Uma análise crítica do Darwinismo

domingo, maio 06, 2007

Uma análise crítica do Darwinismo

por Roberto Fendt em 27 de janeiro de 2007

Resumo: José Osvaldo de Meira Penna não é um biólogo, mas um filósofo, e dos bons. O seu questionamento a respeito da relação entre a biologia e a ética é da maior pertinência.

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Darwin e o darwinismo estão mais vivos que nunca, e é tão importante conhecê-los hoje como na época da publicação da Origem das espécies. Atesta-o, dentre tantos eventos, a recente polêmica entre a conservadora norte-americana Ann Coulter e o biólogo e professor da Universidade de Chicago, Jerry Coyne. Nesse debate a respeito do evolucionismo, como apontou recentemente Olavo de Carvalho, muito da discussão tem a ver com a distinção entre a biologia evolucionária e a ideologia evolucionária. Embora distintos, não é possível separar historicamente os aspectos puramente científicos do evolucionismo de seus aspectos ideológicos.

A mais recente obra do diplomata e filósofo José Osvaldo de Meira Penna, Polemos — Uma análise crítica do darwinismo, vai literalmente à origem da discussão de um dos temas mais atuais da filosofia: a origem biológica da moralidade. Quando me refiro a essa ida às origens refiro-me à associação do pensamento dos filósofos do século de ouro da Grécia, Empédocles (490-430 a.C.) e Heráclito (?-480 a.C.). E não é por acaso que Meira Penna, com muita felicidade, denomina seu livro de Polemos, a luta, que Spencer iria posteriormente situar na "sobrevivência do mais forte".

Mas o saber enciclopédico de Meira Penna não se detém nos gregos, nem em sua influência nos modernos, como Nietzsche. Sua análise dos proto-evolucionistas pragmáticos renascentistas, como Maquiavel e especialmente Hobbes. O tema do egoísmo na política, importante vertente dessa discussão, e seu controle pelo racionalismo introduz Spinoza; e, combinado com o empirismo, produz a ética otimista e darwiniana de Leibniz, Locke e Hume. Os passos seguintes já nos acercam de Spencer e Darwin: das noções da razão prática e do imperativo kantianos, passando pelo romantismo de Rousseau, desembocamos na dialética de Hegel e no utilitarismo de Bentham e dos Mill, pai e filho. Para Meira Penna, "o naturalismo de Darwin é o contraponto científico de um tal desenvolvimento". E completa: "O darwinismo, na verdade, emana diretamente do utilitarismo e do positivismo que, na época, eram popularizados em França por Auguste Comte e na Inglaterra por Herbert Spencer. Idéias "darwinianas" já são, porém, encontradiças entre os chamados filósofos radicais, os economistas e os utilitaristas do princípio do século XIX. Foram esses homens que promoveram a "teoria" da livre empresa no capitalismo e prepararam, com sua moral pragmática, a popularidade reacionária do socialismo no século XX."

É com o pano de fundo dos "vícios privados" de Bernard de Mandeville que se tornam indispensáveis "virtudes públicas", que a ética "utilitarista" dos Mill vai ser "súbita e inesperadamente assistida pelas descobertas e interpretações biológicas de Darwin."

Porque esse é o grande tema do livro: a questão de uma possível origem biológica da moralidade. Decorrência, pelo menos em parte, da filosofia de Spencer, a obra de Darwin influencia decisivamente a filosofia, ao introduzir a relação entre a ética e a genética. O tema é amplamente discutido no capítulo 20 do livro, onde aparecem os nomes e as idéias de Sir Julian Huxley, Reinhold Niebuhr, Bruno Bettelheim, Malcolm Muggeridge e de muitos outros que o espaço não permite sequer citar aqui. E, claro, sempre presente, Freud.

"Mutações aleatórias, concorrência vital, seleção natural do mais eficiente, gene egoísta, drift genético, seleção consangüínea de genes altruístas e outros processos" podem ser utilizados para explicar o que Meira Penna chama "dessa obra-prima que somos nós, o Homo Sapiens". Permanece, contudo, para conferir, a objeção de Popper, que vê na concepção da seleção natural do mais bem adaptado uma tautologia.

Meira Penna não é um biólogo, mas um filósofo, e dos bons. O seu questionamento a respeito da relação entre a biologia e a ética é da maior pertinência. Esse questionamento foi feito com a mesma competência que nos habituamos a encontrar em todos os seus outros livros. Uma obra já agora vasta e de notável qualidade, indispensável a todos os que se batem pela superação dos obstáculos à liberdade em nosso país.


O autor é vice-presidente do
Instituto Liberal