JC e-mail 4161, de 20 de Dezembro de 2010.
Grupo binacional descreve 2 novas espécies de pterossauros de cauda longa, descobertas no interior da China. Animais mediam entre 70 cm e 1 m e comiam insetos ou até pequenos peixes; preservação dos fósseis impressiona
A parceria entre paleontólogos brasileiros e chineses trouxe à tona duas novas espécies de pterossauros, répteis voadores da Era dos Dinos. Os bichos têm um estranho mosaico de características, embolando ainda mais as tentativas de entender a evolução de seu grupo.
"Eles abrem uma nova janela para a diversidade de pterossauros e mostram que, de fato, a gente ainda não entende bem as relações entre eles", disse à Folha Alexander Kellner, especialista do Museu Nacional da UFRJ e coautor da descrição (a "certidão de nascimento" científica) dos répteis alados.
Junto com Xiaolin Wang (membro da Academia Chinesa de Ciências) e outros colegas, Kellner batizou os novos bichos de Darwinopterus linglongtaensis e Kunpengopterus sinensis.
Darwin e mitologia
Além da homenagem óbvia a Charles Darwin, o "pai" [sic, o melhor é dizer um dos precursores] da teoria da evolução, há também um tributo a Kun Peng, criatura voadora da mitologia chinesa (e antigo nome de uma empresa aérea da região norte da China).
No estudo, que acaba de sair na revista especializada "Anais da Academia Brasileira de Ciências", os paleontólogos admitem a dificuldade de classificar os novos bichos, bem como seus parentes mais próximos.
Em tese, por serem pterossauros de cauda longa, eles estariam entre os répteis voadores mais primitivos. Mas a coisa parece ser bem mais complicada, diz Kellner. "Eles têm tanto características primitivas quanto derivadas [ou seja, "avançadas", diferentes do padrão ancestral de seu grupo]", explica.
Um exemplo é a chamada fenestra nasoantorbital do Kunpengopterus -nome complicadíssimo para uma grande cavidade craniana, perto do focinho e das órbitas dos olhos, cuja presença ajuda a deixar o crânio mais leve. Esse é um traço derivado, enquanto a fusão dos ossos da mandíbula dos bichos segue o padrão primitivo.
Como ocorre com outros fósseis chineses da província de Liaoning, os bichos tiveram alguns de seus tecidos moles preservados. Há algumas das fibras que davam sustentação às asas das criaturas e, no caso do Kunpengopterus, parte do que parece ter sido uma vistosa crista.
Até pouco tempo atrás, achava-se que apenas os pterossauros de cauda curta, os chamados pterodactiloides, possuíam cristas. "Mas os de cauda longa têm nos surpreendido ultimamente, tanto apresentando cristas ossificadas quanto as de tecido mole", afirma Kellner.
O paleontólogo defende a tese de que, na maioria das espécies, membros de ambos os sexos tinham os ornamentos, diferentemente do que se vê entre certas aves.
Pesquisador se aventura pelos livros de ficção
Alexander Wilhelm Armin Kellner, 49, resolveu transformar sua garimpagem de fósseis em matéria-prima para a ficção. Ele já lançou dois livros pela editora Rocco, "Na Terra dos Titãs" (2007) e "Mistério sob o Gelo" (2010), voltados para o público infantojuvenil, que exploram o que aconteceria se jovens modernos dessem de cara com dinossauros ainda vivos -no interior do Mato Grosso do Sul e na Antártida, respectivamente. Kellner já escavou nos dois lugares.
Nascido no principado de Liechtenstein em 26 de setembro de 1961, Kellner veio para o Rio de Janeiro ainda criança, cursando geologia na UFRJ e mestrado na mesma instituição. Depois, fez outro mestrado e o doutorado na Universidade Columbia (EUA).
O pesquisador está entre os principais especialistas em pterossauros do mundo, além de estudar também as espécies brasileiras de dinossauros.
Ao todo, junto com seus colegas chineses, ele já descreveu sete espécies de répteis voadores asiáticos, e está em busca de outros bichos do tipo. (Reinaldo José Lopes)
(Folha de SP, 18/12)