Yanoconodonte, o negócio da China do “elo perdido” especulando sobre a evolução do ouvido Parte 1 de 2

terça-feira, março 20, 2007

O site do platinado grupo Globo G1 Ciência e Saúde abriga o blog Tubo de Ensaio. Lá, o Reinaldo José Lopes postou o blog intitulado “Pela Enésima vez...” em irônica homenagem à minha pessoa. Não precisava. Fiquei até lisonjeado com os meus 15 minutos de fama. Tivesse Lopes ficado tão-somente com o espírito gáudio eu sequer me importaria, mas num comentário muito infeliz [que não fiz uma cópia, e que não localizo mais no blog], esse jornalista me chamou e a outros críticos da teoria geral da evolução de “picaretas”.

Aprendi com meu pai a não ter medo de ninguém. Eu disse aos meus leitores que não iria perder o meu e o tempo deles neste blog com este jornalista. Contudo, vou ter que fazer isso para demonstrar a não veracidade do que ele afirmou de minha pessoa, e lidar seriamente com este suposto “elo de transição” made in China. No campo das idéias, não me tenha por inimigo. Eu vou na jugular. Com as evidências.

Eu não somente gosto da teoria da evolução, como a defino em teoria especial e teoria geral da evolução [coisas que eles não fazem por razões sabidas ― a TGE é um conglomerado de idéias controversas], examinando freqüentemente as evidências a favor e contra. Sou cético da teoria geral da evolução, não por razões puramente ideológicas ou religiosas, mas pelo exame da literatura especializada que acesso na minha universidade e junto a um grupo de cientistas internacionais. Uma leitura objetiva mostra que o neodarwinismo se encontra nos seus estertores epistêmicos, e o upgrade Darwin 3.0 já vem logo aí. Sei do que estou falando. Não será antes de 2009 para não estragar a festa de louvaminhice ao naturalista inglês.

A crítica à TGE, embora aqui recorrente, não é muita capenga. É muito incômoda. Nunca afirmei a inexistência dessas formas transicionais. Sou cético no alarde ensandecido feito de sua comprovação do fato, Fato, FATO da evolução dos diversos grupos de animais e plantas devido às muitas divergências e dificuldades encontradas nessas áreas. O caso das baleias ainda é controverso. A origem e evolução das plantas então, saí de baixo, porque os cientistas estão às apalpadelas nas escuridão epistêmica.

Os tetrápodes são “animais cordados, gnastomados, com dois pares de membros com cinco dedos, que geralmente são modificados, reduzidos ou ausentes, esqueleto ósseo, aberturas nasais ligadas à boca, e coração com duas aurículas” abrangendo desde os anfíbios aos mamíferos” [Aurélio] extintos e vivos.

Lopes afirmou que “o registro fóssil desmente esse pessoal uma vez por mês, pelo menos.” Desmente em quê? Como que uma espécie se transmuta em outra? Ou em alguns casos em que uma pequena modificação morfológica identificada num fóssil indicaria isso?

Lopes aceita a priori a origem dos mamíferos a partir do grupo de répteis, os cinodontes, e que “um dos principais eventos nessa transição é o surgimento dos três ossinhos do nosso ouvido médio, conhecidos como martelo, bigorna e estribo” e que eles “faziam parte da mandíbula dos répteis e foram se destacando dela”. Ele destaca que “a mandíbula dos mamíferos modernos tem um osso só.”

Será que o fóssil “batizado” [argh, isso é como cometer assassinato bárbaro e hediondo] de Yanoconodon allini elucida realmente a evolução do ouvido dos mamíferos?

Eu sou cético dos “elos transicionais” trombeteados pela mídia, não porque a revista Nature foi fundada com objetivo maior de provar o fato, Fato, FATO da teoria geral da evolução de Darwin [Huxley que o diga...], e nem porque ultimamente os cientistas evolucionistas chineses são apanhados com a mão na cumbuca fraudando suas descobertas científicas.

Consideremos a dificuldade epistemológica: essa variedade de espécies vivas e extintas deveria deixar qualquer cientista ou leigo não-especializado com um pé atrás quanto a encaixar formas tão variadas numa seqüência evolutiva de ancestralidade.

Todavia, foi justamente o que fez um grupo de cientistas chineses: a exibição para a comunidade científica de mais um “elo perdido”: um fóssil de mamífero primitivo que, segundo eles, preenche a lacuna na evolução do ouvido médio dos mamíferos.
Na pesquisa publicada na revista Nature Luo et al descreveram uma nova espécie de mamíferos eutriconodontes, Yanoconodonte, que eles descobriram na província de Liaoning, China [1].

