiente.

Além disso, a predição bem-sucedida não garante a correção. A crença no flogístico levou Priestley a predizer que a substância produzida quando os metais são dissolvidos em ácido agiriam como carvão (em termos de hoje, o hidrogênio é um agente redutor). Outros proponentes do flogístico predisseram que a eletricidade deveria degradar os resíduos calcinados dos seus metais. Dalton e Gay-Lussac usaram o conceito de calórico (calor como fluído) para predizer que todos os gases deveriam compartilhar a mesma taxa de expansão assim que sobe a temperatura. A cosmologia geocêntrica de Ptolomeu ainda prediz eclipses e as posições dos planetas. Mesmo assim todas as três teorias jazem agora abandonadas em descrédito. Usando a experiência do passado como um padrão, “parece que a tese predicionista é falsa.”

Tais casos podem parecer justificar outra crença comum sobre a ciência: que ninguém pode provar uma teoria, mas que pode refutá-la (tipicamente com apenas uma pesquisa bem elaborada). Aqui, Losee lida com a noção de falsificacionismo de Popper, que é expressa grosseiramente pelo aforismo de proposição-descarte. Para sondar as opiniões atuais sobre a falsificação, eu pesquisei o uso do termo na revista Science ao longo dos últimos dez anos [1]. Três quintos dos casos se referiam à má conduta: dados falsificados ou relatórios de pesquisas. Dos restantes (46), três quintos apelaram à falseabilidade como um selo de qualidade da ciência ou do próprio rigor em ciência (desde a arqueologia, ligação química até mudança climática e paleontologia). Por exemplo: “A ciência é baseada na falsificação das hipóteses.” "Os cientistas “trabalham até tarde na noite a fim de destruir ou falsificar a hipótese de outro cientista.” Os pesquisadores que deixarem de apresentar teorias falseáveis “não estão jogando o jogo.” Uma teoria que não pode predizer hipóteses falseáveis não é “suficientemente sofisticada.”

Em 16 casos, descobertas isoladas foram interpretadas explicitamente como falsificando alguma afirmação. Uma notícia destacou que os críticos do ensino da evolução freqüentemente aplicam tais opiniões falsificacionistas inflexíveis. Nos (três) casos muito menores, os autores consideraram tais juízos simplistas demais. Um advertiu contra o rejeitar uma teoria prematuramente. Losee concorda, ecoando um consenso de décadas entre os filósofos da ciência [2-3]. Ele detalha através de casos históricos como que uma série de resultados negativos raramente é decisivo, exceto para hipóteses de nível bem baixo. Em vez disso, os pesquisadores tipicamente refinam a evidência redefinindo os termos, modificando as teorias, restringindo seu escopo, ou até tolerando as anomalias não resolvidas. O raciocínio eficiente parece integrar tanto a evidência contrária e a evidência, e as teorias mais frágeis entram em decadência.

A falsificação também pode ser construída como um guia metodológico: protege contra o erro através da autocrítica rigorosa. Na verdade, Popper delineou seus “testes severos” como auto-referenciais. Apesar disso, ironicamente, apelos à falsificação nesta publicação científica parecem focalizar invariavelmente os críticos. Losee inicia assim o seu apropriadamente ao caracterizar a falsificação como uma principal “estratégia retórica”, e não um critério da ciência. As lições básicas sobre a confiabilidade podem ser melhor, se menos dramaticamente, expressas como a significância de importância empírica (testabilidade), a revisão sistemática das possíveis fontes de erros, e excluindo rigorosamente as explicações alternativas [4].

A discussão de Losee, embora ofereça aos estudantes uma introdução de fundamentação, pode chocar os leitores bem informados como sendo datada e visivelmente incompleta. O autor nos conduz ao precipício com tantos quebra-cabeças atraentes. As regularidades não antecipadas podem ser preditas por teorias estritamente falsas, mas como? As teorias baseada em entidades não reais podem ser empiricamente bem-sucedidas. Lavoisier poderia ajudar a desenvolver a calorimetria, muito embora o calórico que pretendia medir pareça ilusório. Para interpretar essas realizações paradoxais, nós podemos re-conceituar as teorias mais modestamente, como não sendo universalmente aplicáveis.

