Como surgem as espécies

quinta-feira, maio 21, 2009

Como surgem as espécies

Especialistas explicam processos que levam à existência de novas espécies. Em evolução, resultado é sempre uma combinação complexa de forças diversas

No senso comum, a ideia de evolução de uma espécie está associada à conquista de um estágio mais avançado, uma modificação que tornaria essa espécie, de alguma forma, superior. Na perspectiva da Ciência, a ideia de evolução está mais próxima à de movimento do que à de superioridade.

Homo neanderthalensis e Homo sapiens sapiens, parentes não tão distantes. Há indícios que o último homem-de-neandertal habitou a região do continente europeu a cerca de 30 mil anos.

Segundo o geneticista Francisco Prosdocimi, do Laboratoire de Biologie et Genomique Structurales, de Strasbourg, na França, as espécies existentes hoje resultam da combinação de uma série de processos que modificaram seus antepassados para que continuassem vivendo num ambiente também em movimento, naquilo que a Ciência chama de especiação.
E como ocorre esse processo de formação das espécies? Para entender esse fenômeno, antes, é preciso entender o que é uma espécie, o que não é tarefa das mais fáceis.

Para a Biologia, espécies são os nomes que os biólogos dão a grupos de organismos que se parecem, e que são capazes de se reproduzir originando prole fértil. No entanto, "o problema das espécies", como é chamada a discussão, vai um pouco mais além. Segundo Prosdocimi, as definições de espécie são sempre alvo de grandes debates entre os pesquisadores. "Existem as mais interessantes variações no conceito, e não é possível definir com exata precisão e pleno acordo do que se trate uma determinada espécie." Reinaldo Alves de Brito, professor do Departamento de Genética e Evolução da Universidade Federal de São Carlos, por sua vez ressalta que atualmente são utilizados mais de 20 conceitos diferentes para se definir uma espécie.

O primeiro teste feito para tentar descobrir a possível especiação é verificar se esse processo vem acontecendo ao longo do tempo. Brito explica que mesmo após o processo de especiação, uma grande similaridade entre os genomas de duas espécies pode persistir mesmo elas não se cruzando mais. Isto pode ser resultado de uma especiação que ainda está acontecendo. Segundo o cientista, quanto maior o tempo de isolamento entre as duas populações, maiores serão as diferenças entre seus genes e, consequentemente, entre suas linhagens. Assim, através de comparações dos genomas é possível determinar a história evolutiva de uma espécie.

Uma das formas de haver a divisão de uma espécie é através do isolamento geográfico. O professor José Fernando Fontanari, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), pesquisador de Física Estatística aplicada à área de Genética de Populações, conta que esse conceito foi desenvolvido por Ernst Mayr, na década de 40. "Mayr basicamente afirma que se uma população é separada ou dividida por uma barreira geográfica, e evolui de forma independente, a divergência genética acabará levando ao isolamento reprodutivo."

Esse processo, no entanto, é bem vagaroso, podendo se estender por milhares de anos. Fontanari explica que, apesar de não se saber quantos genes distintos são necessários para garantir o isolamento reprodutivo, é possível fazer uma estimativa levando em consideração as diferentes pressões sofridas nos diferentes ambientes. Através de um cálculo desenvolvido por Sergey Gavrilets, um biomatemático russo, chega-se a cerca de 10 mil gerações de isolamento para que ocorra uma nova espécie. Fontanari explica que, para o cálculo, supõe-se uma taxa de mutação da ordem de 0,001% a 0,0001% por gene, por geração, sendo necessária a mutação em 10 a 100 genes distintos. "No caso da espécie humana, a duração de uma geração é de 20 anos, tipicamente, sendo então necessários uns 200 mil anos de isolamento para que tenhamos uma nova espécie de hominídeos. É curioso que essa estimativa coincida aproximadamente com a idade de nossa espécie." Apesar disso, Fontanari não acredita que possamos sofrer variações adaptativas, pois é o homem que tem adaptado seu ambiente de acordo com as suas necessidades.

