A revista Ultimato demorou uma década para falar de novo sobre o Design Inteligente

quarta-feira, maio 20, 2009

Darwinismo hoje: impressões sobre o 2º Simpósio da Mackenzie [Parte 1]

Guilherme de Carvalho


É possível um debate inteligente sobre darwinismo e Design Inteligente no Brasil? A julgar pelo clima belicoso, cultivado cuidadosamente na grande mídia e na blogosfera, muita gente já respondeu "não", e eu me contava entre os pessimistas até participar do 2º Simpósio Internacional da Mackenzie, "Darwinismo Hoje".

O simpósio incluiu vários nomes importantes: John Lennox, professor de matemática e de filosofia da ciência na Universidade de Oxford; Paul Nelson, pesquisador do Discovery Institute e professor da Universidade Biola; e Marcos Eberlin, professor da Unicamp, defenderam a posição do Design Inteligente. Adauto Lourenço também foi convidado a apresentar um minicurso sobre o criacionismo. Do lado evolucionista estavam Aldo Mellender de Araújo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Gustavo Caponi, da Universidade Federal de Santa Catarina. O jornalista Maurício Tuffani comentou sobre o comportamento da grande mídia no trato da questão (para mais detalhes sobre a titulação e atividade de cada um, clique aqui). Mas falemos um pouquinho sobre as palestras e as ideias de cada um.

As palestras e as ideias
Os defensores do Design Inteligente (ou "DI") trataram de temas bastante diferentes, embora claramente interligados. O professor Lennox, que abriu o simpósio na segunda à noite falando sobre "A origem da vida e os novos ateus" e tratou no terceiro dia dos "Fundamentos da moralidade", soube explorar algumas das principais fraquezas da dobradinha evolucionismo/ateísmo: a incapacidade do materialismo em sustentar qualquer fundamento claro para a inteligibilidade do universo (citando explicitamente o doutor John Polkinghorne), as evidências de sintonia fina (“fine-tunning”) no universo, que constituem um argumento teísta completamente independente da biologia evolucionária (o chamado "macro-design"), e as dificuldades imensas de fundamentar uma ética plenamente humana no darwinismo.

O professor Paul Nelson destacou a evidência científica contrária à macroevolução, levantada recentemente a partir de estudos genéticos, citando o ataque à "Árvore da Vida" de Darwin (o seu modelo de "especiação" ou multiplicação de espécies de seres vivos a partir de um ancestral comum), publicado pela revista New Scientist, e demonstrou a origem surpreendentemente teológica dos argumentos darwinistas contra o DI, que se apoiam nas alegadas "imperfeições" como evidências de seleção natural não-inteligente. Na segunda palestra, destacou a dificuldade do darwinismo de lidar com o fenômeno da consciência, com a realidade do mal e com a exigência de uma ética genuína.

Já o professor Marcos Eberlin seguiu uma abordagem mais didática, apresentando as ideias básicas do DI, primeiro em uma oficina no terceiro dia do simpósio e depois na plenária "Fomos planejados: a maior descoberta de todos os tempos" (que por sinal foi extremamente instrutiva). O professor foi pródigo em apresentar massas de evidência bioquímica e genética de altos níveis de "complexidade irredutível", corroborando a abordagem lançada por Michael Behe em "Darwin's Black Box" ("A Caixa Preta de Darwin", publicado no Brasil pela Jorge Zahar Editor). O pesquisador Adauto Lourenço apresentou um mini-curso sobre criacionismo para clarear as ideias dos curiosos sobre o assunto e prepará-los melhor para a discussão.

Os evolucionistas ateístas presentes limitaram-se a um tratamento também didático da questão, procurando esclarecer com precisão os fundamentos do darwinismo contemporâneo. O professor Aldo Mellender falou sobre "Darwin ontem e hoje: 150 anos de 'A Origem das Espécies'", oferecendo um esclarecedor histórico do desenvolvimento da teoria, desde seus antecessores até desdobramentos recentes como a sociobiologia e a explicação evolucionária do comportamento altruísta, e a contemporânea biologia evolutiva do desenvolvimento (a famosa Evo-Devo). Em sua oficina o professor introduziu os ouvintes ao complexo problema das correntes no darwinismo contemporâneo -- onde a situação é talvez um pouco mais confusa do que se imagina. Gustavo Caponi apresentou um minicurso sobre evolucionismo, explanando detalhadamente o conceito de "seleção natural", e fez uma exposição informativa sobre a principal obra de Darwin: "A Origem das Espécies". Ambos expressaram a visão, quase consensual entre darwinistas ateístas, de que se pode falar no máximo em uma "teleologia naturalizada", na forma de um determinismo mecânico, mas não de teleologia genuína.

O debate
Na última sessão deu-se o esperado "pinga-fogo": a mesa redonda com todos os participantes (exceto o professor Adauto Lourenço), que responderam a questões formuladas a partir das perguntas feitas ao longo de todo o simpósio. Em termos de lucidez e de gentileza é preciso dizer que ambos os "lados" empataram (ou que ambos igualmente venceram). Em especial precisamos destacar a atitude respeitosa e dialógica dos professores Paul Nelson (DI) e Aldo Mellender (evolucionista). Quisera Deus que muitos cristãos tivessem o espírito daquele filósofo ateu e que muitos ateístas tivessem a oportunidade de conversar com um teísta como Paul Nelson.