Os filósofos têm elaborado uma alternativa baseada em modelos locais, delimitados, que podem se sobrepor e até conflitar possivelmente [5]. Dessa maneira eles podem articular como lidar com as exceções sem sacrificar o ideal das generalizações de invariantes causais [6]. Ninguém precisa rejeitar o flogístico como uma teoria inviável. Alternadamente, alguém pode aceitá-lo como um modelo verdadeiro, desde que alguém estruture apropriadamente o seu contexto. Como Losee reconhece, nós ainda aceitamos a mecânica newtoniana, sabendo muito bem que nós não podemos aplicá-la a corpos muito leves e muito rápidos.

Em vez de julgar as teorias por atacado, um investigador esmerado irá procurar uma estrutura com mais matizes para focalizar e lidar com os erros [7-8].

Outro quebra-cabeça é como que cientistas eminentes podem discordar ― o que separou Newton e Leibniz ou Bohr e Einstein. Losee descreve como os indivíduos podem diferir devido a temas baseados em princípios ou de “idiossincrasias” biográficas.” Se for assim e se a empresa científica é coletiva, como interpretações divergentes interagem (e possivelmente se tornam reconciliadas)? Como os pesquisadores acomodam os pontos cegos uns dos outros? Como pode a diversidade entre os praticantes desenvolver um sistema produtivo de limites de poder? Os leitores vão querer complementar o relato de Losee com as recentes análises epistêmicas da estrutura social da ciência [9-12].

Theories on the Scrap Heap [Teorias no Ferro-Velho] fornece uma introdução lúcida, bem consolidada para a avaliação das teorias científicas. Apesar disso, muitas perspectivas nas últimas décadas ― cognitiva, retórica, de gênero, e cultura ― estendem muito mais profundamente a nossa apreciação das raízes e remédios para o erro.

Referências e Notas da Resenha:

1. A_keyword search of wildcard in Science online index covering October 1995 to November 2005 revealed 124 cases.

2. A._Donovan, L. Laudan, R. Laudan, Scrutinizing Science: Empirical Studies of Scientific Change (Johns Hopkins Univ. Press, Baltimore, 1988).

3. P. Kosso, Reading the Book of Nature: An Introduction to the Philosophy of Science (Cambridge Univ. Press, New York, 1992).

4. F. Suppe, Phil. Sci. 65, 381 (1998).

5. R. Giere, Science Without Laws (Univ. Chicago Press, Chicago, 1999).

6. J. Woodward, Making Things Happen: A Theory of Causal Explanation (Oxford Univ. Press, Oxford, 2003).

7. L. Darden, Theory Change in Science: Strategies from Mendelian Genetics (Oxford Univ. Press, Oxford, 1991).

8. D. Allchin, Perspect. Sci. 9, 38 (2001).

9. D. Hull, Science as a Process: An Evolutionary Account of the Social and Conceptual Development of Science (Univ. Chicago Press, Chicago, 1988).

10. H. Longino, Science as Social Knowledge: Values and Objectivity in Scientific Inquiry (Princeton Univ. Press, Princeton, 1990).

11. A._Goodman, Knowledge in a Social World (Oxford Univ. Press, Oxford, 1999).

12. M. Solomon, Social Empiricism (MIT Press, Cambridge, MA, 2001).

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MINHA NOTA:
[1] Theories on the Scrap HeapScientists and Philosophers on the Falsification, Rejection, and Replacement of Theories by John Losee University of Pittsburgh Press, Pittsburgh, PA, 2005. 216 pp. $24.95. ISBN 0-8229- 5873-2.