Fiat justitia ruat caelum: Dobzhansky era criacionista

quinta-feira, março 05, 2009

Fiat justitia ruat caelum é uma expressão latina atribuída a Lucius Calpurnius Piso Caesoninus (43 a.C.) que significa “Fazer justiça, nem que caia o céu”.

E o que tem esta expressão latina a ver com Dobzhansky sendo criacionista? Explico: a presença de Dobzhansky implantando a Genética no Brasil é cheia de lendas urbanas, um diz-que-me-disse, boatos não confirmados, pois ainda tem gente viva que não quer confirmar. Temos que esperar pela solução biológica para a confirmação ou não desses fatos.

Um desses fatos é que ao ser alertado por seus alunos na USP de que as evidências encontradas na pesquisa com as Drosofilas não batiam com a teoria, Dobzhansky teria dito: “As evidências, que se danem as evidências, o que vale é a teoria”.

Outra coisa que fiquei sabendo, mas não acreditei na versão quando a ouvi, é que numa de suas vindas ao Brasil, Dobzhansky teria conversado com uma das alunas da USP e teria dito para ela que ele era criacionista. Ora, para quem disse que nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução, confessar-se criacionista seria um baita contrasenso.



Lembro-me que na ocasião, eu pedi à pessoa que falara sobre isso, que fosse um pouco mais cética localizada, não levasse isso adiante, e desse o benefício da dúvida a favor de Dobzhansky.

Eu nem me lembrava mais disso, até que por acaso [o que o acaso não faz, não é mesmo?], como historiador de ciência em formação, resolvi consultar a fonte primária de Dobzhansky, talvez um dos seus trabalhos mais citados, onde ele anunciou o mantra evolutivo: “Nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução.”

A aluna brasileira de Dobzhansky na USP é a Dra. Nair Elias dos Santos Ebling, criacionista que na ocasião estava passando por uma crise existencial na sua fé criacionista. Eis o relato da Dra. Ebling:

“Estava no último ano de meu curso na faculdade. Minha inclinação havia sido sempre por Genética e eu era monitora do Departamento de Citologia e Genética.

“O professor responsável pelo departamento realizava pesquisas com a Drosófila – essas pequenas moscas da fruta – e eu trabalhava com ele. Esse professor havia realizado estudos a respeito dos escritos do Dr. Theodosius Dobzhansky, nos Estados Unidos. Mais tarde, o Dr. Dobzhansky veio ao Brasil e foi então que tive a oportunidade de conversar com ele.

“A expectativa pela visita desse grande cientista era muito grande para todos os alunos da área de Biologia, porque seus livros e trabalhos científicos eram muito citados e contribuíam para formar nossa cosmovisão.

“Eu mesma estava no auge de minha crise existencial. Como adventista do sétimo dia, era criacionista. Porém, a Universidade, toda estruturada na teoria da evolução estava comprometendo os fundamentos de minha crença. Portanto, ao ter a oportunidade de conhecer pessoalmente o ‘papa’ do evolucionismo em genética era ao mesmo tempo excitante e atemorizador.

“No dia de sua chegada, fui convidada a almoçar com ele. Eu tive muito medo, mas ele era um velhinho simpático e falava bem o português. De repente, minha primeira surpresa: ofereceram-lhe suco de abacaxi e lhe perguntaram se ele queria natural ou com menta. Em um tom de voz que todos podiam ouvir, respondeu:

– Eu sempre prefiro as frutas com o sabor que o Criador colocou nelas!

“Todos riram, mas eu olhava atentamente a fim de descobrir se ele falava com certa ironia ou se falava sério. Em outras ocasiões também fez referências similares ao ‘Criador’ e, quando os outros riam, ele mostrava certa surpresa.

“Finalmente, em um passeio que fizemos para caçar moscas Drosófilas nas margens de um rio onde estávamos realizando uma pesquisa científica, tive a oportunidade de ter uma longa conversa com ele. Essa conversa ficaria marcada em minha vida e me firmaria no criacionismo.

“Detivemo-nos para almoçar em um restaurante típico ao lado do caminho junto ao rio. Servia-se uma variedade de frutas, verduras e legumes. Dobzhansky começou a servir-se. Nisso, aproximei-me. Gentilmente ofereceu-se a servir-me, enquanto dizia:

– O Criador não foi nada mesquinho com a variedade!

“Aproveitei a oportunidade para perguntar o que ele queria dizer quando se referia ao ‘Criador’. Ele colocou o dedo em frente aos lábios em sinal de ‘silêncio’ e me perguntou se eu gostaria de caminhar. Respondi afirmativamente e ele me fez um convite:

– Depois do almoço vamos fazer, então, uma caminhada.

“Terminei rapidamente meu almoço e ele fez o mesmo.

