O canto darwiniano é muito melhor!

sábado, maio 19, 2007

O canto darwiniano é muito melhor!

RUBEN TALVES

É mais por enquadramento ideológico que a Nomenklatura científica tem se esforçado para silenciar os cientistas dissonantes, não é por amor à verdade científica.
“ON THE ORIGIN OS SPECIES BY MEANS OF NATURAL SELECTION”, a origem das espécies − foi esse o nome que Darwin deu ao livro relatando sua tentativa de lançar alguma luz sobre a origem das espécies − “mistério dos mistérios. Por uns 20 anos ele elaborou cinco teorias exprimindo o transformismo das espécies. Para ele, a especulação transformista era tão certa quanto a “imutável Lei da Gravidade”.

Era a astrofísica! A Terra continuaria a girar obedecendo à imutabilidade da Lei da Gravidade. Fenômeno tão-somente natural composto pelo acaso, necessidade, mutações filtradas pela seleção natural ao longo de vastas eras. O Relojoeiro Cego inconsciente e inconseqüente esperara por 3.5 bilhões de anos por uma criatura que o visse. Darwin fora o primeiro a vê-lo em ação na natureza. Uma epifania epistemológica!

Lendo “O Relojoeiro Cego”, maravilhoso livro de Richard Dawkins, muitos aprenderam muitas coisas sobre esse mundo esquecido em que o acaso, a necessidade, dois irmãos gêmeos, dançavam. Os biólogos do século XIX ficaram sabendo que a onipotência criativa das causas naturais era superior às causas inteligentes. E que música era essa que fazia audíveis aos ouvidos humanos a música da origem das espécies? Era o canto darwiniano. O canto darwiniano imita o outro relojoeiro. Cada esfera celeste agora é uma nota da escala musical naturalista.

Eterna e imutavelmente o canto darwiniano se repete, como convém a uma obra do Relojoeiro Cego inconsciente e inconseqüente. O que é completo e perfeito não admite novidades. Novidades são perturbações da ordem, como se algum planeta, enlouquecido, fugisse da órbita perfeita.

Teoria de novidades é teoria do tempo imperfeito, tempo do formigamento humano, tempo que ainda não encontrou o seu destino. A teoria geral da evolução, o canto darwiniano, é teoria do tempo perfeito, tempo que já encontrou o que buscava e que se repete, eternamente. Nas palavras da doxologia darwinista: “Natura non facit saltum”, tradução secularista do “Como era no princípio, é hoje e para sempre, séculos sem fim, amém”.

O ethos do neodarwinismo, Darwin 2, vive nesse mundo de perfeição musical. Essa é a razão por que a Nomenklatura científica deseja e evangeliza o retorno dos críticos e dissidentes de volta ao topos epistêmico do canto darwiniano. A missão da Nomenklatura científica não pode ser outra que a de eliminar os ruídos teleológicos para que apenas a música do acaso, necessidade, mutações filtradas pela seleção natural ao longo das eras se faça ouvir. Compreende-se então o repúdio às novas formas de teoria que invadiram a Academia após a década de 1980, música de planetas enlouquecidos, música de ruídos, do efêmero, das improvisações, de protestos, de sentimentos querendo seguir as evidências aonde elas forem dar...

Como admitir novidades nessa música na liturgia se o Relojoeiro Cego inconsciente e inconseqüente revelou à Nomenklatura científica, e somente a ela, a sua música epistêmica? A Nomenklatura científica não pode tolerar teóricos/cantores desafinados, que rompem as harmonias naturalistas do acaso, necessidade, mutações filtradas pela seleção natural ao longo das eras cantando teoria/cantos que eles mesmos inventaram.
Nomenklatura científica, Babel feliz antes do avanço da biologia molecular, da genômica, da complexidade irredutível dos sistemas, da informação complexa especificada, das causas inteligentes sendo empiricamente detectadas que apontaram que todos os cientistas estavam falando a mesma língua trabalhando na construção da torre que haveria de nos dar a tal de “Theoria perennis” das estrelas. Essa é a missão doutrinadora e castradora da Nomenklatura científica.

A Nomenklatura científica é a cura para o aprendizado de novas línguas, o retorno à monolíngua, à Novilíngua, tão em harmonia com a monotonia do canto darwiniano. Cada cantor há de se esquecer dos seus sentimentos e pensamentos científicos para se entregar à monolíngua sagrada: a “síndrome do soldadinho-de-chumbo.”

