JC e-mail 3699, de 10 de Fevereiro de 2009.
23. Darwin também era barbudo, artigo de Luciano Rezende Moreira
“Hoje, até o Vaticano, embora ainda não tenha pedido desculpas a Darwin, se viu obrigado a aceitar a teoria da evolução para tentar adaptá-la às suas crenças bíblicas”
Luciano Rezende Moreira é doutorando em Fitotecnia pela Universidade Federal de Viçosa e ex-presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG). Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:
O mundo se curva ao gênio de Charles Darwin pela passagem dos duzentos anos de seu nascimento e pelo sesquicentenário de sua obra mais importante, “A origem das espécies”. Um gigante do pensamento, que assim como seu contemporâneo Karl Marx, revolucionou a ciência.
A propósito, por ocasião do funeral de Marx, ocorrido em 18 de março de 1883, seu amigo e companheiro de labor científico, Friedrich Engels, disse que o marxismo havia revelado a lei do desenvolvimento da história humana assim como Darwin tinha exposto ao mundo a lei do desenvolvimento dos organismos naturais. Não por acaso Marx e Darwin tenham trocado várias correspondências, inclusive disponibilizadas via internet pela Universidade de Cambridge (vale conferir).
Igualmente, poucos foram tão caluniados como esses dois subversivos, que até hoje despertam a mais odiosa oposição por parte das classes dominantes.
Mesmo a insuspeita revista Veja, destacada sucursal brasileira do reacionarismo mundial, em sua última edição, estranha o fato de que até em um país como os Estados Unidos, onde se dispõe das melhores universidades do mundo, detém metade dos cientistas premiados com o Nobel e se registram mais patentes do que todos os seus concorrentes diretos somados, consiga assombrar seu povo ao ponto de fazer com que somente um em cada dois estadunidenses acredite que o homem possa ser produto de milhões de anos de evolução.
Nesse mesmo país, baluarte dos ideais capitalistas, um grupo de religiosos chegou a investir milhões de dólares para reproduzir o ambiente do gênesis bíblico em uma exposição na qual dinossauros convivem em perfeita harmonia com Adão e Eva no Jardim do Éden. É a campanha obscurantista (e macartista) que dia e noite tenta refutar teorias avançadas e libertárias. Um celofone ideológico que empacota e vende valores individualistas, avalizando a idéia da concorrência selvagem como motor da história, ao mesmo tempo em que difunde o “design inteligente” como teoria científica.
Tudo isso faz lembrar J. B. S Haldane que pontuou magistralmente no prefácio do livro “A Dialética da Natureza”, de Engels, que “Darwin não teve a menor idéia da amarga sátira que escrevia sobre os homens (e especialmente sobre seus compatriotas), quando afirmou que a livre competição, a luta pela existência, que os economistas celebram como sendo a maior conquista histórica do homem, constitui exatamente o estado natural do reino animal”.
Ou seja, o que os porta-vozes do neoliberalismo continuam defendendo em nosso tempo, nada mais é que a desumanização da nossa espécie e o rebaixamento do homem ao mesmo nível de seus pares do mundo animal selvagem. Um tipo de darwinismo social, prostituído do original, deturpado da obra de quase um século e meio, que vem a calhar na tentativa de justificar e abonar toda a sorte de opressão capitalista. Nesse contexto, cabe a pergunta: quem na verdade são os dinossauros ou quem são aqueles que defendem idéias jurássicas?
O próprio Haldane nos responde parcialmente lembrando que “somente uma organização consciente da produção social, de acordo com a qual se produza e se distribua obedecendo a um plano, pode elevar os homens, também sob o ponto de vista social, sobre o resto do mundo animal, assim como a produção, em termos gerais, conseguiu realizá-lo para o homem considerado como espécie. A partir daí, iniciar-se-á uma nova época histórica, em que os homens como tais, (e com eles, todos os ramos de suas atividades, especialmente as ciências naturais) darão à sociedade um impulso que deixará na sombra tudo quanto foi realizado até agora”.
As semelhanças entre esses dois revolucionários não param por aí. Há muitas implicações filosóficas e culturais oriundas da obra de Darwin, que assim como Marx, contribuíram na desmistificação do criacionismo religioso. Marx provou que o correspondente estágio econômico de um povo ou de uma época constitui o fundamento a partir do qual as noções religiosas se desenvolvem, e não o contrário.
Darwin, que na juventude simpatizava com as idéias criacionistas do reverendo Willian Paley (autor da obra “Teologia Natural” de 1802), ainda trabalhou durante 20 anos após a viagem de cinco anos que fez em volta ao mundo no navio “HMS Beagle”, desvencilhando-se de seus dogmas, para chegar à tese da seleção natural. Hoje, até o Vaticano, embora ainda não tenha pedido desculpas a Darwin, se viu obrigado a aceitar a teoria da evolução para tentar adaptá-la às suas crenças bíblicas.
Mas toda grande descoberta é assim. Demora a ser aceita. Ainda chegará o tempo em que será proibida a imposição do criacionismo no currículo de ciências nas escolas assim como escravizar aqueles que não detêm meios de produção.
Em relação a esse tema da escravidão, Darwin e Marx também mantinham suas similitudes de pensamento. Recentemente foi lançado o livro – “Darwin’s Sacred Cause” (A Causa Sagrada de Darwin), que sustenta que o ódio à escravidão ajudou a mover as teses de Darwin, refutando o preconceito de classe que diferenciava brancos e negros como sendo de espécies diferentes.
Com os dois, a ciência e o método científico sempre foram colocados em primeiro plano, derrubando dogmas e crenças que até hoje se fazem valer, mesmo na academia, para justificar os privilégios de uma classe sobre outra.
São muitas as coincidências dessa dupla revolucionária. Recentemente houve uma exposição da barba de Charles Darwin no Museu de História Natural de Londres, o que estimulou o jornal britânico “The Times” a realizar uma pesquisa sobre a barba mais famosa da história. O vencedor foi... Karl Marx.
Com uma elite como a nossa, que ousa mesmo a se referir raivosamente ao nosso presidente (que goza de 84% de popularidade) como “sapo barbudo”, resta-nos lamentar por todas essas espécies imberbes de espírito (que em breve estarão extintas) e avisá-los de que podem colocar as barbas de molho, pois a evolução é inexorável também aos modos de produção, principalmente se este se encontra em “homozigose”.