Ao contrário do afirmado por Lopes, de não examinar direito as provas a favor ou contra a TGE, eu li cum granum salis esta pesquisa altamente técnica. Acredito que ele, apesar de ser jornalista científico, não fez este dever de casa. Lendo as seções costumeira de descrição e classificação, os autores tentam explicar duas observações feitas por eles:

1. A primeira e mais notável observação: a estrutura do ouvido médio representaria uma forma transicional nítida entre os ossinhos colados dos répteis e os ossinhos descolados do ouvido médio dos mamíferos.

2. Eles observaram uma vértebra extra (26 em vez de 19 para a maioria dos mamíferos, e 22 para o ‘parente’ mais próximo) e a presença de costelas lombares [incomum em mamíferos, mas presentes em alguns grupos bem separados]. Como eles explicaram isto? Pela manipulação de evolução convergente dos genes Hox que governam as divisões da coluna vertebral (sacro, ílio, lombar), e a presença ou ausência das costelas lombares. Experiências com ratos demonstram que essas características podem ser manipuladas [design inteligente?] pelo silenciamento ou a expressão saliente desses genes mestres reguladores de mudança.

Se Lopes tivesse lido a pesquisa, ele não teria sido tão veemente quanto à suposta corroboração do fato, Fato, FATO da evolução. Por quê? Porque não existe nenhuma transição evolutiva nítida nas caracerísticas vertebrais. Luo et al salientaram que Jeholodens, o suposto parente mais próximo do Yanoconodonte não tem costelas lombares [Fig. 4, node 2, p. 292].

Para embolar ainda mais o meio de campo da corroboração deste “elo de transição”, eles encontraram dois parentes num ramo diferente: um com costelas lombares, e outro sem costelas lombares.

Pior ainda, eles disseram que um animal como o Yanoconodonte ter 26 vértebras é “excepcional”. Um outro animal assim é o Repenomamus, um mamífero do período Cretáceo, do tamanho de um cachorro que atacava dinossauros [p. 291].

Eu não sei porque Lopes abriu o seu blog atacando os céticos por não acreditarem na existência de “formas de transição, capazes de comprovar a evolução dos diversos grupos de animais e plantas” se o foco da pesquisa de Luo et al na revista Nature foi sobre os ossinhos do ouvido médio, embora eles tenham entrado em detalhes tentando estabelecer o Yanoconodonte como uma forma transicional.

No cenário evolutivo aceito a priori, os mamíferos primitivos se originaram de répteis com os ossos ainda ‘colados’ no fundo da mandíbula. Com o passar do tempo evolutivo, os ossos traseiros começaram a se separar do fundo da mandíbula. Isso daria, presumivelmente, alguma vantagem auditiva porque os incipientes ossos do ouvido médio (ossículos), o martelo, bigorna, estribo eram mais livres para vibrar. Esses ossículos se separaram completamente da mandíbula como ocorre com os mamíferos modernos, e se “especializaram” exclusivamente para a audição.

Como Lopes não leu a pesquisa original, ele não pôde mencionar para os leitores especializados e não-especializados que os pesquisadores identificaram partes no fóssil que eles chamaram de “malleus” [martelo] e “incus” [bigorna], mas não acharam um “estribo”. Sem “estribo” o Yanoconodonte não galopa, oops não decola como “elo transicional”!

Para corroborar a pesquisa, os autores destacaram que os ossículos estavam parcialmente descolados no Yanoconodonte, mas permaneceram conectados à mandíbula somente pela cartilagem de Meckel ossificada. Eles também salientaram que o “malleus” [martelo] e o “incus” [bigorna] se assemelham aos ossículos completamente descolados do Ornithorhynchus paradoxus, e que esses ossículos teriam surgido durante o desenvolvimento com uma ligação na mandíbula via cartilagem de Meckel, e que mais tarde teria se descolado. A disposição desses ossículos no Yanoconodonte, disseram os autores, pode ser pedomórfica, isto é, um caso em que a ligação embriônica foi mantida até o estado adulto.

E agora, Lopes? Esta é a verdadeira história sobre este “elo de transição”. E qual é o peso científico disso? E das implicações de como a pesquisa foi feita? E sou eu o “picareta” na abordagem do fato, Fato, FATO da teoria geral da evolução?

Se Darwin aprouver, mañana tem mais!

Fui, rindo das caras desses verdadeiros “picaretas” do jornalismo científico!


NOTA
[1] Zhe-Xi Luo, Peiji Chen, Gang Li, and Meng Chen, “A new eutriconodont mammal and evolutionary development in early mammals,” Nature 446, 288-293 (15 March 2007) | doi:10.1038/nature05627.