MÍDIA & CRIACIONISMO
O debate científico que ainda não ocorreu
Por Enézio Eugênio de Almeida Filho em 23/2/2009
O Observatório da Imprensa é um dos poucos veículos que praticam jornalismo pluralista aqui no Brasil. Não podia ser diferente: é dever do OI observar objetivamente (em tese) a prática jornalística no Brasil, louvá-la ou criticá-la. Depois das comemorações dos 200 anos de Darwin, o OI vem concedendo espaço nunca antes concedido aos criacionistas para expressarem suas idéias:
"Rivalidade ou mal entendido?", da jornalista Ágatha Lemos
"A Darwin o que é de Deus", do pastor Douglas Reis
"Endeusando Darwin em clima de guerra", do jornalista Michelson Borges
O que a Grande Mídia Tupiniquim (GMT) publicou no Brasil celebrando os 200 anos de Darwin é simplesmente abominável como prática de jornalismo, enquanto jornalismo científico. Os artigos foram ideologicamente motivados por um positivismo e demarcacionismo epistemológico há muito superados. Polarizaram novamente a questão como sendo apenas ciência (racional) versus religião (irracional).
Leitura nas entrelinhas
Essa controvérsia é resíduo do ranço materialista do século 19. A controvérsia no século 21 não é se as especulações transformistas de Darwin contrariam relatos de criação das concepções religiosas, mas se as evidências corroboram Darwin. Elas não corroboram, e aí está o ponto científico que deveria ser abordado ouvindo-se os dois lados publicamente. Elas apontam em outra direção: design inteligente.
Mesmo demonizando e desvirtuando o criacionismo e as teses do design inteligente, a GMT não seguiu a máxima de Marcelo Leite de não dar espaço aos críticos de Darwin. Os criacionistas, então, ficaram extasiados com o espaço amplo que lhes foi concedido, algo impensável há alguns anos. Mas deixaram de ler nas entrelinhas:
1. A nomenklatura científica e a GMT instalaram uma kulturkampf no Brasil que não existia e estão blindando Darwin de quaisquer críticas, mesmo as científicas, sobre a robustez epistêmica de sua teoria em um contexto de justificação teórica;
2. Os criacionistas se tornaram "inocentes úteis" nas mãos da GMT e da nomenklatura científica. Repare que a GMT não convidou nenhum proponente da teoria do design inteligente aqui no Brasil. Olha que nós temos gente que é membro da Academia de Ciências...
3. Toda a crítica à teoria da evolução de Darwin é uma crítica à ciência.
Que a louvaminhice, o beija-mão e beija-pé de Darwin iriam à beira do êxtase naturalista ninguém discute. Que a nomenklatura científica e a GMT iriam "ressuscitar" e "instalar" uma kulturkampf no Brasil ninguém esperava.
Respostas pré-programadas
Eu vou jogar uma ducha de água fria nos criacionistas para que eles saiam de seu estado de êxtase, torpor de visões do terceiro céu midiático. Vocês estão sendo inocentemente usados pela GMT como escudo protetor de Darwin contra as críticas científicas robustas daquilo que ele se propôs explicar: a origem das espécies através da seleção natural.
Eu não me lembro de ter lido na Veja, Época, Scientific American Brasil, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Superinteressante ou Galileu e nem assistido, no Fantástico, alguns destes questionamentos teóricos:
1. O mecanismo neodarwinista de seleção natural agindo sobre as variações aleatórias não parece ser suficiente para produzir: (a) nova informação genética especificada; (b) sistemas e máquinas moleculares "irredutivelmente complexos", "funcionalmente integrados" (como os motores bacterianos, circuitos de transdução de sinal ou o sistema de coagulação sanguínea; (c) novos órgãos e novas estruturas morfológicas (tais como as asas, penas, os olhos, a ecolocação, o ovo amniótico, a pele, os sistemas nervosos e a multicelularidade; (d) novos planos corporais.
2. Muitos mecanismos de mudanças evolutivas significantes não dependem de mutações aleatórias, como exige o mecanismo neodarwinista, mas parecem ser dirigidos por respostas pré-programadas aos estímulos ambientais.
Teoria do ancestral comum
3. O padrão de surgimento abrupto das espécies, a falta de elos no registro fóssil (como visto na explosão cambriana), a revolução marinha no mesozóico e o grande desabrochar de vida das plantas angiospermas não se conformam com as expectativas neodarwinistas sobre a história evolutiva da vida.
4. Evidências da biologia do desenvolvimento sugerem limites nítidos para a quantidade de mudança evolutiva que as coisas bióticas podem sofrer, lançando dúvidas sobre a teoria darwinista do ancestral comum e sugerindo uma razão para a estase morfológica no registro fóssil.
5. Muitas estruturas homólogas (e até algumas proteínas) derivam de genes não-homólogos, enquanto que muitas estruturas dessemelhantes derivam de genes similares, contradizendo as expectativas do neodarwinismo nos dois casos.
6. Os programas de desenvolvimentos (inferidos) entre os animais metazoários do período cambriano são dessemelhantes (ou não conservados), contrariando as expectativas neodarwinistas.
7. O código genético não tem sido "provado" universal, contrariando as expectativas neodarwinistas baseadas na teoria do ancestral comum [todos esses questionamentos teóricos estão baseados na literatura científica recente e de livre acesso aos professores e alunos de universidades brasileiras públicas e privadas através do site http://www.capes.gov.br(clique em Periódicos)].
Falta de liberdade acadêmica
Essas são algumas das evidências que contrariam a robustez epistêmica da teoria geral da evolução de Darwin que a nomenklatura científica não quer que venham à tona, muito menos sendo abordadas em veículos midiáticos da Grande Mídia brasileira.
Ciência versus religião? O debate que precisa ser debatido é este: a teoria da evolução de Darwin passa por uma crise epistêmica em um contexto de justificação teórica? Passa, tanto é que a nova teoria geral da evolução, a Síntese Evolutiva Ampliada, não será selecionista. A teoria do design inteligente, como teoria de informação complexa e especificada, será academicamente discutida?
Esse é o tipo de debate que Darwin, sem dúvida, aprovaria: as controvérsias científicas ajudam no desenvolvimento da ciência porque em ciência não existe theoria perennis. Nem a teoria da evolução de Darwin.
Infelizmente, esse debate não ocorre livremente nas universidades brasileiras públicas e privadas, e não é abordado francamente pela Grande Mídia. Isso é falta de liberdade acadêmica e flagrante violação da nossa cidadania em ter acesso a informações científicas atuais sobre o status da teoria geral da evolução em um contexto de justificação teórica.
Esse é o debate que ainda não correu no Brasil.