JC e-mail 3711, de 02 de Março de 2009
22. Inteligência racial?, artigo de Reinaldo José Lopes
“Bem-vindo ao polêmico mundo das pesquisas sobre a relação entre raça e QI”
Reinaldo José Lopes é jornalista. Artigo publicado no G1:
Para muita gente, a maneira como a ciência caminha pode parecer frustrante. Afinal de contas, chocolate faz ou não faz mal à saúde? O nível dos mares vai subir 50 cm ou 1 m nas próximas décadas? Esse tipo de dúvida às vezes deixa o público irritadiço, com a impressão de que os cientistas, no fundo, “não sabem porcaria nenhuma”. Permita-me desfazer essa impressão, nobre leitor: a “indecisão” aqui é uma virtude, não um vício.
Qualquer conclusão científica necessariamente é provisória, porque está sujeita à revisão e ao refinamento se pesquisadores do futuro voltarem a testá-la e perceberem que ela não é uma aproximação suficientemente boa da realidade. É um tipo de instabilidade que, no fim das contas, é mais segura que a rigidez. O problema é quando essa instabilidade parece ameaçar valores que, do ponto de vista social, “deveriam” ser inatacáveis. Bem-vindo ao polêmico mundo das pesquisas sobre a relação entre raça e QI.
O debate sobre o tema voltou a esquentar nas últimas semanas, com a publicação de dois artigos opinativos (um pedindo uma moratória, se não um total cancelamento, nos estudos do ramo, outro defendendo a continuidade deles) numa das maiores revistas científicas do mundo, a britânica “Nature”. Nos cantos desse ringue, temos o neurocientista Steven Rose, professor emérito da Open University (Reino Unido), que é contrário às pesquisas sobre raça e QI; e Stephen Ceci e Wendy M. Williams, da Universidade Cornell (EUA), que defendem a validade desse tipo de estudo.
Começamos o debate com um problema real: as diferenças aparentemente existem, ao menos quando a inteligência de dois grupos diferentes (o caso clássico, por causa da influência do cenário racial americano nas pesquisas, é o de negros e brancos) é comparada via testes de QI.
Segundo dados de 2007, lembram Ceci e Williams, a diferença média entre brancos e negros nos EUA fica entre 10 e 15 pontos de QI (lembrando que a pontuação dos indivíduos considerados normais é convencionada pelo número 100). A diferença entre a média dos países da Europa Ocidental e a média dos países africanos ao sul do Saara (excluindo, portanto, as nações muçulmanas de maioria “branca”) é de 30 pontos.
Claro, é bem mais difícil dizer o que essa pilha de números significa. Muitos psicólogos dizem ver relação entre os pontos que você obtém num teste de QI e o seu fator g (não confundir com o Ponto G, por gentileza), uma grandeza estatística que mediria a inteligência geral de uma pessoa. O fator g surge da correlação normalmente existente entre as “notas” nos vários compartimentos do teste (como capacidade verbal, aritmética, de raciocínio espacial etc.). É raro que alguém vá muito mal num pedaço do teste e muito bem nos outros – o mais comum é que todos os resultados façam uma espécie de “convergência” rumo ao fator g daquela pessoa.
Comparações entre gêmeos idênticos criados por famílias diferentes e entre irmãos adotivos, por exemplo, sugere que há uma considerável “herdabilidade” relacionada ao QI, ou seja, uma correlação entre a herança genética de cada pessoa e como ela tende a se sair nos testes. Parece que a herdabilidade fica em torno de 50% - ou seja, irmãos gêmeos univitelinos, que para todos os efeitos são clones uns dos outros, carregando o mesmo DNA, têm QI também igual em 50% dos casos. (É a mesma chance de dois gêmeos idênticos serem ambos homossexuais, por exemplo.)
Para alguns pesquisadores, também existe correlação positiva entre QI e renda, posição social e até saúde (quanto maior o resultado teste, menor a chance de sofrer certos acidentes e ter certas doenças, como mal de Alzheimer, por exemplo). Assim, embora a medição do QI nem de longe capture as muitas dimensões da atividade mental humana, pode ser que ela realmente esteja mostrando alguma variável importante do que chamamos de inteligência.
Seleção natural?
Todavia, o conceito todo começa a ficar bem mais questionável quando a gente começa a pensar na definição de raça, e na relação de raça e inteligência, com um pouco mais de consistência. E o único jeito fazer isso, claro, é pensar em termos da biologia evolutiva humana.
