Keila Grinberg (Ciência Hoje) e o racismo de Darwin no The Descent of Man

terça-feira, dezembro 15, 2009

O racismo de Louis Agassiz

Esse naturalista suíço do século 19 é celebrado por seus estudos sobre glaciação. Mas não se deve esquecer que ele julgava os negros inferiores e considerava a miscigenação um fator de degeneração da humanidade, lembra Keila Grinberg.

Por: Keila Grinberg

Publicado em 11/12/2009 | Atualizado em 11/12/2009


Uma campanha defende que se mude o nome do monte Agassiz, nos alpes suíços, batizado em homenagem ao naturalista que defendeu ideias racistas (foto: Wikimedia Commons).

Quem vislumbra a montanha da foto, imagem típica dos Alpes, nem imagina a polêmica que a cerca. Nomeado em homenagem ao naturalista suíço Louis Agassiz (1807-1873), o monte Agassiz (Agassizhorn, em alemão), talvez tenha seu nome mudado em breve.

Ao longo de 2009, a artista plástica Sasha Huber liderou um movimento internacional, hoje denominado Demounting Agassiz (“Desmontando Agassiz”), para mudar o nome do monte. No Brasil, a campanha conta com a adesão da historiadora Maria Helena Machado, professora livre-docente da Universidade de São Paulo (USP) e estudiosa da famosa Expedição Thayer (1865-1866), quando o casal Agassiz esteve no Brasil.

Sobre o assunto, além de vários artigos, ela também publicou o livro Brazil Through the Eyes of William James – Diaries, Letters and Drawings, 1865-1866 (Cambridge: David Rockefeller Center for Latin American Studies/Harvard University Press, 2006), a ser lançado em português pela Edusp no ano que vem.

Com o propósito de denunciar as práticas racistas que até hoje perduram em nossas sociedades, a ideia do movimento é renomear o monte como Rentyhorn, em homenagem a Renty, escravo de uma fazenda da Carolina do Sul (EUA), fotografado a mando de Agassiz na década de 1850. Essa foi a primeira série de fotografias de temática racial assinadas por Agassiz, que pretendia registrar o que o cientista supunha ser a inferioridade racial dos negros.


Agassiz e o Brasil

Menos pela polêmica sobre o nome do monte e mais pela importância do tema, não custa lembrar o quanto o Brasil foi importante na formulação do pensamento racista de Agassiz. Naturalista cujo bicentenário do nascimento foi largamente comemorado em 2007, Louis Agassiz fez carreira nos Estados Unidos, da Universidade Harvard, onde fundou o ainda hoje prestigioso Museu de Zoologia Comparada.


O naturalista suíco Louis Agassiz (1807-1873) retratado por Antoine Sonrel.

gassiz começou a estudar o Brasil na década de 1820, ao analisar a coleção de peixes coletada pelo alemão Johann Spix (1781-1826) na expedição que ele e seu conterrâneo Carl Friedrich von Martius (1794-1868) fizeram ao país entre 1817 e 1820, que havia permanecido inédita devido à morte precoce de Spix.

Publicado com o título Peixes do Brasil em 1829, o estudo conferiu grande notoriedade ao jovem naturalista, até então conhecido como um dos mais promissores alunos de Martius. Mas foi muitos anos depois, quando já era uma celebridade nos Estados Unidos, que Agassiz viria ao Brasil, na Expedição Thayer. À época notório adversário de Darwin, Louis Agassiz era o principal expoente do pensamento criacionista cristão, que levava ao êxtase as centenas de pessoas que iam assistir a suas famosas palestras.

Para Agassiz, a humanidade – fruto da criação divina – era formada por diferentes espécies, independentes e jamais mescláveis entre si. Como para ele a cadeia dos seres vivos estava organizada segundo uma linha hierárquica de ordem complexa crescente, os seres supostamente menos evoluídos estariam condenados à inferioridade eterna.

Nesse sentido, Agassiz não só rejeitava as teorias dinâmicas a respeito da origem e evolução da vida de Darwin, como abraçava a teoria da degeneração, matriz do racismo científico, que via na miscigenação o principal fator da degeneração das raças humanas.

Nesse contexto, a visita de Agassiz ao Brasil – terra da mestiçagem – ganhou um cunho todo especial. O naturalista tinha o propósito de comprovar, observando escravos e seus descendentes – coisa que já fazia no Sul dos Estados Unidos, onde fotografou Renty – que negros e brancos, pertencentes a raças diferentes, não podiam habitar o mesmo espaço. Incapazes de se civilizar, os negros deveriam se manter apartados da civilização.

O Brasil era assim, para Agassiz, o perfeito contraponto dos Estados Unidos – aquilo que seu país de adoção jamais deveria se tornar.

A busca pelos degenerados

Agassiz veio ao Brasil em busca dos tais mulatos degenerados. Achando que os havia encontrado, ele fotografou dezenas de pessoas nuas em cidades como Rio de Janeiro e Manaus, didaticamente arranjadas para representarem a veracidade de suas teorias. Arrogante a ponto de não discutir suas ideias com seus pares, Louis Agassiz já era muitíssimo criticado na década de 1860.

Se, em parte, as críticas solaparam as bases científicas de suas teorias, com o tempo elas acabaram levando ao esquecimento a própria atuação racista de Agassiz. O suíço hoje é muito mais conhecido e celebrado como naturalista e por seus estudos sobre glaciação (não é à toa que várias montanhas, inclusive aquela da Suíça, foram nomeadas em sua homenagem). É justamente esse esquecimento que hoje se quer evitar.

Em tempo: a coleção de fotografias tiradas no Brasil encontra-se hoje arquivada no Peabody Museum da mesma Harvard que o celebrou. Chocantes, as fotografias continuam ainda praticamente inéditas. Maria Helena Machado pretende trazê-las ao Brasil. Oxalá consiga. Depois de divulgadas, vai ser impossível esquecer o racismo de Louis Agassiz.

Para saber mais:

MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. A ciência norte-americana visita a Amazônia: entre o criacionismo cristão e o poligenismo ‘degeracionista’ [PDF]. In Revista da USP, São Paulo, n. 75, p. 68-75, setembro/novembro de 2007.

Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Evolução Racismo História da ciência no Brasil Criacionismo Darwin

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A coluna Em tempo é publicada na segunda sexta-feira do mês, desde outubro de 2008. Ela é mantida pela historiadora Keila Grinberg, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Seus textos discutem temas ligados à história, sem perder de vista a perspectiva do tempo presente. Visite o arquivo para ler as colunas anteriores e leia a apresentação da colunista. Envie críticas, comentários e sugestões para keila@pobox.com

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Keila Grinberg desenvolveu, junto com Anita Almeida, o projeto "Detetives do Passado" da UniRio.