Janet Browne “mordeu e assoprou” em Darwin na Nature

segunda-feira, novembro 24, 2008

O especial da capa “Darwin 200” da revista Nature, trouxe alguns artigos disponibilizados gratuitamente para os leitores. Por que esta súbita generosidade da revista Nature? Um ditado popular brasileiro reza assim: “Quando a esmola é grande, até cego desconfia”. Gente, é preciso alardear as comemorações de louvaminhice, beija-mão e beija-pé a Darwin em escala mundial.

Eu não vou fazer o papel de advogado do Diabo dos criacionistas. Eles são bem crescidos e têm gente muito mais competente do que eu para defendê-los. Destaco, porém a nuance anticriacionista do editorial da Nature, “Beyond the Origin”. Logo na abertura do editorial foi usada uma frase de Theodosius Dobzhansky, um deísta evolucionista famoso que sempre serve de látego nas mãos da Nomenklatura científica contra os costados dos renitentes criacionistas incrédulos do fato, Fato, FATO da evolução.

Em seguida, o editorial da Nature teceu loas sobre a teoria da evolução de Darwin sendo a maior de todas as idéias que a humanidade já teve [vejo aqui o dedo e as garatujas do menino Dennett usando as teclas Ctrl + Alt + loas], mas deu uma derrapada no final: a biologia sintética vai permitir a origem da vida por design inteligente. Gente, eu quase caí pra trás, mas logo em seguida, levei uma ducha fria: a combalida e defunta “lei [SIC ULTRA PLUS 1] da seleção natural de Darwin” continuará a reinar na biologia:

“Por ocasião em que os 200 anos do livro Origem das Espécies forem celebrados, a vida estudada pela ciência pode muito bem não ser mais unida pela ancestralidade comum do modo como é hoje toda a vida. Nesse sentido, a visão de Darwin do mundo terá sido suplantada. Mas se aquela vida existir ao redor de outra estrela ou num biorreator, ela ainda assim evoluirá, se for dada permissão, de acordo com os algoritmos simples e formidáveis da seleção natural [SIC ULTRA PLUS 2: como ler isso à luz da nova teoria geral da evolução, a Síntese Evolutiva Ampliada, que não será selecionista?].

O ensaio de Dobzhansky citado antes traz agora o título famoso “Nada em biologia faz sentido a não ser à luz da evolução” [SIC ULTRA PLUS 3: Contrariando a Dobzhansky, nada em biologia faz sentido a não ser à luz das evidências!!!]. Isso é tão próximo de ser uma verdade analítica — uma implicação necessária do que a vida é em si mesma — que nós podemos ter certeza de que continuará a ser verdade no futuro. Mas essa certeza de modo algum limita a diversidade e simples admiração do que nós encontraremos na viagem que Darwin começou [SIC ULTRA PLUS 4: Verdade analítica da “lei da seleção natural”? Desde quando esse princípio evolutivo foi promovido ao status de “lei” científica??].”[1]

Agora vem a melhor e mais interessante parte, mas esta a Nature, para não estragar a festa “Darwin 200” não disponibilizou gratuitamente para galera do andar de baixo. Você só pode acessá-la se for assinante, ou professor, pesquisador e aluno em universidades públicas e privadas através do site da CAPES.

Gente, o artigo de Janet Browne, historiadora da ciência na Universidade Harvard, especialista em Darwin, jogou um balde de água fria no editorial “louvaminhice, beija-mão, beija-pé de Darwin” da Nature. Para poder passar pelo garrote [literal e figurativo – vide Aurélio ou Houaiss] dos revisores por pares [peer-reviewers é mais chique], Browne chamou a teoria de Darwin de uma “magnificente realização” oferecendo um “poder explanatório extraordinário por 150 anos.”

