Por Fábio Reynol
Agência FAPESP – Às 13h06 desta terça-feira (30/3), horário local, o acelerador de partículas LHC (Large Hadron Collider, ou “grande colisor de hádrons”), localizado na fronteira da Suíça com a França, inaugurou seu programa de pesquisa ao provocar um choque de duas nuvens de prótons com energia total de 7 teraelétron-volts (TeV).
Ao mesmo tempo, 8h06 pelo horário de Brasília, no bairro da Barra Funda na capital paulista, uma equipe de físicos do Centro Regional de Análise de São Paulo (Sprace) do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp) pôde acompanhar a colisão em uma sala ligada por uma rede de alta velocidade ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), que administra o LHC.
Unesp inaugura centro de controle para monitorar experiências realizadas no maior experimento científico do mundo, o acelerador de partículas que inaugurou seu programa de pesquisa nesta terça-feira (30/3), com choques de 7 teraelétron-volts (LHC/Cern)
O CMS Center @ São Paulo, nome oficial do centro, utiliza uma conexão internacional de 10 Gbs, financiada pela FAPESP. “É a rede mais rápida do Brasil”, disse o professor Sérgio Ferraz Novaes, coordenador do Sprace. Os equipamentos do CMS Center @ São Paulo foram adquiridos com apoio da Rede Nacional de Física de Altas Energias (Renafae), do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Além do transporte de dados dos experimentos, a velocidade da rede permite o funcionamento de sistemas de telefonia e videoconferência de alta qualidade, proporcionando uma interação instantânea com o centro de controle do Cern.
Por conta disso, os usuários do centro paulista poderão atuar na calibração dos subdetectores, monitorar a qualidade dos dados gerados e ainda analisar essas informações.
“Podemos acompanhar as informações ao vivo por meio de monitores e, caso detectemos alguma irregularidade, temos condições de chamar um especialista do LHC pelo sistema de videoconferência”, explicou o físico Franciole Marinho, pós-doutorando do Sprace que participa do projeto e conta com Bolsa da FAPESP.
A Fundação também está financiando a atualização dos terminais do campus da Barra Funda da Unesp a fim de aumentar a sua capacidade de processamento. O próprio Sprace foi implantado em 2003 por meio do Projeto Temático “Física Experimental de Anéis de Colisão: Sprace e HEPGrid−Brazil”, coordenado por Novaes.
Na América Latina, há apenas dois centros ligados ao CMS, o da Unesp e o da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Física de partículas
O CMS é um dos quatro experimentos de pesquisa do LHC e cada um deles conta com equipes e equipamentos exclusivos para suas finalidades. Além do CMS, os experimentos Atlas e LHCb também registraram as colisões efetuadas na terça-feira. De modo similar ao CMS, o Atlas é um experimento multipropósito que fornece dados para trabalhos em diversas áreas da física.
Já o LHCb é focado no chamado quark B, partícula que poderá fornecer pistas sobre a relação entre matéria e antimatéria presentes no Universo. O quarto experimento, Alice, é voltado a análises com íons pesados e deve começar a operar em 2011, com o disparo de partículas de ouro ou chumbo.
O Brasil já participa intensamente no processamento dos dados coletados no Cern. Segundo Novaes, é importante para o país aumentar sua participação no desenvolvimento de software e hardware necessários às pesquisas no acelerador. “O LHC é um instrumento único que abrirá várias portas para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro”, afirmou.
Mas a formação e a pesquisa brasileiras em física de altas energias já estão ganhando com os experimentos. Os dados observados do campus da Barra Funda alimentarão trabalhos de mestrado, doutorado e pós-doutorado de estudantes da Unesp.
Por meio da rede de alta velocidade KyaTera, do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) da FAPESP, que cobre o Estado de São Paulo, esses dados poderão ser partilhados com outras unidades de pesquisa.
Respostas a grandes questões
A comunidade científica espera que os experimentos realizados no LHC forneçam respostas para algumas das principais questões atuais da física. “O que se convencionou chamar de ‘física de partículas’ tem um aspecto muito mais amplo do que o nome sugere. Ela se propõe a responder do que é feita a matéria, como ela interage e quais são as forças da natureza”, explicou Novaes.
Entre as expectativas em relação ao LHC estão pistas a respeito da chamada matéria escura que surgiu como explicação para o comportamento de corpos no Universo.
“Apenas a massa da matéria visível não seria suficiente para explicar o comportamento das galáxias. A matéria escura seria o montante faltante nessa equação. Mas, no momento, trata-se apenas de uma hipótese”, disse Sérgio Lietti, pesquisador do CMS Center @ São Paulo.
De modo análogo, a chamada energia escura é uma hipótese elaborada para explicar a expansão do Universo. Ainda sem comprovação empírica, essa é outra teoria que o trabalho no LHC também poderá ajudar a comprovar ou a negar.
A assimetria entre matéria e antimatéria percebida no Universo é outro enigma que os físicos esperam poder elucidar com ajuda das colisões no anel europeu.
“Em laboratório, conseguimos perceber que cada partícula é acompanhada de sua antipartícula, isso nos leva a perguntar por que observamos muito mais matéria do que antimatéria no Universo, ou seja, há uma aparente assimetria entre as duas”, disse Marinho.
A maior das expectativas, no entanto, repousa sobre a comprovação ou não do chamado bóson de Higgs, cuja existência hipotética foi levantada pelo físico britânico Peter Ware Higgs de modo a tentar explicar a origem da massa das partículas elementares. “O LHC foi especialmente desenhado para estudar o bóson de Higgs”, disse Novaes.
No entanto, o professor da Unesp estima que essas grandes perguntas não serão respondidas tão cedo. O LHC está em fase de testes, o que exige inicialmente a execução de experimentos cujos resultados já são conhecidos.
“É uma espécie de calibração. Caso os resultados sejam discrepantes em relação aos que já conhecemos pode ser sinal de algum defeito no equipamento”, disse Novaes.
Mesmo após o acelerador comprovar a sua confiabilidade, os grandes resultados ainda deverão levar algum tempo. Segundo o professor da Unesp, será preciso agrupar um enorme volume de dados para poder comprovar uma teoria.
Isso dependerá do número de colisões que o LHC poderá proporcionar, chamado “índice de luminosidade”. Quanto mais eventos forem registrados, mais dados serão coletados para compor os resultados finais que serão gerados por estatísticas.
Além das questões que intrigam a física contemporânea, o LHC ainda poderá gerar descobertas imprevisíveis. “A história da ciência está repleta de episódios em que o acaso gerou descobertas impensáveis até então. Nada impede que isso possa se repetir aqui”, disse Novaes.
Mais informações sobre o LHC: http://public.web.cern.ch/public