Um dos pais da teoria da evolução teria sido criacionista de carteirinha???

terça-feira, março 06, 2007

Quando a evolução ainda não era ciência

por Mike Gene

Muitas pessoas acreditam no revisionismo sanitizado que, freqüentemente, passa como sendo história da ciência. De acordo com tais relatos, grandes avanços em ciência são retratados como expressões puras do Iluminismo, quando homens de razão pura se rendem à evidência pura e avançam o nosso entendimento do mundo físico.

É claro, a ciência é uma expressão humana e a realidade humana é mais complicada do que isso. Um exemplo disso é Alfred Russel Wallace. Um ensaio esplêndido sobre Wallace apareceu no The New Yorker, onde você pode ler sobre ele e como as contingências da história humana o deixaram como personagem secundário. O que é ainda mais interessante é que o homem que descobriu sozinho a evolução pela seleção natural também flertou com o Espiritismo e a frenologia por toda a sua vida. Se Wallace fosse vivo hoje, certos críticos por aí poderiam chamá-lo de ‘criacionista’.

Falando dos críticos, quando eles reclamam que o Design Inteligente não é ciência ou que não tem um mecanismo, é importante lembrar que a evolução mesma foi primeiro considerada seriamente quando não era ciência e não tinha um mecanismo:

“Wallace fez um rápido curso de flora e fauna, fazendo excursões locais coletando espécimes e freqüentando assiduamente o Museu Britânico. Ele também leu tudo sobre história natural que pode encontrar inclusive o livro altamente influente de Robert Chambers Vestiges of the Natural History of Creation. Esta obra notória publicada anonimamente em 1844, misturava ciência e criacionismo e argumentava apaixonadamente a favor da “transmutação” — a noção de que a vida atual tinha evoluído de formas anteriores. Isso não era um argumento novo — Erasmus, o avô de Darwin, tinha sugerido isso tudo uma duas gerações antes; o ponto que faltava, que tanto Darwin como Wallace supririam, era o modo como a evolução funcionava.

Mas, o livro Vestiges ajudou a assentar a base tanto da aceitação popular do conceito de evolução e finalmente a de sua articulação científica. Embora cheio de especulação não substanciada que desinteressou a muitos homens de ciência estabelecidos (inclusive Darwin, que também percebeu como tanta calúnia poderia ser lançada sobre um homem que arriscou opiniões científicas impopulares e não provadas), o livro estimulou a Wallace e deu um propósito à sua primeira viagem aos Trópicos além da chance de escapar de um emprego que levaria a lugar nenhum e seguir nas pegadas fascinantes de outros aventureiros científicos.”

O artigo também oferece um contraste interessante entre Darwin e Wallace. Embora Darwin apareça como uma pessoa de privilégio, Wallace foi mais do tipo persistente de operariado. Mais significante é que Wallace tem uma visão metafísica diferente:

“Em 1866, Wallace, que não era de guardar para si mesmo suas opiniões, produziu um panfleto, “The Scientific Aspect of the Supernatural” [O aspecto científico do sobrenatural] que enviou para os seus eminentes colegas. Em 1869, ele publicou uma resenha da nova edição do livro Princípios de Geologia de Lyell. Nessa resenha, Wallace explicou o mecanismo da evolução e defendeu as leis da seleção natural que explicavam isso, mas ele também expressou a opinião de que “parece dever existir evidência de um Poder que guiara a ação daquelas leis em direções definidas e para fins especiais.”

Isso foi uma das primeiras expressões públicas de uma mudança mística que Wallace chamou de sua “pequena heresia”. Darwin, advertiu antes, escrevera ansiosamente a Wallace: “Eu espero que você não tenha assassinado completamente o seu e o meu filho.” Wallace nunca abandonou a seleção natural, mas gerações mais tarde descobriram nele um pai inadequado. Ele não se conformava ao padrão do cientista moderno, que, ao vir a luz evolutiva, deveria iluminar qualquer ilusão sobre o sobrenatural. Wallace tentou reconciliar os dois e, conseqüentemente, a sua reputação veio a sofrer.”

Gerações posteriores vieram saber dele como um pai inadequado. Percebe como a história [da ciência] é escrita? Na verdade, este trecho é ainda mais interessante:

“É possível conceber o debate sobre a evolução como um debate literário. O Universo tem um autor? A história natural é uma história com uma trama, ou é somente uma acumulação aleatória de anedotas? As coisas reverberam com um significado secundário, altíssimo, ou elas são meramente o que são? Até mesmo Darwin não pode se livrar das complicações da metáfora. A “seleção natural” implica em agência, um “selecionador” que Darwin realmente não acreditava, e que por isso Wallace o repreendeu por usar a frase.

Darwin, na sua autobiografia, destacou que, à medida que envelhecia, ele perdeu completamente a capacidade de ler poesia. Ele se perguntava se isso era um sintoma de declínio mental, mas isso parece simbólico de uma mudança na tessitura de sua vida intelectual e o movimento amplo da ciência distante das confusões de uma frase como “seleção natural.” A era da metáfora — quando a ciência, a religião, e a imaginação poética eram trançadas juntas — estava desaparecendo. Enquanto isso, Wallace lia cada vez mais poesia, salpicando epígrafes poéticas pelos seus livros. Na sua autobiografia, Wallace, pensando sobre todas as maneiras nas quais os seus reveses, a sua pobreza, e a perda de suas primeiras coleções [de espécimes] tinham finalmente o levado à sua vida presente, cita Hamlet: “Existe uma divindade que molda os nossos fins, bosquejando como que nós os faremos.”

e

“Suas paixões políticas, como os aspectos do seu espiritualismo, o levaram completamente — de volta aos nativos que ele tinha encontrado no Amazonas e no arquipélago da Malásia. Darwin, como Slotten observa, tinha ficado abismado pelo fosso entre os “selvagens” que ele encontrou e o homem ocidental, enquanto que Wallace freqüentemente se chocara com as semelhanças, e sentiu uma relação instintiva.”

Finalmente, o artigo pula para o presente:

“As gerações que vieram depois de Wallace, estendendo até à nossa, não tem sabido o que fazer dele. Hoje, ele permanece teísta demais para os darwinistas e muito darwinista para os defensores do design inteligent design, com os quais é difícil imaginar que ele teria muita paciência.”

Oh, eu suspeito que Wallace teria muita paciência conosco evolucionistas do tipo Design Inteligente.

+++++

Uau, Wallace, um dos pais da teoria geral da evolução* seria considerado hoje um criacionista! Darwin, agnóstico, uma hora dessas, deve estar se revirando no seu confortável mausoléu na Abadia de Westminster ao lado de Isaac Newton, criacionista...

+++++

* Há suspeitas de que Darwin ‘ficou’ com os estudos de Wallace mais tempo do que devia, e que ‘plagiou’ a idéia de seleção natural de Wallace. Há controvérsia sobre a questão, mas Darwin não é o santo que a hagiografia secularista pinta.