Darwin achou o elo perdido nos trópicos do Brasil

quinta-feira, maio 14, 2009

Destaco esta reportagem da revista Pesquisa FAPESP, Edição Impressa 159 - Maio de 2009.

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Humanidades | Sociologia

O elo perdido tropical

Brasil foi fundamental para Darwin criar suas teorias, que retornaram ao país, mais tarde, e moldaram nossa nação

Carlos Haag

Charles Darwin (1809-1882) passou quatro meses no Brasil, em 1832, durante a sua célebre viagem a bordo do Beagle. Voltou impressionado com o que viu: “Delícia é um termo insuficiente para exprimir as emoções sentidas por um naturalista a sós com a natureza no seio de uma floresta brasileira”, escreveu em seu diário científico. O Brasil, porém, aparece de forma bem menos idílica em seus escritos pessoais: “Espero nunca mais voltar a um país escravagista. O estado da enorme população escrava deve preocupar todos que chegam ao Brasil. Os senhores de escravos querem ver o negro como outra espécie, mas temos todos a mesma origem num ancestral comum. O meu sangue ferve ao pensar nos ingleses e americanos, com seus ‘gritos’ por liberdade, tão culpados de tudo isso”. Numa casa em que ficou hospedado no Rio sofreu ao presenciar, “diariamente e a toda hora”, um mulato ser espancado com tal violência que “seria suficiente para quebrar o espírito do mais baixo animal”. Em vez do gorjeio do sabiá, o que ficou no ouvido de Darwin, ao voltar para a Inglaterra, foi um som terrível que o acompanhou por toda a vida: “Até hoje, se eu ouço um grito ao longe, lembro-me, com dolorosa e clara memória, de quando passei numa casa em Pernambuco e ouvi os urros mais terríveis. Logo entendi que era algum pobre escravo que estava sendo torturado. Eu me senti impotente como uma criança diante daquilo, incapaz de fazer a mínima objeção”.

“Para Darwin, a viagem do Beagle foi menos importante pelos espécimes coletados do que pela experiência de testemunhar os horrores da escravidão no Brasil. De certa forma, ele escolheu focar na descendência comum do homem justamente para mostrar que todas as raças eram iguais e, dessa forma, enfim, objetar àqueles que insistiam em chamar os negros de espécies diferentes e inferiores aos brancos”, explica o biólogo Adrian Desmond, da University College London, que, ao lado de James Moore, acaba de lançar Darwin’s sacred cause: race, slavery and the quest for human origins, um estudo que mostra uma inusitada paixão abolicionista do cientista, revelada a partir da redescoberta de diários e cartas pessoais. “A grande revelação desses escritos é que a maior parte das pesquisas de Darwin, por muitos anos, foi sobre raça. Para ele, não havia diferença entre ‘raça’ e ‘espécie’ e sua pesquisa sobre a origem das espécies é também sobre a origem das raças, incluindo-se os humanos. A extensão de seu interesse explícito no combate à ciência de cunho racista é surpreendente, e pudemos detectar um ímpeto moral por trás de seu trabalho sobre a evolução humana, uma crença numa ‘irmandade’ racial que tinha raízes em seu ódio ao escravismo que o levou, junto com outros fatores, a pensar numa descendência comum. Sua ciência não era ‘neutra’, como se acreditava, mas impulsionada por paixão moral e preocupações humanitárias”, observa.

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