Ancestral vivo
16/9/2008
Subterrânea, esbranquiçada e sem olhos, espécie descoberta no Amazonas pertence à mais antiga linhagem de formigas vivas atualmente. Trabalho, com participação brasileira, será publicado na revista Pnas
Fábio de Castro escreve para a “Agência Fapesp”:
As formigas surgiram há cerca de 120 milhões de anos, durante o período Cretáceo, quando se diferenciaram de um ancestral comum às vespas. Um grupo internacional de pesquisadores acaba de descrever uma nova espécie, encontrada nas proximidades de Manaus, que afirmam ser a linhagem mais antiga de formigas existentes na atualidade.
A formiga vive sob o solo e mede de 2 a 3 milímetros quando adulta. Esbranquiçada e sem olhos, ganhou o nome de Martialis heureka. A referência ao planeta Marte se deve à aparência “alienígena” do animal, que possui uma combinação de características jamais registradas. Depois da análise morfológica e genética, os cientistas verificaram que a formiga correspondia não apenas a uma nova espécie, mas também a gênero e subfamília inéditos.
A descoberta será publicada esta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas). Os autores do estudo são Christian Rabeling e Jeremy Brown, da Universidade do Texas (Estados Unidos), e Manfred Verhaagh, do Museu Estatal de História Natural de Karlsruhe (Alemanha).
O trabalho de campo no Amazonas teve participação de Marcos Garcia, pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
De acordo com Garcia, o grupo havia trabalhado em conjunto em dois projetos de três anos de duração realizados a partir de 1996, dentro de um convênio bilateral entre Brasil e Alemanha apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A formiga havia sido encontrada pela primeira vez por Verhaagh, em 1998.
“Trabalhamos até o fim de 2003 em projetos que pesquisavam os organismos de solo e sua importância para os ecossistemas locais. O professor Verhaagh coletou dois exemplares dessa formiga, mas houve um acidente no transporte. Eles secaram e não puderam ser analisados”, disse Garcia à Agência Fapesp. O entomologista da Embrapa coordenava, na época, a parte brasileira do projeto.
Em 2003, Rabeling, que fazia então sua pesquisa de mestrado, realizava um trabalho de campo em um terreno da Embrapa, próximo a Manaus, quando encontrou por acaso um novo exemplar da espécie desconhecida. Segundo o pesquisador alemão, o animal foi coletado na serapilheira, a camada superficial do solo da floresta onde há restos de vegetação, folhas, ramos, caules e cascas de frutas em diferentes estágios de decomposição.
“Eu estava arrumando meus pertences para ir embora, no fim da tarde, quando vi a formiga, que me pareceu estranha. Depois da coleta, não consegui identificá-la e enviei uma foto dela ao professor Manfred, que me respondeu imediatamente dizendo que se tratava da formiga encontrada em 1998”, disse Rabeling à Agência Fapesp.
Segundo o pesquisador, existe uma ampla literatura sobre as mais de 12,5 mil espécies de formigas no planeta. Mas, depois de analisar as características morfológicas da nova espécie, os cientistas constataram que ela não se encaixava em nenhuma das 20 subfamílias existentes. “Desde 1923, esta é a primeira descoberta de uma nova subfamília de formigas com espécimes vivos”, afirmou.
Em seguida, os cientistas removeram as pernas do lado direito da formiga e extraíram o DNA para realizar análises genéticas. “Seqüenciamos três genes e colocamos esses dados em uma matriz de dados existente. Essa análise genética mostrou que a formiga era a mais antiga com espécimes vivos”, explicou.
Segundo o pesquisador, foram coletados anteriormente fósseis mais antigos, mas a Martialis heureka é a mais basal de todas as formigas vivas já submetidas a uma análise filogenética.
Rabeling contou que a Sphecomyrma, um fóssil preservado em âmbar e descrito em 1967 por Edward Wilson, da Universidade Harvard, é considerado o “elo perdido” das formigas e vespas.
“As vespas são os ancestrais de todas as formigas atuais. A partir desse ancestral, elas foram se especializando para viver no solo, em árvores ou na serapilheira e formaram o grupo monofilético das formigas”, explicou. As formigas evoluíram rapidamente para diferentes linhagens, partir do Cretáceo (entre 145,5 milhões e 65,5 milhões de anos atrás).
Novas coletas
Rabeling contou que Wilson, um dos principais especialistas em formigas no mundo, também foi consultado quando a Martialis heureka foi coletada. Seu comentário gerou o nome da nova espécie. “Quando observou a combinação desconhecida de caracteres morfológicos aberrantes, Wilson brincou que esse gênero só podia vir de Marte”, contou.
O cientista acredita que a descoberta tenha implicações para a conservação do bioma amazônico. “O projeto que envolvia a Universidade de Tuebingen, à qual eu pertencia na época, o Museu de Karlsruhe e a Embrapa vinha estudando insetos da região por uma década e, depois de todo esse tempo, ainda encontramos espécies novas. Isso mostra a importância da conservação, já que espécies como a Martialis heureka são fundamentais para ajudar a entender a evolução”, destacou.
Segundo Rabeling, a descoberta reforça a hipótese de que as formigas predadoras cegas que vivem sob o solo apareceram no início da evolução das formigas. “A cor pálida do corpo e a falta de olhos sugerem que essas formigas fizeram adaptações propícias para seus hábitos subterrâneos”, disse.
De acordo com Rabeling, o grupo agora pretende realizar outro projeto para coletar mais exemplares da formiga na Amazônia, a fim de realizar estudos sobre seu comportamento. O grupo pretende também desenvolver novas metodologias para coleta de espécies subterrâneas.
O artigo “Newly discovered sister lineage sheds light on early ant evolution”, de Christian Rabeling e outros, poderá ser lido em breve por assinantes da Pnas em http://www.pnas.org.
(Agência Fapesp, 16/9)
Destaque também no JC E-Mail.
NOTA IMPERTINENTE DO BLOGGER:
Para corroborar suas conclusões, está faltando Rabeling apresentar à comunidade científica um fóssil de Martialis heureka esmagada por um ferocíssimo dinossauro Tuxaua manauensis que habitou a região de Manaus há mais de 100 milhões de anos, e apresentar também um fóssil desses temíveis “esmagadores de formigas”. Afinal de contas, não é tarefa difícil achar um desses fósseis, pois os Tuxaua manauensis eram animais de grande porte que viviam em grande bandos na região do Tarumã.