Uma coisa é preciso reconhecer: existem diferenças biológicas, às vezes significativas, entre os grupos humanos de origens geográficas distintas. Somos, de fato, uma espécie recém-nascida, com não mais que 200 mil anos de existência, e só deixamos nosso lar africano para valer há cerca de 60 mil anos. Mesmo assim, é tempo suficiente para que a multidão de ambientes que os seres humanos modernos colonizaram – do Ártico à Amazônia – deixasse algumas marcas.
Africanos do Congo e europeus da bacia do Mediterrâneo são muito mais resistentes à malária do que os japoneses, por causa de eras de co-evolução com o parasita causador dessa doença; da mesma forma, os indígenas que habitam o topo dos Andes estão muito mais preparados para sobreviver à atmosfera relativamente pobre em oxigênio do que eu, um descendente de europeus que cresceu à modesta altitude de 800 m, no topo da serra de Rio Claro. Levando essas variações em conta, é concebível que outras adaptações biológicas estivessem ligadas à inteligência nas várias regiões do nosso planeta.
É concebível, mas me parece muito pouco provável. Considere o seguinte: dá para imaginar alguma população humana em que a inteligência não fosse favorecida pela seleção natural? Independente do ambiente, a pressão seletiva em favor de versatilidade mental e boa capacidade de resolução de problemas seria igualmente alta.
Eu descartaria sem muito remorso o velho mito racista de que os trópicos favoreciam povos indolentes por sua abundância de alimentos e vida fácil, enquanto as regiões temperadas, com seus invernos rigorosos, levaram as pessoas a serem previdentes e inventivas.
Quem diz esse tipo de coisa não tem a menor ideia de como é difícil sobreviver como caçador-coletor na Amazônia ou na Nova Guiné. Para começar, os solos são relativamente pobres e a biomassa está quase toda “sequestrada” no lenho das árvores – o qual, caso eles não saibam, não é comestível. A caça é, em geral, composta por animais pequenos e arredios. É perfeitamente possível inverter o raciocínio e propor que os herbívoros de grande porte das regiões temperadas – alces, cervos, cavalos, bisões etc. – proporcionariam uma vida muito mais mansa a seus caçadores do que meia dúzia de tatus e porcos-do-mato.
Sendo ainda mais subversivo, nunca é demais citar o trabalho do biogeógrafo americano Jared Diamond (você pode encontrar no link uma análise sobre o desenvolvimento cultural das várias regiões do mundo inspirada pelo trabalho de Diamond). Ele lembra que as grandes civilizações europeias e asiáticas, por causa de sua densidade populacional elevada, foram os celeiros das grandes epidemias da história. Patógenos que infectam multidões e dizimam milhares só ameaçaram sociedades mais simples e menos densas com a invasão de colonizadores “civilizados”.
Na prática, isso significa que, desde a invenção da agricultura, a principal pressão seletiva contra os europeus não teve nada a ver com inteligência e tudo a ver com a capacidade de sobreviver a uma epidemia de varíola ou peste bubônica. Se alguém estava sendo selecionado por razões intelectuais, certamente não era a maioria dos brancos.
Brancos? Que brancos?
Do ponto de vista evolutivo, o buraco é ainda mais embaixo. Nunca me esqueço da história contada por uma amiga que, na adolescência, fez intercâmbio nos Estados Unidos. Pediram que ela preenchesse uma ficha de autoidentificação racial e ela marcou o quadradinho escrito “branca”. Os colegas de classe americanos começaram a protestar: “Você não é branca, é hispânica!”, embora minha amiga (descendente de espanhóis e italianos) se considerasse tão branca quanto eles. Adivinhe só: um século e meio antes, quando imigrantes que não eram anglo-saxônicos começaram a chegar aos EUA pela primeira vez, italianos não eram considerados brancos. Aliás, irlandeses também não.
Isso ajuda a demonstrar como o que chamamos de raça tem um componente social e cultural gigantesco, mas o meu ponto é outro. O simples fato de usarmos a cor da pele para classificarmos um inglês e um italiano como “brancos” obscurece a constatação de que estamos falando de duas populações com histórias evolutivas distintas.
