EXTRA! EXTRA! Duas versões estimadas da Nomenklatura científica foram para a lata do lixo da História da Ciência

sexta-feira, março 30, 2007

Eu sou um iconoclasta incorrigível mesmo. Na universidade eu sempre busco o contraditório para poder conhecer a verdade. É lá nas “sombras” que eu ando e vejo a “luz” da “veritas”. Embora eu entenda das regras da sociologia da ciência, onde determinado comportamento é esperado do corpo discente e docente, eu não sou “soldadinho-de-chumbo”, e aqui sigo mais a Feyerabend do que Popper ou Kuhn:

Embora eu seja um anarquista epistemológico, entendo que há necessidade de contextos de elaboração e corroboração das teorias científicas. É neste mapa que nós “viajamos” nos saberes científicos. É como uma “receita de bolo” (obrigado, Rubem Alves ─ Filosofia da Ciência, São Paulo, Brasiliense).

Eu tinha selecionado dois exemplos interessantes de “verdade” científica que, súbita e repentinamente (depois de anos de consideração) foram jogadas na lata do lixo da História da Ciência, para o desconforto de muitos dos que praticam ciência normal sob o neodarwinismo. Eu não tirei isso lá no meio da literatura do pessoal perverso do Design Inteligente, mas do respeitado journal científico Nature! Que semana de turbulência para Darwin e discípulos.

Eu ia publicar no dia 1º de Abril, mas o Krauze, do Telicthoughts, me antecipou. Por isso vou tão-somente traduzir e postar aqui suas duas postagens sobre essas “versões” que perdem o seu caráter de “verdade científica”. Notifico desde já aos meus detratores, que tenho acesso à Nature na universidade onde faço pós-graduação, e que li as duas pesquisas. Um privilégio para poucos de quem muito é esperado em termos de produção de conhecimento.

A primeira é que a extinção dos dinossauros não abriu caminho para o surgimento da espécie humana.

por Krauze

Era uma vez, o mundo que era governado pelos dinossauros, com os mamíferos sendo confinados às fendas e gretas. Mas um impacto fortuito de um asteróide fez com que os dinossauros fossem extintos, abrindo o caminho para o avanço dos mamíferos e, finalmente, nós. Isso, mais alguns bon mots filosóficos sobre a aleatoriedade da evolução, tem sido a estória tradicional da evolução mamífera. Mas esta visão tem sido desafiada nos últimos dois anos, e agora, um novo estudo se junto ao coro.

Numa pesquisa publicada no journal científico Nature, um grupo de pesquisadores
construiu uma árvore genealógica de aproximadamente todos os mamíferos vivos, que mostraram que a extinção dos dinossauros não teve nenhum efeito sobre a diversidade dos mamíferos: Os principais grupos de dinossauros surgiram milhões de anos antes de os dinossauros se tornarem extintos, e eles não se tornaram dominantes até milhões de anos após o desaparecimento deles. Do comunicado da Nature à imprensa.

A extinção violenta dos dinossauros no final do período Cretáceo alguns 65 milhões de anos abriu espaço e recursos para outras espécies. Mas não abriu especificamente um caminho para a diversidade dos animais que iriam evoluir nos mamíferos de hoje, inclusive os humanos, disse o biólogo evolucionista Olaf Bininda-Emonds da Universidade Técnica de Munique, Alemanha: “Depois que os dinossauros se extinguiram, eles ainda não diversificaram.”

É possível que se aquele asteróide não tivesse atingido a Terra, os mamíferos ainda assim teriam se diversificado, dando origem aos morcegos, vacas, e primatas inteligentes. Se foi assim, então parece que a evolução não é assim tão aleatória.

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O segundo blog de Krauze, e aqui eu fico com uma ponta de inveja dele, é sobre o nosso grande luminar e timoneiro em biologia: Darwin, aquele que nos iluminou definitivamente a todos nesta grande questão ulterior de nossa origem e evolução.