“A trilha por onde caminhamos apresentava grande variedade de flores silvestres. Arrancou uma delas e perguntou o que eu via através da flor. Disse-lhe que podia ver muitas coisas através dela: além da harmonia externa, podia reconhecer a estrutura interna; podia olhá-la pelo microscópio e ver muito mais, etc. Mas disse-lhe que, sem dúvida, ele podia ver muito mais que eu.

“Aqui é onde ele me fez a pergunta crucial:

– Tu crês realmente que tudo isso pode haver sido resultado do acaso? – ao que eu respondi:

– Não, eu não creio nisso; porém, professor, através de seus artigos e livros você tem conseguido me deixar confusa.

“Ele continuou me mostrando várias coisas da natureza e falando delas, desacreditando o acaso e o tempo como responsáveis por tudo.

“Minha surpresa diante de tudo isso era grande, e comecei a fazer-lhe uma série de perguntas: ‘Que é que o senhor busca? Aonde está querendo chegar? O senhor, que tem feito gerações de jovens crer na evolução e no acaso como os agentes de tudo através de milhões de anos, agora está dizendo o oposto?’

– Tu és criacionista – disse-me ele – continua sendo. Não mudes pelo que eu tenho dito ou escrito.

– Mas, professor – continuei – que farás com toda a influência que já tiveste e continuarás tendo?

“Aqui ele encerrou o assunto com uma declaração impressionante:

– Tu não necessitas transitar pelo caminho que segui. És muito jovem. Continua sendo criacionista. Eu já tenho ido demasiado longe e não tenho tempo para voltar atrás.”

(Segundo a Dra. Nair Ebling, esse diálogo ocorreu em 1966)

Fiat justitia ruat coelum agora para a Dra. Ebling, pois consultando a fonte primária mais famosa de Dobzhansky, lemos:

“Somente um processo criativo, mas cego, poderia produzir... o tremendo sucesso biológico que é a espécie humana... Todavia, a diversidade orgânica se torna razoável e compreensível se o Criador criou o mundo vivo não por capricho, mas pela evolução impulsionada pela seleção natural. É errado considerar a criação e a evolução como sendo alternativas mutuamente exclusivas. Eu sou criacionista e evolucionista. A evolução é o método de criação de Deus ou da Natureza. A criação não é um evento que aconteceu em 4004 AC; é um processo que começou há alguns 10 bilhões de anos atrás e ainda está continuando....”

Eu destaco aqui a confusão existencial de Dobzhansky. Neste texto famoso ele infere propósito e direção ao chamar a evolução de “método” de Deus ou da natureza, mas logo em seguida afirma que o processo somente poderia ser um processo “cego”.

Dobzhansky era criacionista confesso sim, mas um criacionista que entendeu ser a Criação realizada no mundo somente através da evolução. O seu mantra universal de “nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução” pode ser também traduzido como “nada na Criação se explica a não ser à luz da evolução.”

Fiat justitia ruat coelum para a Dra. Ebling: sua versão pode ser entendida agora como tendo ocorrido realmente, e os seus detratores, especialmente a Galera dos meninos e meninas de Darwin, não vai mais poder dizer que isso é “lenda urbana” de criacionistas.

Fiat justitia ruat coelum para Dobzhansky porque em 1966 ele disse em conversa particular onde sua subjetividade aflorou na confissão de ser “criacionista”, de ter ido demasiado longe, e de não ter tempo para voltar atrás como evolucionista, contudo, em 1973 Dobzhansky disse a uma platéia acadêmica que tipo de “criacionista” ele era: teísta evolucionista.

Fiat justitia ruat coelum, Dra. Ebling e Dobzhansky.


NOTA:

1. Dobzhansky, Theodore (1973), “Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light of Evolution,” The American Biology Teacher, 3:125-129, March.

“Only a creative but blind process could produce...the tremendous biologic success that is the human species....The organic diversity becomes, however, reasonable and understandable if the Creator has created the living world not by caprice but by evolution propelled by natural selection. It is wrong to hold creation and evolution as mutually exclusive alternatives. I am a creationist and an evolutionist. Evolution is God’s, or Nature’s method of creation. Creation is not an event that happened in 4004 BC; it is a process that began some 10 billion years ago and is still under way. ...” p. 127

PDF gratuito deste artigo de Dobzhansky aqui.

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NOTA DESTE BLOGGER:

Eu postei este blog, como Advogado do Diabo, apenas para fazer justiça a uma pessoa, a Dra. Nair Ebling, cujo diálogo com Dobzhansky (que ouvi de terceiros) não conseguia acreditar. Dobzhansky foi crucial para que este artigo fosse postado.

Fui, na certeza de ter feito Fiat justitia ruat coelum!!!