Vacinas mais baratas e em maior quantidade
23/11/2009
Por Fábio Reynol
Agência FAPESP – Um subproduto da fabricação da vacina da coqueluche promete aumentar a produção de vacinas no Brasil e ainda baratear consideravelmente os custos. A descoberta, que pode colocar o país entre os grandes produtores mundiais de vacina, em termos de volume, é resultado de trabalhos coordenados pelo professor Isaías Raw no Instituto Butantan, em São Paulo.
Ao trabalhar com a vacina da coqueluche, os pesquisadores retiraram o componente que apresentava maior toxicidade, o lipopolissacarídeo (LPS). O objetivo foi amenizar efeitos colaterais. A pesquisa gerou uma vacina do tipo pertussis low, versão atenuada do medicamento contra a coqueluche, mas deixou um montante considerável de rejeitos: quilos de LPS aos quais se precisava dar um destino.
Equipe do professor Isaías Raw, no Instituto Butantan, desenvolve produto que mantém eficiência de vacinas mesmo em menores quantidades (fotos: Butantan)
Ao se debruçar sobre o LPS, o grupo de Raw o transformou em monofosforil lipídio (MPLA), uma molécula que mostrou ser, em testes em camundongos e em humanos, um poderoso adjuvante (intensificador da ação) de vacinas, uma vez que aumentou consideravelmente a resposta imunológica do organismo. Em outras palavras, o MPLA permitiu à vacina obter o mesmo efeito imunológico mesmo quando injetada em quantidades bem menores.
“Obtivemos uma vacina de coqueluche melhor do que qualquer outra que existe no mundo e ainda geramos um subproduto valioso a custo zero”, disse Raw à Agência FAPESP. O avanço também permitiu o incremento da produção brasileira da vacina de coqueluche de 40 milhões para 260 milhões de doses anuais.
Outro detalhe importante é que o adjuvante obtido na fabricação da pertussis low pode atuar em outras vacinas, como na da gripe comum, chamada sazonal, da dengue (que está sendo desenvolvida com o apoio da FAPESP) e na vacina da influenza A (H1N1), que deverá ser a primeira a ser testada em humanos com o adjuvante.
A equipe do Butantan espera a autorização do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa para começar os testes. “Vamos testar duas concentrações diferentes, uma com 7,5 microgramas e outra com 3,75 microgramas. Se a primeira funcionar, será possível fabricar 18 milhões de doses. Se a dose menor for efetiva, teremos condições de fazer cerca de 34 milhões de doses”, disse. A dose convencional atual tem 15 microgramas.
Esse aumento de produtividade foi previsto por Raw há alguns anos, quando propôs em uma reunião em Genebra, na Suíça, que se produzissem vacinas com adjuvante para baratear os custos. “Expliquei que, no caso da vacina da gripe comum, poderíamos usar um quarto da dose e reduzir os custos na mesma proporção. Claro que a resposta das indústrias foi ‘não’, pois ninguém queria reduzir preços”, disse.
A opinião dos fabricantes mudou com o advento da gripe aviária em 2003. Diante de uma pandemia de alto índice de mortalidade (cerca de 50% dos doentes) as indústrias se viram encurraladas. “Eles perceberam que as fábricas do mundo inteiro não teriam capacidade de produzir vacinas em quantidade suficiente no caso de uma epidemia mundial”, contou Raw, salientando que nem os países ricos estariam livres, pois uma fábrica de vacinas leva anos para ser concluída.
Combinada ao adjuvante, a vacina da gripe aviária precisaria de uma dose de apenas 3,75 microgramas no lugar das 60 microgramas da dose tradicional. Quando o interesse pelos adjuvantes foi despertado, o Butantan já estava na vanguarda das pesquisas. Por meio de uma planta piloto no instituto, o Brasil conseguia produzir 20 mil doses da vacina da gripe aviária e com capacidade de montar uma linha de produção ainda maior.
Segurança nacional
A influenza A (H1N1) trouxe de volta a discussão sobre os adjuvantes e a capacidade mundial de enfrentar pandemias. Com dificuldades em atender seus próprios cidadãos durante a epidemia, os Estados Unidos e os países europeus que produzem vacinas podem limitar as exportações de suas vacinas.
Muitos norte-americanos foram para as filas de vacinação e não conseguiram ser atendidos pela simples falta do produto. “Imagine essa situação no caso de uma epidemia de grandes proporções. Poderia haver perturbações de ordem civil”, disse Raw.
Basta lembrar que durante a epidemia da gripe aviária, há seis anos, as empresas comercializavam cada dose da vacina a US$ 100 a unidade, sendo que o custo de produção não passava de US$ 1. O mesmo ocorreu com a H1N1, cuja unidade era vendida na Europa a 14 euros, sendo o custo de produção bem parecido com o da gripe aviária.
Raw destaca que as fábricas de vacina se concentram no hemisfério Norte – Estados Unidos, Canadá e Europa –, sendo uma questão estratégica a manutenção de plantas como a do Butantan para manter a auto-suficiência e o suprimento de vacinas no país, principalmente em casos de epidemias. “É uma questão de segurança nacional”, afirma.
Contudo, o Brasil está em uma situação privilegiada entre os países em desenvolvimento. A excelência da pesquisa brasileira em vacinas é reconhecida mundialmente. O trabalho da equipe de Raw com o MPLA ganhou destaque na revista científica norte-americana Vaccine em setembro.
O Butantan foi a primeira instituição mundial a receber investimentos da Organização Mundial da Saúde com o objetivo de se preparar para produzir vacinas em casos de pandemias. E o instituto está com uma fábrica pronta só esperando o fim do processo de validação para começar a produzir.
Após suprir o mercado nacional, o Butantan terá capacidade de exportar vacinas a preços extremamente competitivos, graças ao baixo custo de obtenção do LPS, a matéria-prima do adjuvante.
“Sabemos fazer vacinas e adjuvantes sem depender de reagentes nem de conhecimentos importados. Temos a matéria-prima, a fábrica e a tecnologia”, disse Raw.