JC e-mail 3650, de 27 de Novembro de 2008.
8. Brasil e Rio deixaram sua marca em Darwin
Opinião é do tataraneto do cientista britânico, o conservacionista Randal Keynes, que está pela primeira vez no Brasil, refazendo os passos de seu tataravô pelas florestas tropicais fluminenses
Herton Escobar escreve para “O Estado de SP”:
Imagem: Instituto Sangari
Charles Darwin ficaria horrorizado com a destruição da mata atlântica brasileira, que ele conheceu quase intocada, em 1832, e que hoje está reduzida a apenas 7% de suas florestas originais. Também ficaria chocado com a segregação social do Rio de Janeiro, ainda que se sentisse aliviado - e muito - com o fim da escravidão.
A opinião é de seu tataraneto, o conservacionista Randal Keynes, que está pela primeira vez no Brasil, refazendo os passos de seu tataravô pelas florestas tropicais fluminenses - ou o que sobrou delas. Darwin passou três meses no Rio de Janeiro, entre abril e julho de 1832, e fez uma expedição de 15 dias sobre sela de cavalo e lombo de mula até Conceição de Macabu, no norte do Estado. No caminho, coletou plantas, animais, insetos e se impressionou - da pior maneira possível - com o tratamento dos escravos nos engenhos e cafezais. “Ele odiava o escravagismo”, relata Keynes. “Essa foi sua outra grande experiência no Brasil, além da biodiversidade.”
[NOTA IMPERTINENTE DESTE BLOGGER: É paradoxal em Darwin “odiar o escravagismo” e predizer o “holocausto” das raças inferiores, manu militari, pelas raças superiores (os europeus). Está lá no “The Descent of Man”, mas o tataraneto de Darwin acho que nunca leu. Se leu, sabe que seu ilustre ancestral (eu não pude resistir) era racista e pregava o genocídio.]
Keynes conversou com o Estado em meio a uma festa com feijoada na Fazenda Itaocaia, em Maricá, um antigo engenho escravocrata, no qual Darwin também almoçou e descansou.
- Qual foi a importância do Brasil e do Rio de Janeiro para Darwin?
Foi imensa. O Brasil foi o primeiro lugar em um continente que ele visitou na expedição do Beagle. Foi aqui, no Rio, que ele viveu sua primeira experiência em uma floresta tropical ‘completa’. Ele adorava ir e voltar da mata, mergulhar no seu silêncio, na sua incrível diversidade de plantas, insetos e animais.
- Ele já pensava sobre a teoria da evolução quando estava aqui?
Não. Naquela época ele ainda acreditava na ‘verdade literal’ do Gênese. Ele não tinha a menor idéia de que poderia desenvolver uma teoria na qual as espécies mudam no tempo.
- Ele era um criacionista, então?
De certo modo, sim. Ele teve uma experiência muito importante no Brasil, que foi presenciar, de fato, a riqueza e a diversidade da vida nas florestas tropicais - coisa que ele só conhecia dos livros. Isso lhe deu um novo senso sobre a força criativa da natureza, que é o que dá origem à biodiversidade e que, mais tarde, se tornaria a base de sua teoria.
- Pelo que o senhor está vendo aqui, qual seria a reação dele hoje, fazendo a mesma expedição?
Ele certamente ficaria chocado com o tanto da mata atlântica que foi perdido e com a biodiversidade reduzida que existe nas matas secundárias que substituíram as plantações de café e cana-de-açúcar. Ele também prestaria muita atenção na segregação entre ricos e pobres, e ficaria muito preocupado com isso. Porém, ficaria muito satisfeito ao saber que a escravidão foi abolida e que as pessoas de origem africana se integraram plenamente à sociedade. Ficaria certamente muito contente de ver essas pessoas aqui hoje, não mais vivendo como escravos, mas dançando sua capoeira para nós e se orgulhando dessa tradição.
- O senhor esperava uma recepção tão calorosa e numerosa aqui?
Confesso que não. Estou emocionado com as boas-vindas, com o interesse das pessoas por Darwin e com o orgulho que elas sentem pelo fato de ele ter estado aqui. É muito bom ver os professores ensinando seus alunos sobre a evolução e sobre o mundo natural. Estou muito impressionado com a visão positiva que as pessoas têm de Darwin aqui.
- Ainda assim, o embate entre criacionismo e evolução continua forte. O senhor acredita que essa discussão se resolverá um dia?
Tomara que sim, mas não tenho esperanças reais de que isso aconteça. Isso mostra o quão difícil ainda é para os seres humanos aceitarem suas raízes animais e sua relação com o mundo natural.
(O Estado de SP, 27/11)