Agora eu posso entender por que o artigo de Browne não foi disponibilizado gratuitamente para a choldra ignara que nada entende de ciência: ela “mordeu e soprou” em Darwin, ao lavar um monte de roupa suja da história política do darwinismo há muito conhecida pela Nomenklatura científica e a historiografia da ciência “mainstream”. [2] Eu sou um historiador da ciência em formação à margem deste grupo porque dizem que eu não sou “objetivo” em relação a Darwin e sua teoria. E eles são “objetivos” em relação à verdade?

Na minha caminhada eu sei pessoalmente o quão difícil é escrever e publicar dissertações, teses, artigos, pôsteres e dar palestras sobre as insuficiências fundamentais da teoria geral da evolução de Darwin no contexto de justificação teórica, e sobre este comportamento político sórdido e abjeto dos darwinistas desde 1859.

Eu estava elaborando um artigo sobre as celebrações de louvaminhice, beija-mão e beija-pé a Darwin que foram realizadas ao longo do tempo. Era sobre o que foi discutido na ocasião (geralmente a incapacidade da seleção natural como mecanismo evolutivo), mas Browne me tirou este privilégio.

Historiadora da ciência de renome, e professora na Universidade Harvard, Browne lida com fontes primárias, e sabe que nada pode contra a verdade, a não ser a favor da verdade dos fatos históricos. E é aqui que Browne “morde e assopra” em Darwin. No seu artigo, ela salientou que “vale a pena lembrar que os aniversários científicos também fornecem uma possibilidade de levar adiante uma agenda, e até adaptar o passado, assim nos dizendo o que nós gostamos melhor de ouvir”.

Como eu estava pesquisando, Browne revisitou essas celebrações a Darwin em 1882 (eu não iria abordar o que ocorreu no ano da morte de Darwin), 1909 e 1959. Ela “viu” o que aconteceu nessas ocasiões, e descobriu um fenômeno interessante: a louvaminhice, o beija-mão e o beija-pé a Darwin tenderam ser tentativas motivadas por agendas políticas interessadas em “escorar” uma teoria em crise (até aqui Browne) que não é corroborada pelas evidências encontradas na natureza (minha visão):

1. O funeral de Darwin em 1882: Pouca gente sabe, mas quando Darwin morreu, seus defensores usaram de forma surrealista o “seu funeral como propaganda”. Razão? Thomas Huxley e outros, preocupados na ocasião com a hostilidade das idéias de Darwin contra a religião, numa sacada magistral se empenharam para enterrá-lo na Abadia de Westminster, contrariando o desejo de Darwin de ser enterrado em sua casa em Down. Por que o “buldogue de Darwin” fez isso?

“O funeral e muitos obituários enfatizaram que Darwin não era ateu. Antes, ele foi descrito como um homem bom, comprometido com a verdade e a honestidade. Isso era verdade, mas era também propaganda valiosa numa época quando as relações entre a ciência e a religião eram intensivamente tensas. Os homens da Royal Society usaram o funeral de Darwin como uma maneira de tranqüilizar seus contemporâneos de que a ciência não era uma ameaça aos valores morais, mas antes estava se tornando cada vez mais importante no mundo moderno.

2. O Cinqüentenário do livro Origem das Espécies em 1909: Pouca gente sabe, até historiadores da ciência, mas o cinqüentenário do Origem das Espécies pegou a teoria geral da evolução de Darwin em declínio. Em História da Ciência este período é nomeado como “Eclipse de Darwin”. Novos pontos de vista em genética, fósseis e ortogênese estavam minando os pontos de vista de Darwin sobre mudança gradual, implicando em vez disso uma linha de objetivo direcionado de descendência e, pasmem os mais ortodoxos e seus pruridos epistêmicos, até de teleologia. “As comemorações de 1909, organizadas por um pequeno grupo de naturalistas e membros da família da Universidade de Cambridge, proporcionaram uma maneira de reafirmar a primazia da seleção natural contra outras teorias evolutivas rivais.”