Brito afirma que o processo de especiação está diretamente ligado à dinâmica da população. Em populações de maior número, o tempo necessário para que a mudança esteja presente em todos os indivíduos será maior, pois ela será passada aos poucos de geração em geração. O individuo com a mutação, ao se reproduzir, poderá passar suas alterações para seus filhos, que por sua vez poderão passar para seus netos e assim sucessivamente, até que essa variação esteja disseminada na população. Já em uma população pequena, a chance dessa mutação ser fixada ou eliminada do grupo é maior, pois a possibilidade de cruzamentos entre indivíduos diferentes dentro do grupo será menor. Esse processo no qual são passadas características de indivíduos entre as gerações é chamado de deriva genética.

No entanto, se por um lado em populações pequenas é mais dinâmica a passagem de mutações para o grupo, mesmo que estas sejam características desvantajosas, em populações maiores a seleção natural, muitas vezes, poderá ter um efeito mais relevante. Uma vez tendo mais cruzamentos, a variação resultante desses cruzamentos também será maior, enfraquecendo a força da deriva genética. Assim, a pressão da seleção natural, que atua sobre todo o grupo, passa a se sobrepor à possibilidade de perpetuação de características apenas por deriva genética. "Essa é uma regra geral pra tudo que acontece em evolução, nunca tem uma força só agindo. São sempre combinações de forças. E existe sempre uma regra pra essas forças, e o que vai existir hoje é justamente o resultado desse balanço de forças", ressalta Brito.
Embora muita coisa seja conhecida dentro dos processos de formação das espécies, a quantidade de variáveis torna imprevisível os caminhos que a especiação seguirá. Desse conjunto de variáveis surge o conceito de acaso.

Francisco Prosdocimi explica que a evolução em seu nível mais molecular ocorre como resultado de mutações em DNA (onde estão contidas as informações genéticas do organismo), de modo aleatório. A identificação de sequências mais suscetíveis a mutações pode ser feita através da comparação do genoma de diversos indivíduos da espécie. Nessa comparação, as regiões que apresentam maior variação entre os indivíduos são as mais propensas a mutações.

Outro fator incidente nas mutações são os agentes mutagênicos. Essas moléculas ou agentes físicos especiais causam desestabilização no DNA ao se aproximarem ou incidirem sobre ele. Exemplos desses agentes são a luz ultravioleta do sol e os radicais livres de oxigênio. "Sabemos que há sequências mais suscetíveis a mutações que outras, e sabemos que alguns agentes mutagênicos privilegiam certas mutações em vez de outras. Mas jamais saberemos exatamente qual mutação irá acontecer, uma vez que, por mais que algumas sejam mais prováveis que outras (teoricamente), o fator acaso está envolvido e representa uma parte importante dos fenômenos naturais," ressalta Prosdocimi.

A evolução das espécies em decorrência de uma mutação não ocorre com uma finalidade específica, ela não responde a uma necessidade do organismo. Brito comenta que não é pelo fato de, por exemplo, estarmos acabando com a camada de ozônio, que teremos genes resistentes a isto. "As coisas não funcionam desse jeito. É isso que queremos dizer quando destacamos que as mudanças ocorrem ao acaso, elas não surgem para uma necessidade da espécie. Quando surgem, contudo, elas podem ser selecionadas e aí sim teremos um processo eminentemente direcional."

Apesar da seleção natural ser um processo direcional, em longo prazo nem sempre as características selecionadas são benéficas. Brito lembra o fato de nossos ancestrais poderem respirar debaixo da água, característica que perdemos em nosso processo de evolução. "Nós perdemos isto. Seria sensacional se nós conseguíssemos respirar debaixo da água, como nossos ancestrais faziam. Hoje, as nossas adaptações foram para outras coisas. Foram para alguma direção específica? Foram para alguma direção, mas a gente não sabe onde esse processo vai culminar."

Vídeo sobre Cálculo de Especiação


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