JC e-mail 3910, de 14 de Dezembro de 2009.
18. Herança ameaçada
Mudanças climáticas comprometem sítios históricos e estudo de culturas antigas
Renato Grandelle escreve para "O Globo":
Consequências diretas do aquecimento global, como o aumento do nível do mar, o degelo e a desertificação, prejudicarão o estudo de antigos povos e civilizações. Sítios históricos e arqueológicos de vários países correm o risco de desaparecer devido às mudanças climáticas, discutidas por líderes mundiais reunidos desde o início da semana em Copenhague.
Groenlândia e Sibéria, por exemplo, veem a história de seus povos engolida por um clima que não exibe o frio rigoroso de anos atrás.
Relíquias vikings expostas às ondas
Até o início da década, uma plataforma flutuante de gelo, de até 64 quilômetros de largura, protegia o litoral ocidental da Groenlândia das violentas ondas do Atlântico Norte. O aumento da temperatura acabou com este cinturão, deixando a costa exposta à fúria do mar. Pesquisadores estimam que o Atlântico avança até um metro por ano sobre relíquias da ocupação viking e de povoadores ainda mais antigos, que construíram casas perto da costa, ponto de partida para a caça de baleias, há mil anos.
O degelo também compromete os sítios arqueológicos das Montanhas Altai, que se estendem por parte da Rússia siberiana, da China e do Cazaquistão.
É nas Altai siberianas que estão os mais bem preservados vestígios do povo nômade cita, que, por quase três mil anos, vagou pelas estepes e montanhas da Ásia. Boa parte do que se sabe sobre esses guerreiros deve-se aos kurgans, nome dado às seus túmulos peculiares. As sepulturas de reis são particularmente ricas: além de múmias perfeitamente preservadas, há vestígios de armas e joias e até de cavalos. O gelo protegeu esses vestígios por séculos. Mas se a temperatura continuar a subir na região, a herança dos citas pode sofrer estragos irreparáveis.
Nos Alpes suíços, porém, o derretimento das geleiras foi fundamental para que cientistas descobrissem um grande sítio arqueológico. As escavações começaram em 2003, quando a Europa passou pelo verão mais quente dos últimos cinco séculos. As temperaturas chegaram a 41 graus na Suíça. O degelo nos Alpes foi tão significativo que inundou vales e provocou avalanches.
Ao caminhar pelas montanhas, um casal encontrou um fragmento antigo de couro. Era o pedaço de um coldre fabricado há 4.700 anos. Nos dois anos seguintes, foram encontradas 300 peças de diversos períodos históricos. Passaram por ali povos das idades da Pedra e do Bronze, da época do Império Romano e da Idade Média, pois o caminho íngreme era um atalho importante.
Agora, cientistas temem que o mesmo degelo que expôs os sítios arqueológicos os destruam.
O aumento do nível do mar é outra ameaça. O avanço do Pacífico sobre as Ilhas do Canal, na costa da Califórnia, pode tragar vestígios deixados pelo homem há 13 mil anos. Os pesquisadores ainda não sabem quando o homem migrou das ilhas para o continente. A definição deste período depende de trabalhos de campo ameaçados pelo aumento do nível do mar. Abrigos de pedra podem ser engolidos pelas águas, assim como o resto de vários objetos deixados pelos primeiros americanos, como ferramentas, colares e cestas.
No Peru, o temor dos pesquisadores é o mesmo que acometia a população local há mais de mil anos: o El Niño. Só que agora existe risco de o El Niño ser intensificado pelo aquecimento global. À época, a costa do atual Peru era ocupada pelo povo chimú, que, usando tijolos de barro, construiu a cidade de Chan Chan. É um material condizente com as características desérticas da região, embora volta e meia abalada por tempestades causadas por aquele fenômeno climático.
O que sobrou de Chan Chan, hoje um grande campo de pesquisas, pode ceder à crescente erosão. A cidade foi incluída em 1986 na lista da Unesco de sítios arqueológicos ameaçados. Doze anos depois, a situação dos vestígios históricos piorou.
Uma nova edição do El Niño aumentou em 120 vezes o índice de chuvas naquele local. Como boa parte das relíquias estudadas fica em terrenos ao longo de rios, muitas podem se perder em meio a inundações.
A desertificação, outra consequência do aquecimento global, também prejudica o trabalho de pesquisadores.
Para arqueólogos, a areia pode acelerar a destruição das ruínas do Reino de Kush, no Sudão. As dunas do Saara avançam pelo sítio arqueológico e dificultam seu estudo, algo improvável há 2 mil anos, quando a fertilidade da região era garantida por sua proximidade ao Rio Nilo.
Uma das áreas mais ameaçadas é aquela onde se localizava, no esplendor do império, a cidade-estado de Meroé. O centro religioso local era o Templo do Deus Leão, erguido no meio de uma pastagem e dedicado a Apedemak, deusa da fertilidade. O templo contava com paredes repletas de hieróglifos da língua meroítica, ainda não totalmente decifrada. A vegetação foi totalmente erradicada com o passar dos séculos - o pontapé inicial, aliás, foi dado daquele período, com o corte de árvores para sustentar a fundição de ferro.
Em Meroé e nos outros casos, os pesquisadores pouco podem fazer para impedir a destruição do patrimônio.
- A solução seria transpor os sítios para locais mais elevados, ou mesmo para museus - cogita o arqueólogo Pedro Paulo Funari, coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. - Mas mesmo esses processos, em que se desmontam até pirâmides inteiras, podem deixar resquícios pelo caminho. É uma herança praticamente irrecuperável
Sambaquis em risco no litoral
Embora mudanças climáticas tenham sido intensificadas pela ação humana, tratam-se de fenômenos naturais, que ocorreram outras vezes no passado. A variação de temperatura já provocou impactos bruscos na geografia brasileira. Até o fim da última glaciação, dez mil anos atrás, a costa das regiões Sul e Sudeste ultrapassava em mais de 100 quilômetros os limites vistos hoje no mapa.
- Nosso litoral, em toda a sua extensão, era basicamente reto - explica Funari. - O avanço do mar, iniciado 10 mil anos atrás, submergiu muitos sítios costeiros.
Apesar da perda de território, os vestígios de seus habitantes ainda podem ser estudados graças aos sambaquis, morrotes formados por conchas, mariscos, restos de ossos e cerâmicas. Neles já foram encontrados instrumentos de pedra e esqueletos, pertencentes a povos dominados depois pelos tupis. Eram, ao mesmo tempo, morada e sepulcro.
Mas, em vez de servirem como sítio histórico, muitos são degradados pelo turismo. Outros tantos correm risco com o aumento do nível do mar, principalmente nos estados do Rio e de Santa Catarina.
(O Globo, 12/12)
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NOTA CAUSTICANTE DESTE BLOGGER:
E daí que os sítios históricos estão sumindo? Pô, cara, você como cientista é egoísta demais. Deixa um pouco para os outros cientistas lá na frente fazerem ciência... e redescobrirem a nossa saga evolutiva...