uímica de Sistemas

terça-feira, março 23, 2010

JC e-mail 3974, de 23 de Março de 2010.

21. Química de Sistemas, artigo de Hamilton Varela

"As questões postas por abordagens sistêmicas descortinam um horizonte completamente novo à ciência do século XXI"

Hamilton Varela é professor do Instituto de Química de São Carlos/USP. Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

Desde o início do século XX, o paradigma cartesiano vem sendo constantemente desafiado em diferentes áreas da ciência. Exemplos de destaque são a emergência da, ainda proto, inteligência coletiva da rede mundial de computadores, e da mente a partir de interações dinâmicas de uma população de neurônios.

Em ambos os casos, a novidade que surge do acoplamento entre as várias unidades não pode ser descrita pela simples adição dos processos individuais.

Mais que uma mera superação das abordagens reducionistas, a presença ubíqua de propriedades emergentes em diversos sistemas, evidencia a necessidade de uma nova forma de lidar com a complexidade. [NB1: Complexidade faz parte do referencial teórico do Design Inteligente] Ainda que em processo de construção, abordagens que integram conceitos de diferentes áreas do conhecimento, artificialmente ilhadas em disciplinas fechadas em si mesmas, vêm sendo propostas recentemente.

A chamada Biologia de Sistemas pode ser citada como um exemplo bem sucedido de abordagem sistêmica. Reconhecendo que um sistema vivo é mais que um mero conjunto de genes e proteínas, uma descrição acurada dos mecanismos e princípios que asseguram a relativa estabilidade dos sistemas vivos requer pesquisas interdisciplinares que articulem diferentes saberes.

Assim, um tratamento sistêmico em biologia pressupõe uma mudança de foco da escala molecular para escalas superiores, particularmente em termos do entendimento da estrutura e da dinâmica de funções em diferentes níveis, englobando desde as celulares até as do organismo como um todo.

Biologia de Sistemas é o foco das pesquisas em departamentos criados recentemente em instituições prestigiosas e tradicionais como a Universidade de Harvard ou o Massachussets Institute of Technology, MIT. Mais recentemente, à Biologia Química de Sistemas atribuiu-se o desafio de entender como pequenas moléculas interagem com sistemas biológicos, explicar como redes biológicas complexas com base na biologia química in silico no estudo de funções celulares e do organismo.

A Química de Sistemas surge com a proposta de uma abordagem integradora que tem com objetivo principal avançar no entendimento das propriedades emergentes em sistemas químicos nos quais muitas variáveis são tratadas simultaneamente. A Química de Sistemas pretende representar a transição de uma química descritiva com base em subdisciplinas e divisões rígidas para uma abordagem mais abrangente e integradora. Distinguem-se, nesse contexto, sistemas mantidos sob controles termodinâmico e cinético.

O problema de uma mistura de moléculas sob controle termodinâmico é tratado pela chamada Química Combinatorial Dinâmica. Em uma Coleção Combinatorial Dinâmica (Dynamic Combinatorial Library, DCL), todos os constituintes estão em equilíbrio, de forma que a interconversão entre os membros da coleção ocorre reversivelmente, envolvendo vínculos intra e/ou intermoleculares.

A amplificação ou aumento na concentração de determinada espécie selecionará o composto mais estabilizado por interações com outro membro da coleção, com ele mesmo ou com um molde, de modo que a distribuição final de equilíbrio é ditada pela minimização da energia global.

DCLs são, portanto melhor descritas como redes moleculares complexas, cujos membros se encontram conectados por reações em equilíbrio e qualquer mudança na estabilidade de um membro será sentida por todos os outros membros da coleção. [NB2: Parece até que o varela leu "A caixa preta de Darwin", do Michael Behe na abordagem da complexidade irredutível dos sistemas bióticos: o flagelo bacteriano...]

Sistemas químicos afastados do estado de equilíbrio termodinâmico são ditos sob controle cinético, uma vez que não estão sujeitos aos princípios extremos que especificam o estado de equilíbrio. Cinéticas multi-estável e oscilatória são exemplos no domínio temporal de comportamento complexo em tais sistemas.

O estudo da emergência de comportamento complexo em sistemas químicos, relativamente, simples tem atraído bastante interesse nas últimas décadas. Além do aspecto fundamental, uma grande motivação para as investigações nesse campo está relacionada à utilização de análogos químicos como modelos funcionais no estudo de padrões de atividade em sistemas biológicos, obviamente, bem mais complexos e menos tratáveis.

Adicionalmente às estruturas dissipativas de não-equilíbrio, estruturas auto-organizadas podem ser obtidas fora do equilíbrio e permanecer estáveis quando a dissipação cessa. Referida como estática, este tipo de auto-organização tem se tornado bastante popular, por exemplo, na preparação de materiais nano-estruturados com aplicações específicas.

Especular sobre tendências que estão por vir é indubitavelmente uma das atividades mais instigantes e intelectualmente desafiadoras. As questões postas por abordagens sistêmicas descortinam um horizonte completamente novo à ciência do século XXI.

O reconhecimento da importância das propriedades emergentes ou do surgimento da novidade quando da mudança de foco da parte para o todo é uma necessidade premente. Como no caso da Biologia de Sistemas, abordagens sistêmicas ampliarão consideravelmente o entendimento dos sistemas químicos complexos. [NB3: A Teoria do design Inteligente está aí no pedaço há mais de uma década, mas...]

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NOTA DO BLOGGER:

Varela é inimigo ferrenho e declarado dos defensores da Teoria do Design Inteligente. Eu sei do que estou falando...