O mito da ‘Theoria perennis’ ou o besteirol pós-modernista de um editor da VEJA – Parte 2 de 3

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

“Como a fé desempatou o jogo”, de Okky de Souza,: a ciência explica como o cérebro produz o pensamento mágico. (Veja 1994, de 7 de fevereiro de 2007, pp. 78-85). [Requer assinatura da VEJA ou do UOL]

Na mente pós-moderna, somente a ciência é racional, e a fé irracionalidade. É nesta ótica distorcida da realidade que Okky de Souza discorre a questão do desempate da fé. Ele inicia seu especial com perguntas e respostas escatológicas que, a princípio, favoreceriam as concepções religiosas como fenômenos saudáveis, mas o resto do artigo ‘naturaliza’ o ‘sobrenatural’, e a teoria da evolução [seja lá qual nível Okky está falando] vai se mostrar uma ‘Theoria perennis’ explica tudo e serve de pano de fundo de uma Weltanschauung estritamente materialista: a matéria é tudo o que existiu, existe e existirá. Uma no cravo, outra na ferradura!

Mesmo que as crenças estejam mais vivas do que nunca nas sociedades modernas atuais, a práxis se dá ‘privativamente’, pois essas sociedades são estados estritamente laicos, com pouca ou nenhuma influência cultural desses indivíduos exilados nos seus guetos e catacumbas de fé. Isso sim é que é um paradoxo, pois a ciência que hoje conhecemos teve o seu maior desenvolvimento pela ação de atores teístas. A razão não exclui a fé: Credo ut intelligam [Creio para poder entender].

Quando o homem se tornou a medida de todas as coisas, ele se esqueceu que seus construtos gnosiológicos são limitados. Quem convencionou que crença e ciência não combinam, são como óleo e água? Quem é que domina a academia: os teístas ou ateístas? Okky de Souza afirmou que os dogmas milenares orientadores da fé de cristãos, judeus, muçulmanos ou budistas são respeitáveis, e não são apenas anacronismos deslocados do mundo da razão e da tecnologia do século XXI. Meno male.

Ele revela uma ‘inocência evangélica’ ao afirmar que ‘não existe paradoxo’, e sim ‘o reconhecimento dos limites dos dois campos da percepção humana dos fenômenos naturais’. Okky, você pode me dizer onde isso ocorre? Na Academia? Na Grande Mídia tupiniquim?

Não consegui entender como que ‘o lado duro da ciência’ conduz experiências nos laboratórios buscando explicações naturalistas para ‘fenômenos’ tidos como sobrenaturais. Desde quando o ‘túnel de luz’ que as pessoas contam ter visto em estado de coma é um fenômeno ‘sobrenatural’? Quem popularizou esse túnel como ‘uma entrada entreaberta para a eternidade’ de uma pessoa prestes a abandonar o mundo material foi a Grande Mídia. Não faz parte do ideário ‘sobrenatural’ das concepções religiosas.

São todas essas reações mensuráveis e previsíveis do cérebro humano? Sim. Então por que ainda nomeá-los como ‘fenômenos sobrenaturais’? Concordo com Okky de Souza: essa revelação não torna os mistérios da vida e da morte menos espantosos. Mas seriam agora questões ‘sub specie aeternitatis’ objeto de pesquisa científica?

Quanto ao Big Bang, existe outra versão da questão. Essa reação dos astrofísicos não foi somente ‘arrogante’, ‘tola’: segundo Stephen Hawking, eles mantiveram a teoria do Big Bang no limbo epistemológico por 3 décadas. Razão? O Big Bang, a súbita explosão original que deu origem à matéria, à energia e às leis que regem a interação entre ambas, longe de alijar a idéia de Deus, a reforçava. O universo considerado eterno, agora tinha um princípio! Fiat, ex-nihilo [argh, isso é como cometer um assassinato]???

Não são todos os cientistas do ‘núcleo duro da melhor ciência’ que desprezam a noção de Deus. Outro dia, quem diria, Dawkins afirmou que Deus era uma hipótese científica... Não são todos os metafísicos de todos os sabores e cores que não enxergam utilidade alguma no método científico. Pelo contrário, muitos deles são favoráveis que a ciência retorne a EMPIRICA, EMPIRICE TRATANDA! Muitos cientistas daquele ‘núcleo duro da melhor ciência’, que eu chamo de Nomenklatura científica, não querem esse retorno baconiano de se perguntar à natureza e seguir as evidências aonde elas forem dar.

A realidade do universo de Okky de Souza, como a de todos os pós-modernos, é de que o universo é ‘fechado’. É uma imposição epistêmica muito grande, e temporalmente inexeqüível dada a grande vastidão do universo. Quem aferiu ser o universo realmente ‘fechado’? Quem já foi nas suas extremidades fronteiriças, e verificou isso com exatidão? O que tem a ver a explicação do mundo natural e a crença das pessoas da existência de um Grande Extraterrestre Cósmico?

Durma-se com um barulho desses, o SETI busca ‘inteligência’ de seres extraterrestres menores, e isso é considerado ciência, mas acreditar no GEC é irracionalidade obscurantista e otras cositas mais. Solução epistêmica do que não pode ser naturalmente explicado: em algum momento de nossa trajetória terrena, a evolução dotou os mais aptos a sobreviverem à Idade do Gelo a acreditarem em SUED, um ser inexistente, produto da projeção da mente humana diante daquele cataclismo universal!!!

Isso não é ciência, Okky de Souza, isso é ‘história da carochinha. Razão? As teorias de longo alcance são históricas. Não são falseáveis. É preciso crer, oops aceitar a priori de que realmente foi assim. É preciso ter fé, oops aceitar como cientificamente plausíveis. Geralmente elas ficam nos campos das hipóteses, e a turma do núcleo duro da ciência, a Nomenklatura científica, engabela os incautos e os menos especializados com essas ‘just-so-stories’ [obrigado, Gould]!

Alguém perguntou a Drawink, o profeta que previu a chegada da Idade do Gelo, como que ele desenvolveu ‘o pensamento simbólico’? Por que se interessou em saber o tipo de força existente por trás dos fenômenos naturais? Por que começou a enterrar seus mortos e a enfeitar os túmulos com flores? Por que somos a única espécie capaz de antecipar a própria morte? Por que o ser humano precisou vislumbrar entidades maiores e mais poderosas do que ele para conseguir suportar essa certeza?

Desde quando essas perguntas são científicas? Eu pensei que elas fossem teológicas ou filosóficas!