A entrevista de Ronald Numbers ao caderno Mais! da Folha de São Paulo – Parte 1 de 2

segunda-feira, maio 14, 2007

Transcrevo abaixo o e-mail que enviei às 08:34 do dia 13 de maio passado ao jornalista Mario Magalhães Alves da Silva, atual ombudsman da Folha de São Paulo:

Ilmo. Sr. Mario Magalhães Alves da Silva
Ombudsman – Folha de São Paulo

Prezado Mario,

Este e-mail é para parabenizar o Ernane Guimarães Neto e o caderno Mais! da FSP pela excelente entrevista com o Ronald Numbers. O entrevistado, em outras entrevistas já foi mais objetivo em relação ao Design Inteligente, desta vez deu respostas enviesadas e improcedentes sobre a teoria do Design Inteligente que pretendo abordar oportunamente em meu blog.

Para acompanhar o exemplo do sr. Frias, esta FSP precisa também ‘ouvir o outro lado’ entrevistando os principais expoentes do DI: Michael Behe [e-mail omitido] e William Dembski [e-mail omitido] para dar a nossa versão dessa controvérsia.

Atenciosamente,

Enézio E. de Almeida Filho

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Eis a entrevista do jornalista Ernane Guimarães Neto com Ronald Numbers, ex-adventista criacionista, e considerado o maior historiador do criacionismo. Meus comentários estão entremeados com ++++:

São Paulo, domingo, 13 de maio de 2007

Seleção natural
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1305200708.htm

Principal historiador do criacionismo, Ronald Numbers diz que movimento cresce em todo o mundo e fala também da exposição sobre Darwin em SP

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

A escola básica é a principal frente de uma guerra global: a das visões de mundo evolucionista e criacionista. A primeira, herdeira do cientista britânico Charles Darwin (1809-82), carrega o estandarte da ciência estabelecida; a segunda, de tradição religiosa, reage no campo político e cultural − incluindo argumentos científicos − para retomar o imaginário popular.

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Em plena era pós-modernista como definir a ciência como ‘ciência estabelecida’? Assim como os cientistas não sabem sequer definir quando começa a vida, eles também não sabem mais definir o que é ciência. Hoje o termo seria melhor definido como ‘ciência consensualmente assentida’. ++++

Para o historiador da ciência Ronald Numbers, essa disputa − entre ensinar, respectivamente, que o homem descende de outros animais ou que o homem foi criado por Deus − apresenta uma agressividade desnecessária.

"Não acredito que haja um conflito inerente à relação entre a maior parte da ciência e a maior parte da religião", diz.

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Concordo plenamente com Numbers, mas a Nomenklatura científica, a Grande Mídia, e os críticos religiosos e científicos de Darwin (eu inclusive) contribuem para esse estado de coisas.

A Nomenklatura científica pela sua caturrice em achar que a teoria geral da evolução de Darwin é a Theoria perennis. Alguns de seus membros mais rabiosamente vocais como Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris e P. Z. Meyers contribuem para esse clima de guerra cultural, com aparente aval e nenhuma advertência da comunidade científica.

A Grande Mídia pelo não acolhimento do contraditório em suas páginas quando a questão é Darwin, e em alguns jornais e revistas a descrição jocosa e irônica dos criacionistas e outros críticos científicos de Darwin como os teóricos e proponentes da teoria do design inteligente. “Não dar espaço” é uma atitude anticientífica e stalinista que não deveria existir mais em nosso século 21.

Nós críticos científicos de Darwin reagimos subjetivamente porque, ao denunciarmos as insuficiências do contexto de justificação das atuais teorias da origem e evolução da vida, nós sofremos a ação maquiavélica da Nomenklatura científica contra nossa dissidência a Darwin. É muita pressão emocional, e às vezes é preciso liberar um pouco toda esta adrenalina para poder sobreviver e sentir que ainda existimos. Não temos sangue de baratas. ++++

Professor na Universidade do Wisconsin, em Madison (EUA), Numbers lançou em novembro uma edição atualizada de "The Creationists" (Os Criacionistas, Harvard University Press, 624 págs., US$ 21,95, R$ 48), em que fala da expansão do criacionismo e do design inteligente, teorias opostas ao evolucionismo.