É por seu enquadramento ideológico do naturalismo filosófico que posa como ciência que a Nomenklatura científica, desde os tempos da inquisição sem fogueiras comandada por Thomas Huxley (St. George Jackson Mivart, 1871, que o diga), tem se esforçado para silenciar os teóricos-cantores dissonantes, por devoção cega à música do acaso e necessidade. Os teóricos-cantores dissidentes têm de ser silenciados a todo custo para que apenas a música de Down seja ouvida!

Grande lição histórica essa! O preço da harmonia epistêmica universal é a renúncia à liberdade individual do livre exame das evidências. Sacrifício enorme, sim, todos pensando e ouvindo a mesma coisa e ninguém pensando e nem ouvindo nada. Mas para a Nomenklatura científica isso parece insofismavelmente pequeno diante da grandiosa e insuperável beleza da música de Darwin.

Ué, em 2010 eles não vão mudar a partitura???

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PARÓDIA DO TEXTO PUBLICADO NA FOLHA DE SÃO PAULO
São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2007

O canto gregoriano

RUBEM ALVES

É por amor à vocação musical que a igreja tem se esforçado para silenciar os cantores dissonantes, não por crueldade.

"DE HARMONICE MUNDI" , as harmonias dos mundos -foi esse o nome que Kepler deu ao livro em que relatou a sua descoberta das três fórmulas matemáticas que exprimem o movimento dos planetas. Por 18 anos ele havia trabalhado até chegar àquele resultado. Para ele era mais que matemática. Era música! Os astros, esferas celestes, tocavam música, música composta pelo Criador. O Criador esperara por 6.000 anos por uma criatura que a ouvisse. Kepler fora o primeiro a ouvi-la.

Lendo "O Som e o Sentido", maravilhoso livro de José Miguel Wisnik, aprendi muitas coisas sobre esse mundo esquecido em que a matemática e música, duas irmãs gêmeas, dançavam. Sabiam os teólogos medievais que a música das esferas celestes era superior à música que os homens inventavam. E que música era essa que fazia audíveis aos ouvidos humanos a música do universo? Era o canto gregoriano. O canto gregoriano imita os astros. Cada esfera celeste é uma nota da escala musical.

Eterna e imutavelmente o canto gregoriano se repete, como convém a uma obra de Deus. O que é completo e perfeito não admite novidades. Novidades são perturbações da ordem, como se algum planeta, enlouquecido, fugisse da órbita perfeita.

Música de novidades é música do tempo imperfeito, tempo do formigamento humano, tempo que ainda não encontrou o seu destino. O canto gregoriano é música do tempo perfeito, tempo que já encontrou o que buscava e que se repete, eternamente. Nas palavras da doxologia: "Como era no princípio, é hoje e para sempre, séculos sem fim, amém".
A alma de Sua Santidade, o papa Bento 16, vive nesse mundo de perfeição musical. Essa é a razão por que ele deseja o retorno do canto gregoriano. A missão da igreja não pode ser outra que a de eliminar os ruídos humanos para que apenas a música divina se faça ouvir. Compreende-se então o repúdio às novas formas de música que invadiram a liturgia após o Concílio do Vaticano, música de planetas enlouquecidos, música de ruídos, do efêmero, das improvisações, de protestos, de sentimentos...

Como admitir novidades nessa música na liturgia se o Criador revelou à igreja, e somente a ela, a sua música? A igreja não pode tolerar cantores desafinados, que rompem as harmonias celestiais cantando cantos que eles mesmos inventaram. Igreja, Babel feliz antes da confusão de línguas, todos falando a mesma língua enquanto se trabalha na construção da torre que haverá de atingir as estrelas. Essa é a missão evangelizadora.

A igreja é a cura para a confusão de línguas, o retorno à monolíngua, tão em harmonia com a monotonia do canto gregoriano. Cada cantor há de se esquecer dos seus sentimentos e pensamentos para se entregar à monolíngua sagrada.

E é por amor à sua vocação musical que a igreja, desde os tempos da Inquisição, tem se esforçado para silenciar os cantores dissonantes, não por crueldade (embora possa parecer), mas por amor à beleza da música dos céus. Os cantores dissidentes têm de ser silenciados para que a música das esferas seja ouvida!

Grande lição essa: o preço da harmonia universal é a renúncia à liberdade individual. Sacrifício, sim, mas pequeno diante da beleza da música de Deus.