A entrevista de Ronald Numbers ao caderno Mais! da Folha de São Paulo – Parte 2 de 2

sexta-feira, maio 18, 2007

FOLHA − E essa seria a nova moda, em lugar da "geologia do Dilúvio"?
NUMBERS − Errado. O apoio aos criacionistas, geólogos do Dilúvio, ou seja, qual for o nome continua muito grande. É que eles não têm nada de novo a apresentar, ou melhor, só um novo museu criacionista de US$ 27 milhões [cerca de R$ 55 milhões] a ser inaugurado na região de Cincinnati [o Creation Museum, com abertura prevista para junho].

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Ufa, ainda bem que Numbers disse: o DI não é uma “nova moda”, e nem tampouco substituição da “geologia do Dilúvio”. A TDI é uma teoria científica minimalista: certos eventos no universo e nos objetos bióticos são melhor explicados por causas inteligentes empiricamente detectadas. Contudo, nós viemos pra ficar!++++

FOLHA − Recentemente, o presidente Lula se referiu ao aborto como “questão de saúde pública”, com forte reação dos religiosos. Como um governo deve tratar esse tema? Como ocorreu nos EUA?
NUMBERS − Sou democrático o bastante para acreditar que as pessoas deveriam ter o direito de expressar suas vontades; as preocupações devem ser ouvidas, mas não acredito que as igrejas deveriam ditar a política.

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Nós do DI também somos democráticos, mas, e aqui se entenda indivíduos que fazem parte do DI e não a teoria, nós entendemos que o Estado laico não pode ter sua política ditada somente pelas inferências derivadas do naturalismo filosófico, sem uma maior participação de todas as correntes da sociedade. Somos políticos, mas quem não é???

O utilitarismo (Jeremy Bentham − 1748-1832) proclama que os governantes devem dispensar o máximo possível do bem e minimizar o máximo possível da dor para um número maior de pessoas ao longo do tempo. Traduzido em miúdos: os fins justificam os meios. A questão de saúde pública liberando o aborto (o bem) até 3 meses de gravidez para o maior número possível de mulheres para minimizar o máximo possível a gravidez indesejada (a dor) através da morte desses fetos.
Isso é a justificação da pena de morte sem formação de culpa de seres humanos. Um genocídio tupiniquim sancionado pelo nosso Grande Fuhrer Lula, com o aval da Nomenklatura científica, e o apoio escancarado da Grande Mídia tupiniquim.++++

A Suprema Corte dos EUA decidiu [em abril] que os Estados terão o direito de elaborar leis contra o “aborto com nascimento parcial” [técnica abortiva realizada com a gravidez avançada, geralmente no segundo trimestre de gestação]. Não sei se isso é o início de uma onda de leis antiaborto. Aborto e evolução são assuntos que dividem os EUA.

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A Suprema Corte dos EUA tirou a sua da reta e jogou toda a responsabilidade de decisão para os estados nesta questão de “aborto com nascimento parcial”. Moradores de estados americanos que proibirem a “pena de morte sem formação de culpa” viajarão para os estados que permitem legalmente esse holocausto de inocentes a fim de se livrarem do incômodo de uma gravidez indesejada.

A questão é colocada como de saúde pública − maximizar o bem para um maior número possível de mulheres, e minimizar essa dor. O se livrar de uma dor (gravidez indesejada) justifica o meio (o aborto com o aval do Estado). O nome disso é genocídio. Holocausto. Herr Joseph Mengele, os tabajaras aprenderam a lição rapidamente! Até tu, Lula?++++

FOLHA − Assim como a eutanásia, certo?
NUMBERS − A eutanásia não chama tanto a atenção. As pessoas ignoram o assunto até que haja casos judiciais de importância. Os jornalistas é que criam esse conflito entre ciência e religião.

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A eutanásia é assassinato cometido por mãos médicas autorizadas pelo Estado.

Uau, eu acho que o Numbers anda lendo o meu blog: “os jornalistas é que criam esse conflito entre ciência e religião”. Ernane, que tal incentivar o Claudio Angelo e o Marcelo Leite da FSP a serem mais “democráticos”, menos influenciados pela agenda filosófico-materialista, e a “ouvirem o outro lado”?++++

FOLHA − Como lidar com esse conflito, especialmente nas escolas?
NUMBERS − No Reino Unido não há proibição constitucional ao ensino de religião em escolas públicas; nos EUA isso existe desde a fundação, e as escolas dos EUA deveriam ser neutras em termos de religião.

Contudo pessoas como [o biólogo] Richard Dawkins, para quem a evolução é inerentemente ateísta − a mesma coisa que os religiosos vinham dizendo −, correm o risco de ver os religiosos quererem proibir o ensino do evolucionismo porque não seria, então, religiosamente neutro. Isso é perigoso.

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Que as escolas públicas americanas deveriam ser neutras em termos de religião é uma coisa, mas que elas são neutras é outra. A religião doutrinada naquelas escolas é o materialismo filosófico (ateísmo) com flagrantes casos de indivíduos serem humilhados publicamente em salas de aulas pela sua crença na existência objetiva e real de uma divindade.

