Na enxurrada seca

quarta-feira, março 31, 2010

Na enxurrada seca
Sapos da Caatinga têm adaptações fisiológicas para sobreviver aos meses sem chuva

Maria Guimarães

Pesquisa Fapesp
Edição Impressa 169 - Março 2010

© ISABEL CRISTINA PEREIRA/USP
                              Abraçado à fêmea, macho bate muco e produz um ninho para os ovos

Quando a chuva desaba no sertão potiguar, a paisagem se modifica subitamente. De um instante a outro rios se formam, lagoas se enchem e do chão brotam centenas de sapos. É assim próximo a Angicos, no centro do Rio Grande do Norte. Ali os sapos Pleurodema diplolistris passam os 10 ou 11 meses anuais de seca enterrados na areia, de onde os machos já emergem cantando em uníssono, como uma enorme sirene, e logo saltam para a lagoa mais próxima. Atraídas pela cantoria, as fêmeas escolhem seus pares e liberam dezenas de óvulos que, depois de fecundados, são envoltos num muco semelhante a clara de ovo que o macho bate em neve. Em um ou no máximo dois meses, quando as chuvas cessam e os rios desaparecem como por um passe de mágica, os sapinhos recém-nascidos precisam estar completamente formados e prontos para se enterrarem na areia. Entender como esses anfíbios resistem a tanto tempo sem água e sem alimento tem sido um dos enigmas explorados pelos fisiologistas Carlos Navas, da Universidade de São Paulo (USP), e José Eduardo Carvalho, do campus de Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Durante todo o período em que não chove os Pleurodema se mantêm enterrados e sem comer, em estivação – o correspondente no verão à hibernação, em que animais passam o inverno inativos. Entender os processos fisiológicos que tornam esse feito possível é o ponto de encontro dos projetos coordenados pelos dois pesquisadores: o de Navas, que une fisiologia e conservação no contexto de mudanças do clima, e o de Carvalho, sobre fisiologia comparada de répteis e anfíbios, no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Fisiologia Comparada, ambos com financiamento da FAPESP. “Na estivação, a inatividade acontece quando o ambiente não favorece”, explica Carvalho, “quando a temperatura está alta, o metabolismo dos animais costuma ficar mais rápido, e não o contrário”. Em busca de reunir o conhecimento sobre aspectos diversos – como a atividade dos genes, os efeitos nos músculos e o que se vê no registro fóssil – em animais diferentes – de esponjas a mamíferos –, os dois pesquisadores editaram o livro Aestivation: molecular and physiological aspects, com autores de vários países, publicado este ano pela editora internacional Springer. “A síntese de cada capítulo pode nos ajudar a traçar quais são os mecanismos comuns a grupos diferentes”, diz Navas.
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