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Não li ainda este livro de Numbers, mas forneci informações para o Numbers sobre aquela situação no Brasil através de outros amigos. Não estou atrás de reconhecimento, só para situar os leitores que este ‘simples professorzinho do ensino médio’ [será???] transita também em altas esferas da comunidade científica.

Ernane, a Nomenklatura científica e o Claudio Angelo, editor de Ciência da FSP vão comer o seu fígado: você talvez seja a segunda pessoa que conheço na mídia que nomeia o criacionismo e o design inteligente como teorias.++++

Para ele, o conflito não deriva de uma divisão dentro da comunidade científica, mas de pressões políticas das instituições − religiosas e científicas.

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Pode até não haver divisão na comunidade científica, porque o consenso mantém os cientistas coesos em torno do paradigma. Será que o Numbers leu Thomas Kuhn? Se leu, pareceu que se esqueceu. Quando surgem anomalias no paradigma, quem sempre levanta a lebre é a geração mais nova de cientistas. A velha guarda defende com unha e dentes o paradigma.

A partir do momento que as anomalias não são mais respondidas pelo paradigma, os que praticam ciência normal começam dar atenção aos que levantaram a questão. Uma crise se instaura, e temos então terreno fértil para uma iminente ruptura paradigmática. Os que estão de fora podem até se aproveitar disso, e pressionar politicamente. Sejam religiosas ou científicas. Não se faz ciência no vácuo político.
Exemplo recente: células-tronco embrionárias sendo debatidas no Senado Federal do Brasil.++++

Em entrevista à Folha, ele também comentou a exposição sobre Darwin em São Paulo e a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na última segunda, que classificou o aborto como questão de saúde pública.


FOLHA − Qual sua opinião a respeito da mostra, organizada pelo Museu de História Natural de Nova York, sobre Charles Darwin [no Masp até 15/7]?
RONALD NUMBERS − Participei da inauguração da exposição em Nova York. Acho que é uma introdução muito boa ao darwinismo, uma tentativa de mostrar seu pensamento, apresentando as evidências usadas por ele para desenvolver sua teoria.

++++ Cáspita, Numbers, você como historiador de ciência deixou muito a desejar com esta sua afirmação de que a exposição “é uma introdução muito boa ao darwinismo, uma tentativa de mostrar seu pensamento, apresentando as evidências usadas por ele para desenvolver sua teoria”. Este “simples professorzinho do ensino médio” [será???], “o anta do Enézio”, é capaz de mencionar pelo menos seis pontos em que a exposição ‘doura pílula’ em favor de Darwin.++++

FOLHA − Há disputa entre essas evidências e aquelas que sustentam o ponto de vista criacionista?
NUMBERS − Simplesmente: não há evidências para o criacionismo. A criação foi um evento sobrenatural de Deus, portanto não dá para encontrar indícios dela.

Muito das chamadas “provas” do criacionismo são tentativas de associar os registros fósseis a um período muito curto, como o ano da inundação universal. Eles tentam excluir o fator tempo, de que os evolucionistas tanto precisam. E estão claramente errados.

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Mais uma vez eu vou dar uma aqui de Advogado do Diabo dos de concepções religiosas. Eu também tenho minhas reservas em relação ao chamado ‘criacionismo científico’, mas eles dizem ter evidências que precisam ser consideradas objetivamente pela comunidade científica. A astrologia não redundou numa melhor ciência da astronomia? Por que a afirmação de Numbers de que “a criação é um evento sobrenatural” e que “não dá para encontrar indícios dela” é uma afirmação científica e a dos criacionistas de que eles podem ser encontrados na natureza não é uma afirmação científica? Dois pesos, duas medidas epistêmicas?++++

FOLHA − Acha que o conflito entre ciência e religião cresceu ao longo dos últimos anos?
NUMBERS − Não acredito que haja um conflito inerente à relação entre a maior parte da ciência e a maior parte da religião. É claro que um cristão literalista, aquele que acredita que o mundo foi feito em seis dias, não pode aceitar a evolução.