Os de concepções religiosas estão reagindo em favor dos seus direitos constitucionais. Isso incomoda os materialistas que, até certo tempo nunca viram uma reação política tão agressiva desses “cordeirinhos”. Aqui no Brasil eu pergunto aos de concepções religiosas: “Quem foi que vos tirou a coragem de ser? Por que vocês não são mais audaciosos? Deixem de ser invisíveis! Façam política! Desçam do muro! Saiam dos armários!”

Darwin afirmou que se a sua teoria da evolução pela seleção natural precisasse de ‘ajuda externa’, sua teoria seria ‘bullshit’ [titica de galinha pra não dizer outra coisa]. Huxley, o buldogue de Darwin, batalhou uma cruzada frenética contra os de concepções religiosas. Darwin afirmou no seu Descent of Man que a sua intenção na elaboração da teoria da evolução era acabar com o conceito de criação. Desde o tempo de Darwin os cientistas vêm afirmando a inerência do ateísmo na teoria da evolução.

Fui ateu, e a teoria da evolução fundamentou muito essa minha subjetividade ateísta. Nós do DI somos a favor do ensino objetivo da evolução − suas evidências a favor e contra devem ser ensinadas aos alunos. Seria deplorável que a “vontade religiosa” prevalecesse, mas muito mais deplorável é o ensino da visão única da evolução sem críticas, e da doutrinação filosófico-materialista.++++

FOLHA − Então pessoas como Dawkins põem lenha na fogueira?
NUMBERS − Sim, eles dão a deixa para os criacionistas. “Vocês, criacionistas, têm razão: a evolução é ateísta”.

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Numbers parece que não leu o Origem das Espécies. Se leu está sendo capcioso aqui. Darwin disse que se sua teoria da evolução pela seleção precisasse de ‘ajuda externa’ a sua teoria seria ‘bullshit’ [titica de galinha pra não dizer outra coisa]. Huxley desencadeou freneticamente uma luta contra os de concepções religiosas. Desde o tempo de Darwin tem sido assim. Além disso, o próprio Darwin afirmou no Descent of Man (1871) que a sua subjetividade filosófica ao escrever a teoria da evolução: ter contribuído para derrubar o conceito de criação. Assim, não é somente Dawkins o único culpado em ter posto ‘lenha’ nessa fogueira cultural.++++

FOLHA − Acha que a comunidade científica deve se preocupar com esse conflito ou há exagero?
NUMBERS − É causa para preocupação. Há uma controvérsia, sim, mas não dentro da comunidade científica. Diferentemente do que afirmam certos jornais, o número de criacionistas praticando ciência é ínfimo. A comunidade não está dividida. Fora da comunidade científica, sim: nos EUA, cerca de dois terços da população preferem o criacionismo ao evolucionismo.

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A causa da preocupação da comunidade científica deve ser a de arranjar evidências que apóiem a teoria geral da evolução. Chega de ‘just-so stories’ [estórias da carochinha]. Por que se preocupar com os ‘cientistas criacionistas’, se eles são em número ínfimo. Uns 3.000 é pouco? Fonte segura me informa que este número pode chegar a 10.000 em todo o mundo.

Ao afirmar que a controvérsia não se dá dentro da comunidade, Numbers, como historiador da ciência deixa muito a desejar, e precisa se atualizar na literatura especializada: há mais de uma década há uma controvérsia dentro da comunidade científica quanto à suficiência epistêmica do neodarwinismo, e que foi solicitada a elaboração de uma nova teoria geral da evolução. Isso somente acontecerá em/depois de 2010.

FOLHA − Que acha da política francesa de proibir o uso ostensivo de símbolos religiosos nas escolas?
NUMBERS − Acredito na livre expressão das crenças religiosas.

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Nós do DI também. Até dos ateus que não deixam de ser ‘religiosos’ secularizados merecem a livre expressão de seu credo e dogmas fundamentalistas.++++

FOLHA − Isso não interfere na aquisição de conhecimento?
NUMBERS − Não nos EUA. Não temos tantos muçulmanos nas universidades, mas eles têm liberdade para se vestir como quiserem, há os budistas em suas roupas cor de laranja... Banir os símbolos religiosos seria, nos EUA, atropelar os direitos dos alunos.

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Ainda bem que esta pergunta veio quase no final. Aquisição de conhecimentos não se dá por causa de indumentária: ela se dá na mente do ateu e do teísta. A evolução é mais democrática do que imaginamos.++++

FOLHA − Entre os cientistas, há mais religiosos, ateístas ou agnósticos? Quem tem mais voz?
NUMBERS − Um ex-aluno meu fez uma pesquisa anos atrás com cientistas dos EUA: cerca de 40% acreditavam num deus que atende a preces e provê uma vida após a morte. É uma concepção robusta de Deus. Outros tinham uma noção mais vaga.
Quanto mais alto o escalão, menos se acreditava em Deus − aparentemente, quanto mais famoso é o cientista, menos ele precisa de Deus.

