PLATÃO & O JORNALISMO
Subsídios para uma reflexão ética
Por Rafaela Sandrini em 1/12/2009
Escrito pelo filósofo Platão em A República, o "Mito da Caverna" pode ser uma ótima ferramenta para estudo da prática jornalística e da função social do jornalista. Antes de qualquer coisa, vamos à parábola platônica.
O mito da caverna apresenta o seguinte relato. Imaginemos uma caverna, onde seres humanos estão algemados pelas pernas e pelos pescoços e não conseguem movimentar a cabeça, podendo apenas ver o fundo da caverna. Esses seres humanos nasceram e cresceram ali. Há um muro alto que separa o mundo exterior e a caverna. A entrada da caverna permite que por uma fresta passe um feixe de luz exterior. Através da parede do fundo da caverna são projetadas sombras de outros homens que, além do muro, mantêm acesa uma fogueira. Tudo que os prisioneiros veem são as sombras refletidas do mundo exterior através da fogueira. Os prisioneiros acreditam que essas sombras sejam a realidade.
Certo dia, um prisioneiro consegue se soltar das amarras, ultrapassa o muro e conhece o mundo exterior. Primeiramente, a luz do sol incomoda sua visão. Aos poucos consegue ver as coisas com mais nitidez e percebe quantas coisas maravilhosas existem no mundo. Apesar de tudo o que conhece, o ex-prisioneiro sente-se solitário e volta à caverna para contar aos colegas o que viu. Alguns prisioneiros não acreditam, o agridem e o acusam de mentiroso. Outros desejam ver com os próprios olhos.
Uma percepção mais nítida
Através de uma analogia entre a metáfora da caverna e o jornalismo, muitas conjeturas podem servir como objeto de reflexão. Nesta contextualização, os prisioneiros seriam o público que, através dos veículos de comunicação, vê apenas projeções do mundo real e acredita que essas sombras sejam a realidade. Não consegue ver nada além das projeções porque foi ensinado a enxergar assim.
As sombras vistas pelos prisioneiros poderiam ser consideradas aqui como qualquer coisa que impeça a sociedade, ou até mesmo os jornalistas, de enxergar a realidade ou de ter uma visão mais ampla do mundo. Exemplo seriam os interesses políticos e econômicos que contaminam e corrompem as práticas jornalísticas.
Já o prisioneiro que se liberta das amarras poderia representar, nesta reflexão, o jornalista que busca se soltar dos desvios éticos que enfrenta a profissão no mundo moderno. As justificativas são muitas. Primeiramente porque o jornalista é, ou deveria ser, a pessoa que se afasta das sombras e vai buscar a realidade do mundo. Através da luz do sol, que consideramos aqui o conhecimento, a liberdade e a reflexão, ele consegue ter novos olhares e uma percepção mais nítida do mundo.
Uma pergunta pertinente
Mas de nada adianta esse conhecimento se ele não for compartilhado. Assim como o prisioneiro que se liberta e volta para contar aos colegas o que viu, o jornalista deve mostrar à sociedade tudo o que vê, ouve e presencia. Cabe ao jornalista mostrar à sociedade que as sombras que ela vê podem não ser a realidade. Tal atitude pode lhe causar críticas e retaliações, já que nem todos possuem os olhos treinados para enxergar a realidade e a luz do sol (realidade) pode incomodá-los. Mas nem por isso deve desistir desse objetivo.
Através dessas pequenas analogias, percebe-se que o jornalista desempenha uma função social imensurável. É ele quem tem o poder de desvendar as mazelas que adoecem a justiça brasileira, as moléstias que apodrecem a política, as intempéries que danificam o sistema educacional e os males que embaraçam e tentam impedir a liberdade de imprensa e de expressão. Mas para isso é preciso que os jornalistas estejam dispostos a se soltarem das amarras das dependências políticas, interesses financeiros e desvios éticos que corrompem a profissão. Coragem, conhecimento e reflexão são indispensáveis. A pergunta que muitas vezes encerra as interpretações feitas sobre o mito da caverna torna-se pertinente a esta reflexão também: "Nem todos os homens estão prontos para sair da caverna. Alguns jamais estarão. Você está pronto?"
Fonte: Observatório da Imprensa