JC e-mail 3604, de 23 de Setembro de 2008.
17. Humanos não ficaram na Beríngia por 20 mil anos, diz estudo
Para grupo brasileiro, modelo de povoamento das Américas em três etapas ainda é válido, o problema é saber com precisão as idades de todas migrações
Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP’:
Em se tratando da história da ocupação humana das Américas a discórdia científica está sempre presente. Desta vez, o grande problema é o número de anos que os humanos teriam ficado estacionados na Beríngia -zona atualmente submersa que ligava os continentes asiático e americano.
Para Sandro Bonatto, geneticista da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e seus colaboradores está errado quem defende que os humanos permaneceram uns 20 mil anos estacionados na mesma região, depois de terem deixado a Ásia e antes de migrarem em definitivo para o norte da América do Norte.
"Hoje nós sabemos, via dados genéticos, que eles ficaram um tempo parados na Beríngia. Mas só dá para dizer que isso foi por mais de 5 mil anos", disse Bonatto à Folha. O cientista explicitou sua desconfiança em apresentação feita no 54º Congresso Brasileiro de Genética, realizado na semana passada em Salvador (BA).
Segundo o grupo gaúcho, que também publicou um artigo sobre o mesmo tema na revista científica "PLoS One" do dia 17 de setembro, isso não invalida o modelo de ocupação das Américas conhecido no meio científico como o do de três estágios. Porém, ainda faltam dados para que todas as datas das migrações sejam estabelecidas.
A crítica científica feita por Bonatto em Salvador é destinada a um trio de cientistas da Universidade da Flórida (EUA). Foram os três que calcularam, no início deste ano, a estadia dos humanos na Beríngia em 20 mil anos.
Porém, o mesmo grupo, em outro artigo também publicado na "PLoS One" na semana passada, reconhece os erros de cálculo. Eles admitiram terem usado, por engano, amostras de não americanos na pesquisa.
"Sobre os três estágios, é possível dizer que os humanos começaram a migrar na Ásia há mais de 40 mil anos e, depois, entraram nas Américas há 18 mil anos", diz Bonatto. Segundo o cientista, o grande problema é dizer quando o segundo estágio (a chegada na Beríngia) realmente teria começado.
Mesmo errando no cálculo dos 20 mil anos, o grupo da Flórida, no seu mais recente artigo, estima a permanência na Beríngia entre 30 mil e 16 mil anos. A discórdia, portanto, ainda não acabou.
Índios do Chaco
A bióloga Sídia Callegari-Jacques, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), também usou sua apresentação no Congresso de Genética para levantar outro debate.
Para ela, existem dados genéticos suficientes para afirmar que a América do Sul tem três grupos gênicos de índios.
Além dos grupos bastante conhecidos da zona andina e da zona amazônica, Callegari-Jacques afirma que existe possivelmente um terceiro, no centro-sul da América do Sul, onde está o Chaco argentino.
"E alguns marcadores genéticos mostram que os índios desse grupo do Chaco estão mais perto dos indígenas dos Andes do que dos amazônicos."
(Folha de SP, 22/9)