3. O Centenário de Darwin em 1959: Esta festa do arromba de louvaminhice realizada na Universidade de Chicago, segundo Browne, foi outra tentativa de encobrir as insuficiências da teoria da evolução de Darwin.

“Este aniversário de Darwin foi celebrado na Universidade de Chicago em Illinois, num simpósio que celebrou abertamente a integração da genética e a estatística das populações com a teoria da seleção. Dez anos antes, esta integração tinha quase assumido a forma de um tratado político. Dizendo isso sem rodeios, os naturalistas de campo estavam ansiosos em restabelecerem seus valores num mundo cada vez mais baseado no laboratório. Naturalistas proeminentes como Ernst Mayr lograram no seu intento de fazer com que os geneticistas e estatísticos concordassem que a evolução poderia ocorrer em três níveis: nas moléculas; no fluir dos genes através das populações; e no mundo ambiental dos organismos passando por competição e seleção natural. Em 1942, Julian Huxley inventou a frase ‘síntese moderna’ para combinar a genética com a seleção natural, e a principal obra de Mayr dentro desta síntese, Systematics and the Origin of Species from the Viewpoint of a Zoologist (Columbia Univ. Press), foi publicada.”

Browne destacou no seu artigo que, além disso, os darwinistas “na verdade, criaram o darwinismo moderno ao rejeitarem enfaticamente qualquer forma de lamarckismo” no contexto da guerra fria:

“Em 1959, a Rússia socialista tinha então recentemente se afastado do lamarckismo em genética, e a idéia que era fortemente associada nas mentes americanas com a luta da guerra fria. Os representantes também rejeitaram a idéia de que o registro fóssil mostre sinais de evolução dirigida, e expandiram o pensamento darwiniano para cobrir a evolução da mente e do comportamento. Durante a conferência, Julian Huxley, bisneto de Thomas Henry Huxley, pronunciou um sermão secular no estilo de seu bisavô, e declarou provocadamente que a crença religiosa era meramente uma característica biológica da humanidade evoluída.

Isso foi quase que ao mesmo tempo, ao contrário das impressões de muitas pessoas, que a estória do Tentilhão de Darwin se tornou um suporte para a teoria evolutiva. Mayr e Huxley encorajaram David Lack a passar um tempo nas ilhas Galápagos observando os tentilhões. Foi somente após isso... que os tentilhões desenhados por Darwin se tornaram conhecidos coletivamente como os tentilhões de Darwin, e foram mostrados como a primeira e mais extraordinária evidência da evolução em organismos reais num ambiente natural.”

O que se percebe no artigo de Browne, e pasmem, passou pelos revisores da Nature [os guarda-cancelas, oops, peer-reviewers é mais chique], é que estas celebrações de louvaminhice, beija-mão, beija-pé de Darwin [e aqui eu acho que David Berlinski tem razão: é só da boca pra fora e só pra inglês ver...], em vez de serem ocasiões espontâneas de reconhecimento de um herói da ciência reconhecido internacionalmente, o que se vê são articulações políticas de defensores com uma agenda já pronta na manga.

Gente, catatau, será que isso se repetirá em fevereiro de 2009? Quem viver, verá!

Deixemos que Browne continue “mordendo e assoprando” em Darwin:

“Mas os biólogos certamente irão usar também a ocasião, mais uma vez, para afirmar a verdade e a elegância do darwinismo diante da crítica, desta vez da parte daqueles que preferem uma visão criacionista do mundo. A evolução através da seleção natural subitamente [SIC ULTRA PLUS 5, Browne, aqui você renomada historiadora da ciência, pisou na bola, e pisou feio: Huxley, Hooker, Lyell, Mivart, não acreditavam no poder criativo da seleção natural] se tornou uma idéia altamente contenciosa, especialmente nos Estados Unidos.

