Improvisação musical

quinta-feira, março 18, 2010

18/3/2010

Por Fábio Reynol

Agência FAPESP – Não há partituras. Os músicos começam a tocar interagindo uns com os outros, o que cria um evento musical novo a cada apresentação. A performance e a música gerada serão únicas e não poderão ser repetidas. Assim atua a Orquestra Errante, formada por alunos e professores da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

O grupo, que funciona como um laboratório de improvisação musical, nasceu em 2009 como fruto do trabalho intitulado “Investigação sobre o ambiente da livre improvisação musical: fundamentos para uma máquina de performance”, apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.



Orquestra e disciplina sobre improvisação musical foram criadas a partir de pesquisa feita na ECA-USP e apoiada pela FAPESP (ilustr.: Media Lab/MIT)

“Nosso objetivo é estabelecer um ambiente criativo em que todos tenham voz”, disse Rogério Luiz Moraes Costa, professor do Departamento de Música e coordenador do trabalho, à Agência FAPESP.

Para que a performance não gere uma sonoridade caótica, os músicos seguem pressupostos preestabelecidos. “É fundamental uma escuta intensa de si, do outro e do conjunto a fim de que a ‘fala’ de todos seja respeitada”, disse Costa.

Segundo ele, no grupo não existe hierarquia, pois todos os instrumentistas devem se respeitar para não encobrir ou atravessar a produção do vizinho, em uma participação que chama de democrática.

Isso não quer dizer que não haja impasses. A improvisação, segundo salienta Costa, pressupõe imprevisibilidade e, por isso, são comuns performances em que os instrumentistas começam a seguir linhas discrepantes que dialogam para formar uma produção conjunta.

As diferenças de estilo entre os artistas são valorizadas dentro da orquestra. “Diferentemente da improvisação idiomática, na qual a música se dá dentro de um idioma como o jazz, o choro ou o blues, por exemplo, a improvisação livre não possui esse compromisso e as contribuições se misturam, cada uma baseada na história de um artista”, explicou.

Assim, fragmentos de choro podem ser identificadas ao lado de reminiscências de jazz e de arranjos que lembram o frevo, isso tudo dentro de uma mesma performance. Isso ocorre porque cada músico traz suas influências e sua história de vida.

Esse ecletismo de idiomas musicais é uma das características da orquestra da ECA-USP que foi propositadamente constituída por músicos das mais variadas formações.

Escultura sonora

“O som é a nossa matéria-prima, com ele criamos uma grande escultura sonora. Porém, mais importante do que a música gerada é o processo dinâmico criativo envolvido”, disse Costa.

Além das experiências com a Orquestra Errante, o grupo também trabalhou durante a pesquisa com equipamentos eletrônicos voltados à prática musical. Programas de computador e sistemas eletrônicos foram aplicados para expandir as possibilidades de criação ao se constituir novas fontes sonoras ou acrescentar recursos aos instrumentos musicais tradicionais.

“A eletrônica aumenta a riqueza timbrística e a imprevisibilidade da performance”, disse Costa. Segundo ele, com os recursos eletrônicos atualmente disponíveis, o músico pode perder um pouco do controle sobre os sons que produz.

“E isso, paradoxalmente, pode ser um fator positivo”, afirmou o professor. “Ele consegue ter uma previsão razoável, mas o som não será exatamente o que ele imaginou. Isso provoca novas atitudes e reações na improvisação."

Muitas das experiências feitas com o auxílio de equipamentos eletrônicos são executadas pela banda Musicaficta, formada por professores e estudantes da ECA-USP, entre os quais o próprio Costa, que toca um saxofone expandido com recursos eletrônicos. O nome do grupo vem de um termo da música da Renascença que significa “música falsa”.

Nova linha de pesquisa

Os desafios impostos pelos softwares e hardwares musicais aprimoram habilidades particulares dos artistas, segundo Costa. Para ele, o auxílio eletrônico obriga o intérprete a extrapolar a técnica tradicional do instrumento além de ter de lidar com os sons imprevistos.

Também graças ao projeto coordenado pelo professor, uma nova linha de pesquisa foi estabelecida no departamento e uma disciplina específica foi criada no curso de graduação em música da ECA-USP, chamada de “Tópicos em improvisação”.

“É relativamente novo no Brasil o estudo sistemático sobre a improvisação e suas conexões com a composição, os processos criativos e cognitivos, a educação musical e a tecnologia”, disse Costa, destacando o pioneirismo da linha de pesquisa e da nova disciplina.

Boa parte da produção do trabalho de pesquisa foi apresentada em novembro em workshops, palestras e concertos durante a Mostra de Música Improvisada 2009, realizada em parceria entre a USP, a Fundação Santa Marcelina e o Centro Cultural da Espanha.

Costa pretende continuar o trabalho iniciado e apresentar uma nova proposta de projeto individual de pesquisa além de manter a sua participação no Projeto Temático “Mobile: processos musicais interativos ”, também apoiado pela FAPESP e coordenado pelo professor Fernando Henrique de Oliveira Iazzetta, do mesmo departamento da ECA-USP.