A maioria dos cristãos e judeus − acredito que os muçulmanos também podem fazê-lo − arranjaram formas de acomodar seus ensinamentos na ciência. Contanto que eles não sejam materialistas e que os cientistas não digam que Deus não existe.

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Nós também do DI achamos que ciência e religião podem e devem conviver harmoniosamente, até mesmo sem o tal de NOMA de Gould [magistérios da ciência e da religião]. Como a ciência qua ciência nada pode dizer em relação à existência ou não de divindades, a melhor coisas que os cientistas materialistas ateus deveriam fazer é enfiar essa viola no saco, e continuar fazendo tão-somente ciência.

A questão dos cristãos literalistas da Terra jovem e da criação em seis dias não acreditarem na evolução, ela também se dá pelo fato de a evolução não fechar a conta epistêmica, e não somente por causa do relato sagrado de criação. ++++

FOLHA − O design inteligente representa essa acomodação? Como define essa teoria?
NUMBERS − Não há definição oficial. Muitos leigos a vêem como uma forma de teologia natural: “Tal coisa é complexa demais para ter sido feita pelo acaso”. Mas os líderes do movimento negam veementemente fazerem teologia natural.

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O design inteligente não é uma posição compatibilista, e nem acomodacionista com a evolução. A TDI é uma terceira via: Acaso + Necessidade + Leis (causas) naturais + Causas inteligentes.

A definição minimalista da TDI é: certos eventos no universo e nas coisas bióticas são melhor explicadas por causas naturais, e que elas são detectadas na natureza todas as vezes que for encontrada complexidade irredutível e informação complexa especificada.

Nós não fazemos teologia natural, porque a TDI é uma teoria científica.++++

FOLHA − Qual é o fundamento?
NUMBERS − A “complexidade irredutível”, ver que um organismo na natureza é tão complexo que não poderia ser explicado em termos evolucionistas, pois certas características teriam de surgir todas ao mesmo tempo. O designer seria Deus. Para a maioria dos cientistas, “dê-nos mais 50 anos e nós explicaremos”.

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Numbers, historiador da ciência, que escreveu um capítulo sobre Design Inteligente deveria responder melhor, sem deturpar a posição teórica do Design Inteligente: nós nunca afirmamos a identidade do designer como sendo “Deus”. É uma questão ontológica que somente os filósofos e teólogos poderiam responder. Numbers sabe que a teoria se limita tão-somente a identificar sinais de inteligência na natureza. Ele poderia ser mais duro com a emissão de notas promissórias científicas: nada de o Darwin Bank of London ter resgatado quase 150 anos de emissão de títulos epistêmicos. Numbers, mais do que eu sabe: EMPIRICA, EMPIRICE TRATANDA. Pro bonum scientiae!++++

O revolucionário, para a comunidade do design inteligente, é aceitar o sobrenatural dentro da ciência. Eles dizem que a escolha, feita há mais de 200 anos, de não apelar a Deus ou ao Diabo ao fazer ciência, é arbitrária e deveria ser rejeitada.
Estão desafiando uma regra básica da ciência: “Deus pode até ter feito a coisa, mas tentaremos interpretá-la naturalmente”.

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A TDI se for tratada do ponto de vista estritamente científico, nenhuma posição teológica (sobrenatural) ou antiteológica (naturalista) é privilegiada. O erro de Numbers, e da maioria dos críticos do DI, é não levar em conta que o contraste apropriado aqui é de causas naturais não guiadas versus causas inteligentes. Nem mais, nem menos.

A afirmação de Numbers de que os teóricos e proponentes do DI disseram da “escolha, feita há mais de 200 anos, de não apelas a Deus ou ao Diabo” ... seja “arbitrária e deveria ser rejeitada” é falsa e leviana. Colocou palavras que nós nunca dissemos. Nós do DI não estamos desafiando uma regra básica da ciência, mas o fato de a ciência ter sido seqüestrada pelo naturalismo metodológico influenciado pelo materialismo filosófico.++++