Darwin modificou lógica da descoberta
Desenvolvimento dos métodos de pesquisa redefiniu o papel da imaginação na Ciência
Ao rejeitar o valor de regras que se impunham como verdades absolutas e valorizar a imaginação de teorias com liberdade, Charles Darwin teve um papel protagonista na mudança da mentalidade que fundamenta o trabalho científico.
"Até o final do século XIX, a ideia que se tinha era que o conhecimento científico era um acúmulo de verdades estabelecidas de uma vez por todas", explica o professor Renan Springer de Freitas, do programa de doutorado em Sociologia e Política da Universidade Federal de Minas Gerais. "Hoje, é mais comum aceitar a ideia de que o conhecimento científico é conjectural, e o que é verdade hoje pode se revelar falso amanhã."
A aceitação universal da ciência de Isaac Newton (esquerda) e a aceitação provisória da ciência de Darwin (à direita). Entre eles, a conclusão de Karl Popper: o conhecimento evolui através de conjecturas e refutações.
Foi de dentro da própria Ciência que brotaram as evidências de que era preciso mudar tal mentalidade. Freitas comenta um dos fatos que contribuíram para a mudança. "Na virada do século XIX para o século XX, a física newtoniana, por exemplo, que sempre foi tida como uma verdade universal, começou a demonstrar sérios problemas, porque não admitia que a velocidade da luz era constante. Assim, para dar continuidade ao estudo do cosmos, os cientistas tiveram de admitir os limites de uma clássica verdade da Ciência", diz Freitas.
"No contexto em que se moveu Darwin, na Inglaterra do século XIX, a Ciência era vista, em suas grandes linhas, como uma investigação racional cuja meta por excelência seriam as explicações causais dos fenômenos naturais e o progresso moral e social, segundo critérios e procedimentos sancionados para a obtenção de explicações satisfatórias", explica a professora Anna Carolina Regner, do programa de pós-graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul. Assim, fatores que escapassem ao rigor metodológico da época como, por exemplo, a imaginação, os hábitos mentais do indivíduo que faz Ciência, conjecturas trazidas pelo acaso e os limites da linguagem não eram considerados.
Mas Darwin, para construir seu objeto de estudos, precisou ir além dos cânones científicos de seu tempo. E a publicação de "A origem das espécies" abalou as bases da racionalidade científica, porque, junto com a descrição rigorosa do que observou empiricamente, o naturalista acrescentou hipóteses fundamentadas, sobretudo, na sua imaginação de cientista. Neste ponto, surge a pergunta: uma vez que os métodos clássicos da Ciência poderiam não ser perfeitos, que privilégio ela teria sobre outras formas de conhecimento? Tal momento de crise coincide com o período de maturidade intelectual de Darwin, que soube se integrar aos novos modos de pensar, ainda pouco sistemáticos, porém autocríticos. Darwin parece ter percebido, na sua própria prática, que a pesquisa científica avança por conjecturas e refutações.
Esses movimentos, segundo Freitas, podem ser vistos como correlatos na Filosofia da Ciência de dois mecanismos básicos do pensamento darwiniano, que são a mutação e a seleção. Em outras palavras, uma ideia (assim como uma espécie) pode permanecer até que um novo fator (uma mutação) a modifique, para evoluir em direção a uma nova ideia (como uma nova espécie). "O conhecimento é algo que evolui através da crítica e da revisão."
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