JC e-mail 3710, de 27 de Fevereiro de 2009.
16. O fim da evolução humana, artigo de Alysson Muotri
“Seria correto dizer que atualmente, com a nossa medicina avançada e cultura humanista, a seleção natural estaria extinta e o homem não estaria mais evoluindo?”
Para quem não se lembra das aulas do colegial: a seleção natural e a teoria evolutiva propostas pelo naturalista Charles Darwin preveem a sobrevivência do mais adaptado às pressões ambientais.
Segundo a teoria de Darwin, organismos mais adaptados às circunstâncias ambientais teriam maior chance de sobreviver e se reproduzir, gerando descendentes que propagariam suas características adaptativas. Dessa forma, a seleção natural promove uma biota dinâmica, que evolui a partir de variação genética, adaptação a diferentes ambientes e competição por recursos limitados.
Essa teoria basicamente explica como a complexidade e a diversidade da vida ocorreu no planeta, a partir de organismos mais simples. Cruzando áreas do conhecimento, o conceito de seleção natural infiltrou-se nas ciências sociais (onde é usado para explicar política e hábitos de consumo) e nos algoritmos computacionais (chamados algoritmos genéticos, pois podem se adaptar às influências do sistema), só pra dar alguns exemplos. Darwin publicou seus achados há exatos 150 anos atrás no livro “A origem das espécies”. Aliás, 2009 também é marcado pelo bicentenário do nascimento de Darwin.
Bem, já deu pro leitor entender que a teoria da seleção natural envolve pressão ativa do ambiente pra selecionar caracteres adaptativos. Então, seria correto dizer que atualmente, com a nossa medicina avançada e cultura humanista, a seleção natural estaria extinta e o homem não estaria mais evoluindo?
Por décadas, a visão predominante entre o púbico leigo e também entre paleontólogos famosos como Stephen J. Gould (Universidade de Harvard) era de que a evolução humana tinha acabado. Segundo Gould, desde que o homem moderno (Homo sapiens) apareceu 50 mil anos atrás, a seleção natural é praticamente irrelevante.
Isso porque não houve mais nenhuma mudança biológica relevante, e tudo o que chamamos de cultura e civilização foi construído com o mesmo corpo e o mesmo cérebro humano de 50 mil anos atrás! Até mesmo os fundadores da psicologia evolutiva, Leda Cosmides e John Tooby (Universidade da Califórnia, Santa Bárbara), publicaram uma nota dizendo que “nossos crânios modernos contém uma mente (cérebro) da época da Idade da Pedra”.
Recentemente, um grupo de pesquisadores (Marchani e colaboradores, “BMC Genetics”, 2008, e Hawks e colaboradores, PNAS, 2007) obteve resultados que desafiam o paradigma de que estamos “presos” evolutivamente através de uma cautelosa análise em sequências variáveis de DNA em diversas populações humanas.
Os pesquisadores encontraram grande frequência de mutações adaptativas recentes codificadas no genoma humano. Ainda mais impressionante: essas mutações parecem estar se acumulando cada vez mais rapidamente. Os dados indicam que, nas seqüências de DNA estudadas, nos últimos 10 mil anos a taxa de evolução ocorreu 100 vezes mais rapidamente do que em qualquer outro período da nossa história evolutiva.
As novas adaptações não se resumem somente a conhecidas diferenças entre grupos étnicos, como cor da pele e cor dos olhos. As mutações adaptativas estão por toda parte, como em genes do sistema nervoso central (cérebro), sistema digestivo, tempo de vida, genes relacionados a imunidade a patógenos (microrganismos causadores de doenças), produção de espermatozóides etc.
Além disso, muitas dessas variações adaptativas estão relacionadas com o continente de origem, com implicações provocativas. Aparentemente os grupos humanos estão evoluindo de forma a se distanciar cada vez mais um dos outros, a espécie humana estaria ficando cada vez mais diversa ao invés de convergir para um único pool genético. Isso porque as atitudes e os costumes que diferenciam o homem atual do homem de 50 mil anos atrás não são apenas culturais, mas têm uma profunda influência genética, gerada pela seleção natural (ainda que driblada pelos avanços da medicina e civilização).
Os ossos não mentem
O pesquisador John Hawks, da Universidade de Wisconsin, estava em busca de evidências mais visíveis da evolução humana recente e decidiu estudar crânios humanos mais jovens (com meros 10 mil anos de idade). Ele notou que algumas adaptações eram específicas de grupos étnicos.
Por exemplo: em europeus, os ossos da bochecha são mais afundados, os soquetes dos olhos se parecem com óculos de aviadores e o formato do nariz é característico. Asiáticos, por sua vez, tem os ossos da bochecha apontando pra frente, as orbitais dos olhos bem arredondadas e o nariz retraído. Aborígenes australianos têm o maior crânio e os maiores dentes que qualquer outra população.
Essas variantes podem ter sido geradas na época da Idade da Pedra, mas estão contribuindo com a divergência populacional observada hoje em dia. Acredita-se que os diferentes caracteres físicos auxiliam as populações a melhor combater infecções, sobreviver em temperaturas extremas ou simplesmente se adaptar a condições ambientais locais (como o ar poluído, por exemplo).
Tanto a análise genômica quanto o estudo dos ossos levam a evidências que sugerem que a evolução humana não acabou. Pelo contrário, está em plena atividade. O que não está claro é quais são os atuais fatores de pressão seletiva.
É bem possível que estejamos moldando a espécie humana baseados em novos fatores culturais, como a capacidade de trabalhar no computador, por exemplo. Basta ver o crescente mercado de namoro virtual. Entender o valor desses novos fatores é importante. Com esse conhecimento, podemos ser capazes de, pela primeira vez na história, guiar a evolução de nossa própria espécie.
(G1, 27/2)