A citação desta sexta-feira é sobre a razão de Darwin ter demorado em publicar o Origem das Espécies. A estória que nos contaram desde o ensino médio, é que Darwin para não chocar os religiosos, especialmente a sua amada esposa Emma, protelou a publicação de seu magnum opus. Há outra versão controversa e polêmica: Darwin teria protelado tanto assim por temer ser apanhado plagiando a idéia de seleção natural de Edward Blyth.

Bem, vamos ver o que Krauze tem a nos dizer:
por Krauze

Esta é uma péssima semana para opiniões estabelecidas. A primeira foi a opinião estabelecida sobre a extinção dos dinossauros que levou um chega pra lá, e agora a velha estória de que Darwin esperou publicar o seu livro Origem das Espécies por causa de preocupações sobre reações religiosas está recebendo algum escrutínio. Do journal científico Nature (requer assinatura ou via Periódicos no site http://www.capes.gov.br se você for aluno ou professor nas universidades públicas e privadas, e nos centros e institutos de pesquisas):

Darwin demorou na publicação de sua teoria da evolução pela seleção natural porque ele temia um clamor do establishment? Esta tem sido a crença popular, e tem sido alimentada pelo fato de que, embora Darwin tenha começado a formular sua teoria em 1837, ele não publicou o Origem das Espécies até 1859.

Agora John van Wyhe, um historiador da ciência na Universidade de Cambridge, Grã-Bretanha, disse que após uma esmerada busca pelas cartas, anotações e livros escritos por, para ou sobre Darwin, ele pode excluir essa idéia de uma vez por todas. … Para levar adiante esta sua pesquisa, van Wyhe procurou pela palavra “protelar” nas fontes primárias e secundárias cobrindo o período no qual Darwin estava trabalhando no Origem das Espécies. Ele disse que Darwin e aqueles que o conheciam nunca se referiram sobre um protelar na publicação, ou deram qualquer explicação sobre a “lacuna” de 20 anos.

… O historiador ainda argumenta que em cartas para amigos, família, e colegas, Darwin comunicou continuamente a sua crença de que as espécies poderiam mudar, e que isto é inconsistente com a noção de que ele estava mantendo suas idéias heréticas em segredo durante este período. Ele até pagou copiadores em pelo menos duas ocasiões para produzirem os primeiros rascunhos de sua teoria das espécies. Ao documentar exatamente o que ele estava fazendo durante “os anos de lacuna”, van Wyhe elabora o caso de que Darwin simplesmente não sentou para escrever o Origem das Espécies até que ele tivesse completado outra obra à mão, inclusive uma pesquisa sobre cirrípedes de oito anos.

… Mas muitos estudiosos especializados em Darwin não estão convencidos. [O editor da Biblioteca Digital da Evolução de Darwin, David] Kohn e outros concordam sobre a maneira como que as pressões culturais e sociais influenciaram nas decisões de Darwin podem ter sido exageradas, particularmente na arena pública, com menos atenção sendo paga ao processo envolvido da descoberta científica. Mas o consenso na área provavelmente deve permanecer de que um grande número de fatores apoiando a protelação de Darwin.

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Pensar que estas duas versões são da ciência “mainstream”. Eu não quero estar na pele dos que desbancaram a teoria da extinção dos dinossauros abrindo caminho para o surgimento dos mamíferos e até dos Australopithecus e antropólogos, muito menos na pele do van Wyhe. Cara, os guarda-cancelas da KGB [oops, peer-reviewers é mais chique] e a Nomenklatura científica vão lhe comer o fígado.

Quem ousaria duvidar da estória de Darwin ter “protelado” escrever a revelação especial, inerrante e inspirada do Origem das Espécies, a não ser seus pruridos evangélicos respeitosos pela fé de Emma e um temor da reação do “fundamentalismo” [nem existia] religioso vitoriano?

Contem outra, que o degas aqui é “mais liso” do que o próprio Darwin...