Desmond e Moore bem que tentaram sanitizar o racismo de Darwin

terça-feira, janeiro 27, 2009


Ódio à escravidão moveu idéias de Darwin, diz livro

Editora Abril

O Globo

23/01/2009 - 16:36

Mike Collett-White, da Reuters em Londres, escreveu pequena nota a respeito de novo livro sobre Charles Darwin cuja tese é: “um ódio passional à escravidão foi fundamental para que ele desenvolvesse a sua teoria da evolução” e que sua teoria foi contrária à suposição de muitos na época de que negros e brancos eram espécies diferentes.

No bicentenário de Darwin e nos 150 anos de publicação do “Origem das Espécies” este livro “Darwin's Sacred Cause” (A causa sagrada de Darwin) é um dos primeiros entre diversos trabalhos sobre o cientista do século XIX que deverão ser lançadas em 2009.

Adrian Desmond e James Moore são dois historiadores de ciência, autores de Darwin: A vida de um evolucionista atormentado (São Paulo, Geração Editorial, 1995)



À época ela foi considerada por muitos especialistas como a melhor, a mais ambiciosa, e definitiva biografia de Charles Darwin. Duarte Pereira disse que era “um livro magnífico, que prende o leitor ao narrar as grandes aventuras vividas pelo cientista. Desmond e Moore deslindam o paradoxo entre o homem tímido e o cientista ousado remontando não só a vida, mas também o contexto político e cultural de Darwin” (Revista VEJA).

Desmond e Moore acreditam que este livro será um dos mais polêmicos. Razão? Ele explora o humanitarismo de Darwin e contesta a noção de que suas conclusões tenham sido resultado apenas da busca científica.

Desmond disse à Reuters: “Deve haver razões para ele ter chegado a imagens da origem comum da evolução quando não havia precedentes para tanto na zoologia de seu tempo. Isso vem do antiescravagismo. Ninguém duvida que as ilhas Galápagos, os tentilhões, as preguiças gigantes e as tartarugas gigantes tenham sido absolutamente fundamentais para seus pontos de vista e para o que ele estava interessado. Mas é preciso observar um certo princípio norteador. Cada navio levava mais de um naturalista naqueles tempos — por que nenhum deles chegou a essa idéia da origem comum, ainda que a maioria deles tivesse exatamente a mesma evidência?”

Moore, contudo, disse que o livro não pretende simplificar o argumento para “sou contra a escravidão, portanto sou evolucionista”. Para esclarecer esta idéia, ele acrescentou: “Esse não é um argumento reducionista. Estamos ressaltando que era preciso que Darwin acreditasse em uma ‘ciência da fraternidade’ [SIC ULTRA PLUS] para ver a origem comum. Não podemos descobrir de onde mais ele teria tirado isso.”

Desmond e Moore voltam ao naturalista 18 anos após lançarem “Darwin: a vida de um evolucionista atormentado”, a biografia do homem que chegou à conclusão de que todas as espécies evoluíram de ancestrais comuns.

Segundo Collett-White, Darwin sabia que suas teorias eram revolucionárias, pois derrubou os humanos de seu pedestal ao sugerir que compartilhamos ancestrais com macacos e lesmas, e teria acabado com as pesquisas científicas sugerindo que brancos eram de uma espécie superior aos negros e contestou suposições criacionistas.

Neste novo livro, Desmond e Moore argumentam que ponto de vista deles é importante porque mostra Darwin sendo movido por desejos e necessidades humanas, e lançará nova luz sobre trabalhos atacados até hoje por serem considerados moralmente subversivos.

Bem, como lidar com um livro que você ainda nem leu? Como lidar com dois autores, historiadores da ciência de renome, que diferentemente do que biografaram de Darwin parecem estar agora sanitizando, oops ‘edulcorando’ o racismo de Darwin?

Darwin era contra a escravidão, mas esta posição não o exime de preconceitos racistas, pois ele acreditava piamente que o processo evolutivo tinha criado raças superiores e inferiores conforme encontramos no “The Descent of Man” (seu livro menos lido e menos pesquisado). Naquele livro Darwin manteve que o desenvolvimento intelectual humano era produto da seleção natural e que ela tinha produzido diferenças significantes nas faculdades mentais de “homens de distintas raças”. Vide The Descent of Man (1871), vol. I, pp.109-110, 160, 201, 216.

Além disso, Darwin depreciou aos negros, e destacou que a interrupção na história evolutiva entre os macacos-antropóides e humanos caiu justamente “entre o negro ou australiano, e o gorila”, dando a entender que ele considerava os negros como sendo os humanos mais parecidos com os macacos-antropóides. Ibid, p. 201.

Ser contra a escravidão é uma coisa. Ser antiracista é outra coisa. Darwin era racista. Será que Desmond e Moore desconhecem o que Darwin escreveu em “The Descent of Man”? De onde eles tiraram esta idéia de que o ódio à escravidão teria movido as idéias evolutivas de Darwin?

Nenhum livro saí assim num passe de mágica. É preciso pesquisar, indagar, formular hipóteses, sugerir respostas. E Desmond e Moore já vinham perseguindo esta hipótese desde 2004 conforme introdução provocante ao livro de Darwin “The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex. 2nd edition of 1874” (Londres, Penguin, 2004, 791 p.).

Esta introdução foi duramente criticada na resenha de Robert J. Richards, da Universidade de Chicago, no BJHS — British Journal for the History of Science, Dec. 2006, Vol. 39, 143, p. 615-617. Segundo Richards, “uma introdução admirável no seu detalhe social e implausível na sua tese deflacionária” [p. 615]

Naquela introdução, Desmond e Moore situaram a obra de Darwin no contexto do seu antiescravagismo desenvolvido em sua viagem a países então escravagistas como Brasil, e que no The Descent of Man Darwin tentou explicar a evolução humana e a diversidade racial através da seleção sexual. Segundo aqueles autores, este modo de seleção teria permitido a Darwin “estabelecer uma origem unificada da humanidade em predecessores tipo macacos antropóides, e explicar as variedades raciais através da seleção sexual em circunstâncias contingentes” [p. 615].

Qual é o problema com esta hipótese de Desmond e Moore? Segundo Roberts, ela é destituída de evidências, apesar de Darwin ter sido abolicionista. Pior de tudo, não há no The Descent of Man ou em qualquer outra obra ou escrito de Darwin qualquer evidência de que “ele formulou sua concepção de evolução humana a fim de solapar a peculiar instituição [da escravidão]” [p. 615].

Quase no final de sua resenha, Richards elogia, mas alfineta Desmond e Moore ao mesmo tempo: “a introdução de Moore e Desmond é robusta em detalhe social, mas hesitante em linha de argumento” [p. 617]

A ‘causa sagrada’ do historiador de ciência é ser fiel às fontes primárias e não elaborar teses infundadas como esta de Desmond e Moore. O livro vai ser polêmico justamente por isso: é mais uma “just-so story” em nome de Darwin, e esta tentando livrar a cara do homem que teve a maior idéia que toda a humanidade já teve de ter sido racista.

É Desmond e Moore, o livro de vocês vai ser bem polêmico mesmo!

Tirando o chapéu para Michael Flannery pela indicação da resenha de Richards