Tribuna científica
21/5/2009
Por Alex Sander Alcântara
Agência FAPESP – No ano em que se comemora o bicentenário de nascimento do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), um episódio que vale a pena ser lembrado está na forma como suas ideias foram inicialmente absorvidas no Brasil, tanto pelos jornais como pela literatura.
O livro recém-lançado A tribuna da ciência: as Conferências Populares da Glória e as discussões do darwinismo na imprensa carioca analisa como o autor de A origem das espécies ganhou espaço e influenciou a opinião pública brasileira.
As Conferências Populares da Glória foram fóruns públicos realizados no Rio de Janeiro na segunda metade do século 19, nos quais cada orador apresentava o tema que desejasse. De acordo com a autora do livro, Karoline Carula, foi durante a realização das conferências que pela primeira vez se apresentou o darwinismo em espaços não institucionais de saber e ensino. Até então, essa temática ficava restrita às faculdades de medicina e de direito, aos institutos históricos e geográficos e aos museus.
“As Conferências Populares da Glória foram importantes na difusão do darwinismo na Corte. Como eram públicas, qualquer um poderia assistir às preleções, ainda que a maioria dos frequentadores representasse a elite letrada carioca”, disse à Agência FAPESP Karoline Carula, doutoranda em história social pela Universidade de São Paulo (USP).
O livro é resultado da dissertação de mestrado da autora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concluída em 2007 e orientada por Iara Lis Schiavinato, professora da pós-graduação em história e em artes, que assina a apresentação. A obra teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa – Publicações.
Focada entre 1873 e 1880, ela é dividida em três capítulos: As Conferências Populares da Glória e a divulgação da ciência, O darwinismo nas Conferências Populares da Glória e O mulato e o darwinismo, em que são discutidas as ideias darwinistas presentes em O mulato, de Aluísio Azevedo.
Segundo Karoline, o fato de as conferências repercutirem na imprensa colaborou para a difusão do darwinismo, sobretudo pela polêmica que o tema provocava. Como se tratava de espaços de sociabilidade letrada, que formavam opinião pública e repercutiam na imprensa, divulgar novas ideias era estratégico.
Houve uma vasta gama de assuntos apresentados nas Conferências Populares e o darwinismo esteve presente de maneira direta ou indiretamente. Diversos oradores apresentavam um determinado tema e, durante a preleção, expunham o darwinismo, concordando ou discordando das ideias de Darwin.
“Este foi o caso, por exemplo, da preleção do médico Antonio Felício dos Santos. Em 1876, na conferência “Da moda com relação à higiene”, ele fez uso da teoria de Darwin como argumento para justificar a relação entre moda e higiene. Ou seja, basear sua proposição no darwinismo indicava que a teoria já havia adquirido credibilidade entre aqueles que assistiam ao evento”, disse.
Segundo Karoline, um dos principais divulgadores do darwinismo nas conferências foi outro médico, Augusto Cezar Miranda Azevedo. “As ideias darwinistas eram ressignificadas, sendo muito vezes mescladas com teorias de outros evolucionistas, como Herbert Spencer e Ernst Haeckel”, apontou.
O darwinismo provocou grande polêmica nos jornais na década de 1870, que reverberaram as ideias apresentadas nas Conferências. Dos jornais analisados no estudo de Karoline (Jornal do Commercio, A Reforma, O Globo, Diário do Rio de Janeiro, Gazeta de Noticias, O Apóstolo, entre outros), O Apóstolo, periódico vinculado aos interesses da Igreja Católica, foi o único que se posicionou de modo contrário ao darwinismo e à sua difusão no Brasil.
“As conferências de Miranda Azevedo receberam críticas desse periódico. Algumas dessas críticas foram respondidas pelo médico em conferências seguintes, sinalizando para a via de mão dupla entre as Conferências e a imprensa”, exemplificou.
A historiadora aponta que entre os próprios jornais também havia uma discussão a respeito, no qual um intelectual respondia às críticas lançadas por outro. Ou seja, a imprensa não atuava apenas como mediadora do debate.
“Esse foi um dos pontos que trabalhei, o modo como a imprensa e as Conferências Populares da Glória operaram como formadoras de opinião pública a respeito do darwinismo na década de 1870 no Rio de Janeiro”, destacou.
Mulato darwinista
No último capítulo do livro, a autora analisa o livro O Mulato, publicado em 1881, que trouxe na construção do enredo e dos personagens conceitos darwinistas – presentes, por exemplo, na ascendência africana de Raimundo, personagem central da trama.
Segundo Karoline, o público da Corte que leu a obra já havia acompanhado discussões sobre o assunto e, provavelmente, ao ler o romance relacionou algumas metáforas com o darwinismo.
O darwinismo aparece operacionalizado na obra de maneira análoga ao exposto nas Conferências da Glória. “Em decorrência de uma das preleções de Miranda Azevedo, grande polêmica foi gerada na imprensa em torno da origem do homem”, disse. Para ela, de certa maneira, as Conferências prepararam o público leitor para tal recepção.
“O fato de o darwinismo estar presente em uma obra literária indica que, de certa maneira, o público estava preparado para essa recepção. É importante ressaltar que a camada letrada, na década de 1870, frequentou as Conferências Populares da Glória e acompanhou as polêmicas que as preleções darwinistas geraram na imprensa”, disse.
A pesquisadora destaca que as Conferências Populares da Glória foram criadas para instruir o público nos mais diversos assuntos, em especial nos relativos às ciências.
“Significativa parcela da sociedade brasileira acreditava que, por meio da instrução nas ciências do povo, o país poderia se inserir no rol dos países mais desenvolvidos”, apontou.
A tribuna da ciência: as Conferências Populares da Glória e as discussões do darwinismo na imprensa carioca (1873–1880)
Editora: Annablume
Ano de publicação: 2009
Preço: R$ 31,00.
Mais informações: www.annablume.com.br