O acaso de ambas terem pele clara joga para baixo do tapete o detalhe de que os italianos (e ainda mais os gregos, por exemplo) têm uma contribuição genética muito maior do Oriente Médio em sua história populacional do que os ingleses, os quais provavelmente descendem de populações que estão na Europa Ocidental desde o fim da Era do Gelo. Da mesma forma, “negros” é uma palavra que joga os holofotes sobre a cor da pele e esquece a história populacional. Grupos da África Oriental às vezes têm mais afinidades com árabes – e judeus! – do que com os moradores da Nigéria, digamos.
Levando tudo isso em conta, será que estamos realmente medindo algum tipo de realidade biológica quando comparamos o QI de um americano descendente de italianos e irlandeses com o bisneto de ex-escravos de origem desconhecida? Parece que não.
Além do mais, é preciso levar em conta o chamado efeito Flynn, descoberto pelo americano James R. Flynn, hoje professor da Universidade de Otago (Nova Zelândia). Flynn demonstrou que, em mais de 20 países, há um crescimento de até 20 pontos no espaço de uma única geração (com 30 anos de duração). Em outras palavras: o QI médio atual dos negros americanos é idêntico à média dos brancos – dos anos 1950.
É muito, muito difícil imaginar que alguma mudança biológica ou genética significativa separe a nós mesmos das pessoas de 30 anos atrás. Alguém já disse que, se o efeito Flynn está acontecendo desde sempre, Aristóteles teria QI de -2.000 – menos que uma ameba, pelo visto.
Isso parece lançar dúvidas sérias até sobre que tipo de capacidade o QI está medindo, porque é inadmissível que as pessoas do passado próximo fossem, na média, deficientes mentais, como a matemática maluca do efeito Flynn parece indicar. O próprio Flynn propõe que os testes, na verdade, estão medindo um subconjunto relativamente pequeno de capacidades de raciocínio abstrato, as quais acabam sendo favorecidas pelo nosso ambiente atual.
Plasticidade
Diante de todos esses dados, talvez seja mais seguro concluir que, com os dados que temos hoje, a relação aparente entre QI e “raça” é de origem ambiental. A plasticidade da medida é tão grande que a diferença de oportunidades sociais, educacionais e econômicas explica de forma mais correta a disparidade entre brancos e negros.
Contudo, será que isso justifica iniciar um ostracismo às pesquisas na área? Voltamos à questão inicial. Talvez precisemos de mais e melhores pesquisas, e não de menos pesquisas. A simples comparação binária entre brancos e negros provavelmente não vai nos dizer nada muito interessante nem diferente do que já sabemos, mas abandonar os estudos é jogar fora a chance de entender os fatores que realmente importam, ou esmiuçar que diabos o efeito Flynn quer dizer, por exemplo.
Se os resultados do futuro realmente apontarem diferenças raciais, o que duvido, caberá a todos nós encará-los com honestidade, mas também com maturidade e tolerância. Por um lado, nem os sonhos mais nobres de igualdade podem querer bater cabeça com a realidade. Por outro, diferenças de capacidade, ainda que existam, não têm motivo nenhum para serem iguais a diferenças de direitos.
O respeito e a compaixão que temos pelos outros deveriam ser motivados pela capacidade de sofrer e de amar que reconhecemos neles, e não pela velocidade com que conseguem resolver as equações da relatividade geral. Ninguém deve temer os fatos – só as maneiras perversas de usá-los.
(G1, 28/2)
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NOTA IMPERTINENTE DO BLOGGER:
Que Darwin era racista nenhum darwinista honesto pode negar. Basta ler o "The Descent of Man".
Que idéias tem consequências ninguém pode negar. As idéias de "raça superior" vem de Darwin e desembocou em Hitler. Os darwinistas me odeiam por esta afirmação, mas a História da Ciência que não se dobra à historiografia consensual, oops, "mainstream" é mais chique, registra esta conexão Darwin-Hitler e outros sistemas ditatoriais em que a vida humana, sem valor nenhum por ser mero produto do acaso, necessidade, mutações filtradas pela seleção natural (e mais o ABC todo de mecanismos evolutivos) não teve o ser humano em mente, foi destruída como política de Estado, mas baseado nas idéias do "mais apto sobrevive".
Esse lado cinzento de Darwin a Nomenklatura científica não discute, e a Grande Mídia tupiniquim no seu incesto com a primeira, esconde isso do público leitor.