Darwinismo hoje: impressões sobre o 2º Simpósio da Mackenzie [Parte 2]


Quanto aos argumentos, é difícil não concluir que os defensores do DI se saíram melhor. Talvez por uma razão mais ou menos óbvia: os DI's vem sofrendo ataques e articulando defesas contra os ateístas militantes há muitos anos, e desenvolveram uma competência elevada na apresentação de seus argumentos. Já os evolucionistas convidados se apresentaram de uma forma quase não-apologética, defendendo-se eventualmente de forma "ad hoc" e levantando críticas definidas, porém evidentemente não muito desenvolvidas. Ninguém deve concluir, no entanto, que os argumentos dos darwinistas ateus acabam por aí: o resultado reflete apenas a realidade brasileira versus a realidade americana.

A despeito dessa concessão, o debate realmente mostrou uma realidade que vem se desenhando internacionalmente: o darwinismo ateu "militante" de fato não tem recursos suficientes para lidar com o problema do sentido, da racionalidade, do valor; enfim, com a experiência humana de que o círculo da realidade é maior do que o círculo da matéria pura. Há sentido e propósito no mundo, e não é possível esgotar o significado da vida humana a partir da seleção natural. Na verdade, de um modo contraditório, a meu ver, até mesmo Mellender e Caponi admitiram prontamente o fato, insistindo no entanto na prioridade da seleção natural como fonte de complexidade biológica e direcionadora do processo evolucionário.

Maurício Tuffani
Excepcional, e digna de nota aqui, foi a admissão do jornalista Maurício Tuffani (ex-editor-chefe e ex-redator-chefe da revista “Galileu”, ex-editor de ciência da “Folha de São Paulo”, entre outros méritos) de que o tratamento dado ao debate entre DI e evolucionismo não foi equilibrado (ou justo), e que o fato reflete na verdade uma crise no jornalismo internacional. Entre outros problemas que se tornaram crônicos no Brasil estaria a substituição da pesquisa e a descoberta de informações pela mera divulgação de informações, o domínio do jornalismo por corporações e a tendência do jornalismo opinativo de se tornar um mero espelho de certo público cativo.

Para quem acompanha o jornalismo científico, é um alívio perceber manifestações de sanidade em um ambiente tão polarizado pela desinformação sobre religião e ciência.

Um balanço
O que poderíamos dizer, de um modo geral? A despeito do silêncio dominante, excetuado por uns poucos anátemas blogosféricos de ateístas militantes, é certo que o evento foi um sucesso se considerado do ponto de vista da urgente apresentação do debate sobre o darwinismo e a religião em termos maduros e genuinamente acadêmicos. Quem tinha preconceitos contra o evolucionismo ou contra o DI teve oportunidades reais de se atualizar.

Foi impossível não observar, no entanto, a total ausência de representação dos evolucionistas teístas ou dos criacionistas evolucionários. Na visão de alguns, isso obliteraria o conflito polar entre o DI e o naturalismo filosófico dos evolucionistas ateus, e isso talvez não fosse interessante para a Mackenzie neste momento (talvez porque a introdução do DI na instituição já seja um dos objetivos principais do simpósio).

Eu cheguei a perguntar ao professor Mellender sobre a obra de um dos mais importantes paleobiólogos da atualidade -- o doutor Simon Conway Morris, da Universidade de Cambridge -- que defende evidências de teleologia (e, assim, de uma providência divina) não nas "lacunas" do processo evolucionário, mas em seu próprio cerne, no fenômeno da convergência evolucionária. Mellender expressou conhecimento da obra e, embora discorde de Morris, admitiu com um sorriso que o seu trabalho "é de meter medo" (para ateístas, é claro). Há também outros cientistas e/ou filósofos da ciência que tem visões mais nuançadas sobre a distância entre o DI e Darwin.

No futuro, quando a proposta do DI tiver lançado raízes mais fortes na instituição, seria de grande valor para o diálogo entre religião e ciência no Brasil a inclusão de nomes como Alister McGrath, Jacob Klapwijk ou Del Ratzsch, cuja reflexão sobre DI e evolução já está mais alguns passos adiante.

Não poderíamos encerrar esta reflexão sem manifestar o nosso apoio à Universidade Mackenzie e à sua Chancelaria. A direção dessa universidade está envolvida em um importantíssimo projeto de promover a educação e a erudição acadêmica com raízes e traços claramente cristãos e reformados. Tenho ciência de que muita gente -- inclusive muitos cristãos evangélicos -- não veem tal empreendimento com bons olhos, unindo-se na desconfiança à sociedade secular. Mas a estes eu só poderia sugerir que se informem melhor a respeito. Se há alguma falha, que se reconheça a coragem de confessar a Cristo no mundo acadêmico e que se devolva o justo cumprimento da genuína cooperação.

O fim da modernidade e a aproximação do mundo pós-secular são um fato, e os cristãos conscientes deveriam ser os últimos no mundo a sentir saudades da universidade "laica" (que de "laica", é certo, nunca teve nada). Mas isso é assunto para outro artigo!


• Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte, é obreiro de L'Abri no Brasil e presidente da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares. É também organizador e autor de Cosmovisão Cristã e Transformação e membro da associação Christians in Science (CiS). guilhermedecarvalho.blogspot.com
/