Os proponentes criacionistas abundam no sistema das juntas de educação dos Estados Unidos [SIC ULTRA PLUS 6: ou Browne está mal informada, e eu duvido, ou está mal intencionada com uma agenda [no que eu acredito], mas os darwinistas ortodoxos fundamentalistas xiitas também “abundam” nessas juntas de educação], as pesquisas de opinião pública salientam a crença do público numa origem divina para a humanidade, e as idéias sobre o design inteligente [Oia nois na fita outra veiz!!!] são amplamente circuladas.

Contra isso, Darwin se tornou a personalidade central a favor da ciência racional e secular, e o darwinismo o principal alvo do movimento fundamentalista que se esparrama pelo mundo inteiro. Os ataques se estendem além dos argumentos da Bíblia. Criticar o darwinismo é uma maneira poderosa de expressar ansiedades sobre o poder crescente da ciência moderna e o percebido declínio dos valores morais da sociedade. Tentar achar furos no argumento de Darwin é expressar desgosto não somente pela teoria evolucionária, mas também desgosto pela própria ciência."

[SIC ULTRA PLUS 6: Eu acho que Browne assistiu ao professor Amabis – USP afirmar isso em 2006. Ouso discordar da eminente historiadora, assim como discordei publicamente de Amabis naquela conferência: achar furos na teoria da evolução de Darwin não é desgosto por ela, e muito menos pela ciência. Como historiadora da ciência Browne deveria saber que isso é salutar em ciência: o avanço somente se dá mediante as críticas. Os oponentes gostam da ciência qua ciência. O que nós não gostamos é dessa agenda política que posa como se fosse ciência.]

“Há alguma ironia nesta situação. Olhando-se retrospectivamente para o funeral de Darwin em 1882, as qualidades cristãs de Darwin [SIC ULTRA PLUS 7: Darwin morreu agnóstico, e esta posição, apesar de elegante, é uma rejeição de Deus consciente e voluntariosa], sua estatura como homem da verdade e honestidade, foram trazidas em primeiro plano.

Ele foi celebrado como um homem cujas dúvidas religiosas foram parte integrais de sua sabedoria e insight; poucos críticos fizeram ataques pessoais de suas virtudes sociais [SIC ULTRA PLUS 8: Browne, menina, menos. Assim, você termina dizendo, Louvado seja Darwin!!!].

Agora, o seu heroísmo na ciência moderna é visto por muitos como uma ofensa aos valores religiosos. Isso mostra quão diversamente Darwin e sua teoria [SIC ULTRA PLUS 9: Browne, de Wallace também!!!] têm sido percebidos e usados ao longo dos anos.”

Browne, eminente historiadora da ciência na Universidade Harvard, concluiu “mordendo e assoprando”:

“Darwin sem dúvida que ficaria maravilhado quão diferentemente nós escolhemos celebrar seus aniversários.”

No dia 12 de fevereiro de 2009, em vez da louvaminhice nauseabunda, dos beija-mão e beija-pé a Darwin, eu vou celebrar o “Dia da Liberdade Acadêmica”.

Darwin locuta, evolutio finita? Pero no mucho, hay mucha controvérsia...

NOTAS:

1. Nature 456, Issue no. 7220, p. 281, 20/11/2008. “By the time the 200th birthday of On the Origin of Species is celebrated, the life under study by science may well no longer be united by common ancestry in the way that all life is today. In that sense,Darwin’s view of the world will have been superseded. But whether that life exists around another star or in a bioreactor, it will still evolve, if given leave to, according to the simple and awe-inspiring algorithms of natural selection.

The essay of Dobzhansky’s quoted earlier bears the now-famous title “Nothing in biology makes sense except in the light of evolution”. That is so close to being an analytical truth – a necessary implication of what life itself is – that we can be certain it will continue to be true into the future. But that certainty in no way limits the diversity and sheer wonder of what we will find on the voyage that Darwin began.”

2. “Birthdays to remember,” Nature 456, 324-325 (20 November 2008) | doi:10.1038/456324a. O acesso ao artigo requer assinatura ou pagamento.