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Numbers sabe que esta pergunta não científica. Ela é subjetiva. A ciência não prova a existência e a inexistência de Deus. Não precisa ser cientista de alto escalão para desacreditar em Deus. Basta ser ateu. Simplesmente ateu e sem diploma. A minha máxima para contrapor isso é: existem ateus burros e ateus
superinteligentes. É tudo uma questão de gradação intelectual. Contudo, ser ateu intelectual é mais chique, e vira notícia. Dawkins que o diga. A Grande Mídia favorece esta cosmovisão atéia e demoniza os de concepções religiosas.++++

FOLHA − O que mudou na nova edição de "Os Criacionistas"?
NUMBERS − Acrescentei dois capítulos: uma história do movimento do design inteligente e um capítulo chamado "O Criacionismo Torna-se Global".

Muita gente, especialmente Stephen Jay Gould [1941-2002], enfatizou quão norte-americano sempre foi esse movimento, a ponto de o resto do mundo não ter de se preocupar.

Mas nos últimos 15 anos, o antievolucionismo se espalhou − até no Brasil: já ouviu falar de dois governadores antievolucionistas no Rio de Janeiro? [alusão aos protestantes Rosinha Matheus e Anthony Garotinho, do PMDB]

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Eu ainda não li o livro de Numbers, mas ele foi uma das poucas vozes acadêmicas a fazer distinção entre a teoria do Design e o Criacionismo. Não sei se ainda continua com este ponto de vista.

Quanto ao episódio do Brasil, eu informei através de amigos sobre a questão dos governadores estarem mal assessorados numa questão flagrantemente inconstitucional, e da existência de um pequeno núcleo brasileiro de Design Inteligente formado por professores e alunos de graduação e pós-graduação em universidades brasileiras públicas e privadas.++++

FOLHA − Em que outras frentes os criacionistas têm ganho terreno?
NUMBERS − Na América Latina, na África subsaariana, na Austrália... A maioria dos cristãos não aceita a evolução, mas antes eles não a combatiam. Na Ásia, um dos grupos antievolucionistas mais fortes está na Coréia do Sul.

Há cerca de dois anos, a ministra da Educação da Holanda [Maria van der Hoeven, atual ministra da Economia] sugeriu o ensino de design inteligente nas escolas, com o intuito de unir cristãos, judeus e muçulmanos.

E isso é só entre os cristãos. Entre os muçulmanos, o maior grupo antievolucionista é liderado por Harun Yahya, pseudônimo de Adnam Otkar, cujos livros já foram distribuídos para vários países. Há também o grupo judeu que criou a Torah Science Foundation, que mistura criacionismo e cabala.

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Eu vou fazer aqui o Advogado do Diabo dos criacionistas: eles estão ganhando terreno no mundo por duas razões: a obtusa recusa dos darwinistas reconhecerem para um universo maior as insuficiências epistêmicas fundamentais do neodarwinismo que eles, à boca pequena discutem intramuros e nas publicações científicas. As evidências estão apontando noutra direção, mas a Nomenklatura científica e a Grande Mídia não dão espaço para o livre debate desta importante questão, e soberbamente ignoram os críticos de Darwin e os proponentes de novas teorias científicas.

A arrogância de uma Theoria perennis, as investidas na jugular epistêmica pelos teóricos e defensores do Design Inteligente, tudo isso fortaleceu os criacionistas que “saíram do armário” em escala global. Seguiram estritamente a Huxley: organizaram-se em grupos vocais e visíveis voltados para a divulgação popular.
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FOLHA − Acha que os estudos sobre o genoma podem ditar as teorias que serão privilegiadas nos próximos anos?
NUMBERS − Creio que não. Teremos a mesma diversidade. Suponha que se confirme que não há grande diferença genética entre macacos e humanos. Os evolucionistas dirão: "É claro, nós saímos dos macacos". Mas os criacionistas dirão: "Não admira, é o mesmo criador".

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Uma lição científica para Numbers: é preciso primeiro ter uma teoria científica, depois é que vêm as observações. Engraçado, Darwin saiu coletando espécimes e fazendo observações, e não tinha uma teoria. Os cientistas devem tão-somente seguir as evidências aonde elas forem dar. Duela a quien duela. Seja Darwin, seja quem for.

Se a nova teoria geral da evolução que está sendo elaborada para 2010 não incorporar a teoria da informação complexa especificada e a complexidade irredutível de sistemas biológicos, ela será uma teoria inadequada em função da extrema complexidade do fenômeno genômico sendo observado. A biologia hoje é uma ciência da informação.++++

Um alô para o Ernane: Que tal entrevistar o Michael Behe ou o William Dembski? Eles seriam o ‘contraditório’ mais adequado para as páginas do caderno Mais! O sr. Frias iria adorar − ele era cético saudável e não acreditava em cosmovisões definitivas.

Folha de São Paulo, está mais do que na hora de honrar a liberalidade humanista do sr. Frias...



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NOTA DO BLOGGER: Eu continuo sendo de esquerda, apesar de...