19. Mergulho nos anéis de Saturno
Dados coletados pela sonda Cassini resultam nas primeiras conclusões sobre o planeta. Cientistas se surpreendem com o dinamismo das estruturas que circundam o corpo celeste, que, em alguns casos, se mostram fluidas como água
Um disco brilhante envolve um dos maiores planetas do Sistema Solar. O conjunto de anéis que parecem proteger Saturno é o mais complexo e extenso entre os que giram em torno do Sol, e a ciência começa a desvendar seus mistérios.
Estudos divulgados recentemente relatam formas e características nunca antes reveladas desses conjuntos de pedaços de gelo, pó e pedras, graças às primeiras imagens produzidas pela sonda espacial Cassini, enviada em missão conjunta da Agência Espacial Americana (Nasa), da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Agência Espacial Italiana (ASI).
Depois de quase seis anos de observações, cientistas descobriram algumas surpresas sobre o planeta gasoso, suas diversas luas e seus aros ornamentais.
"Os anéis são mais variáveis do que pensávamos, com características que vêm e voltam em uma escala de tempo semanal. Por exemplo, pequenas luas ultrapassam o anel, deixam nuvens como se fosse um rabo de cometa e depois somem. De onde elas vêm e para onde elas vão? Ainda não temos essa reposta", conta ao Correio Jeffrey Cuzzi, do Departamento de Ciência do Espaço e Astrobiologia da Nasa.
Outra descoberta foi que um dos anéis, chamado de B, revelou que sua extremidade possui uma estrutura oval e sua forma desliza como água em uma piscina.
Os cientistas sabiam que a coloração dos anéis era vermelha, ainda que sua composição seja quase que puramente de gelo. Mas os instrumentos da Cassini revelaram muito mais do que esperavam.
"Nós pensávamos que a natureza desse material avermelhado era por causa de largas moléculas orgânicas. No entanto, o espectro, quando visto em detalhes, se parece mais com pequenas moléculas orgânicas, talvez algumas cadeias de carbono, as mesmas que formam o colorido de cenouras, tomates e laranjas. Outra possibilidade é uma ferrugem antiga, como as cores que estão na superfície de Marte", explica o astrobiólogo.
A colisão das incontáveis partículas dos anéis força sua fraca gravidade e gera uma fluidez natural. As forças gravitacionais dessas pequenas luas que ficam perto de Saturno também têm importância, causando ondas padrões em alguns lugares e mudanças fortes e imprevisíveis nas órbitas do anel. "Nós podemos ver vários exemplos de estruturas mudando na frente de nossos olhos hoje e temos esperança de ver ainda mais até o fim da missão", diz Cuzzi.
Dois enigmas ainda intrigam a equipe de pesquisadores: o total de massa dos anéis - porque a maioria pode estar escondida em ramalhetes densos nas partes mais opacas dessas estruturas - e a quantidade de massa que é levada com os meteoros que passam por eles.
"A ignorância em relação a esses dois números críticos nos deixa longe de saber quantos anos os anéis têm e quando eles foram formados. O Cassini deve medir isso no tempo que ainda resta da missão", comenta o cientista da Nasa.
Os próximos passos da missão são fazer outros estudos para tentar entender melhor as pequenas luas que ultrapassam os anéis e investigar melhor a estrutura do anel chamado de A. "Por último, devemos manter o foco nas regiões em que os anéis apresentam cores e composições interessantes e complexas", adianta o norte-americano.
Ventos e tempestades
Outra descoberta revelada pela Cassini é um anel próximo à atmosfera de Saturno, feito em grande parte de oxigênio. "A quantidade, no entanto, é pouca para termos a possibilidade de respirar, mas o suficiente para tornar grãos de metais em ferrugens durante os séculos", afirma Cuzzi.
Os cientistas estão com uma enorme quantidade de dados prontos para serem analisados nos próximos anos. A sonda também conseguiu captar a estrutura do anel que demonstrou um ramalhete de linhas que estão anguladas na direção das órbitas de Saturno e que se movimentam constantemente.
Os estudos feitos na Universidade de Michigan revelam novas facetas da atmosfera, ionosfera e magnetosfera de Saturno. Com as ferramentas da sonda, os pesquisadores analisaram a velocidade do vento e o poder das tempestades que ocorrem no planeta. Chuvas com raios, por exemplo, acontecem apenas em um lugar específico do planeta e em momentos aleatórios.
"Às vezes, meses se passam e nada acontece. E, de repente, uma nova tormenta aparece e a Cassini simultaneamente começa a detectar emissões de rádio com as trovoadas. A nova tempestade pode durar meses e depois desaparecer", descreve à reportagem Andrew Ingersoll, um dos membros da equipe.
Os ventos são rápidos e 10 vezes mais fortes que os registrados na Terra. A diferença na velocidade entre uma altitude e outra também é maior. "Isso é uma surpresa, porque a quantidade de luz do Sol que atinge uma determinada área de Saturno é apenas 1% da que recebemos aqui", afirma o cientista. Saturno tem um nevoeiro que começa a se formar no verão hemisférico e se dispersa no inverno, quando os anéis bloqueiam a atmosfera da luz solar. A névoa é composta de moléculas orgânicas derivadas de metano, que é um gás abundante na atmosfera.
Segundo Ingersoll, Saturno tem um campo magnético que é perfeitamente alinhado com a rotação em torno de seu eixo e isso o torna diferente dos demais planetas do Sistema Solar.
"Na Terra, nós medimos os ventos relativos ao corpo sólido, mas Saturno é uma planeta gasoso e a rotação interna é desconhecida, então não conseguimos saber a velocidade absoluta dos ventos. No futuro, nós queremos observar o ciclo de vida completo das tempestades e ver como elas mudam com as estações", afirma.
(Tatiana Sabadini)
Segundo Ingersoll, Saturno tem um campo magnético que é perfeitamente alinhado com a rotação em torno de seu eixo e isso o torna diferente dos demais planetas do Sistema Solar.
"Na Terra, nós medimos os ventos relativos ao corpo sólido, mas Saturno é uma planeta gasoso e a rotação interna é desconhecida, então não conseguimos saber a velocidade absoluta dos ventos. No futuro, nós queremos observar o ciclo de vida completo das tempestades e ver como elas mudam com as estações", afirma.
(Tatiana Sabadini)
(Correio Braziliense, 29/3)