União de competências
27/11/2009
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – A Universidade Estadual Paulista (Unesp) encerrou nesta quarta-feira (25/11) o programa Ano da Pesquisa da Unesp, iniciado em março com a missão de estimular e articular atividades de pesquisa da universidade, aprimorando a qualidade da ciência produzida nos diversos campi. A iniciativa foi fruto de uma parceria entre as pró-reitorias de Pesquisa e de Pós-Graduação da Unesp.
Durante o evento, o vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Hernan Chaimovich, apresentou a palestra “A ciência no Brasil”. O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, abordou o tema “Desafios para a pesquisa em São Paulo”.
Programa Ano da Pesquisa da Unesp é encerrado depois de incentivar interação entre centros de excelência de diversos campi. Próximo passo deverá ser criação de núcleos avançados interdisciplinares (Foto: Francisco Carlos Rocatelli / Unesp)
De acordo com a pró-reitora de Pesquisa da Unesp, Maria José Mendes Giannini, o programa foi marcado por uma série de workshops realizados com o objetivo de aglutinar competências presentes nas várias unidades da universidade em uma diversificada gama de temas de fronteira das ciências.
“O ano foi extremamente produtivo. Trabalhamos intensamente para colocar em contato grupos que atuam com excelência em diversos campos do conhecimento. A partir de uma série de workshops, pudemos delinear grandes temas estruturantes”, disse Maria José à Agência FAPESP.
Maria José explicou que diversas temáticas relacionadas a fronteiras das ciências, que demandam tratamento multidisciplinar, deverão gerar núcleos de estudos avançados: estudos do mar – com foco na exploração das reservas do pré-sal –, energias renováveis, nanotecnologia, biotecnologia e biomateriais, por exemplo.
“A Unesp está distribuída em campi localizados em 23 municípios paulistas – vários deles com excelência em algumas áreas. Essa característica de descentralização cria a necessidade de articular esses pesquisadores, o que também é coerente com a transdisciplinaridade da pesquisa de fronteira”, disse.
A cooperação entre várias unidades é fundamental para a realização de uma pesquisa de interesse global, segundo ela. “Temos a ideia de que o fortalecimento da pesquisa hoje se faz em rede, com uma visão multi, inter e transdisciplinar. Por isso queremos investir na formação de núcleos com esse formato, com cientistas de várias unidades trabalhando em conjunto, compartilhando diferentes olhares sobre a pesquisa”, afirmou.
De acordo com a pró-reitora, a pesquisa na Unesp tem crescido continuamente e a produção científica presente na base ISI aumentou 85% nos últimos três anos. Por outro lado, houve um aumento de 20% da participação em programas de iniciação científica. “A Unesp é a instituição que mais recebe Bolsas de Iniciação Científica da FAPESP, chegando a 30% do total”, disse.
Utilizando parâmetros de cientometria, os responsáveis pelo Ano da Pesquisa identificaram, segundo Maria José, as áreas que terão necessidade de maior aporte de recursos. Nesse sentido, a pró-reitoria de pesquisa trabalha em três focos.
“O primeiro é o Programa Primeiros Projetos, voltado aos pesquisadores contratados recentemente. A demanda foi enorme e em 2010 o programa será o carro-chefe da pró-reitoria. É preciso observar também que a reitoria está contratando um número significativo de professores para o próximo ano”, afirmou.
O segundo foco é investir em áreas consideradas deficitárias, como engenharia e humanas, por exemplo. “Constatamos que essas áreas precisam de um acompanhamento e para isso temos, por exemplo, o programa Renova Engenharia. Tudo isso com a preocupação de estimular uma interlocução entre atores de vários campos”, disse.
O terceiro foco é a internacionalização. “Esse aspecto será fortemente trabalhado em 2010. Traremos vários professores visitantes, pós-doutorandos e palestrantes internacionais de prestígio – incluindo prêmios Nobel. Incentivaremos também que os docentes participem de programas no exterior”, disse.
Mais impacto e mais cientistas
Em sua palestra, Chaimovich afirmou que a produção de ciência de alto impacto global precisa crescer no Brasil e que para isso é necessário tomar a decisão de olhar para problemas mundiais com uma abordagem de ciência de fronteira.
“Existe uma tendência a pensar que a ciência de fronteira só se faz atacando os problemas que todos estão atacando. Precisamos começar a fazê-la olhando pela janela de casa”, disse o coordenador dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP.
Para ele, não adianta aumentar a quantidade de publicações científicas e citações se o impacto e a visibilidade não forem considerados. “Entre 1990 e 2003 houve 64 artigos de brasileiros na Science e 82 na Nature. Mas, nos dois casos, apenas 40% deles diziam respeito a assuntos relacionados com o Brasil. Não é possível fazer ciência de fronteira sem olhar pela janela”, afirmou.
O Brasil dominou as publicações internacionais em três temas, segundo dados de 2008 citados por Chaimovich: Amazônia (com 47,7% da produção mundial), doença de Chagas (42,3%) e cana-de-açúcar (30,8%).
“Isso é bom, mas temos produção irrisória em áreas que nos interessam. Por que ter 46% da produção sobre doença de Chagas e apenas 2% sobre câncer? Como construir uma indústria farmacêutica autônoma se temos apenas 1,6% da produção científica sobre síntese, na área de química? Tudo isso é fruto de decisões”, disse.
Brito Cruz, em sua palestra, ressaltou que a produção científica do Estado de São Paulo é a segunda maior da América Latina, superando a de países como o México, a Argentina e o Chile. Mas a ciência paulista corresponde a apenas um terço da que é feita em países com população semelhante à de São Paulo, como Coreia do Sul e Espanha.
“Em São Paulo, no entanto, o número de artigos por cientista é semelhante àquele verificado em países como Espanha, Austrália e Canadá. Isso provavelmente significa que nossa produção científica não é mais baixa por má qualidade do pesquisador, mas sim por falta de recursos humanos”, disse.
Segundo o diretor científico da FAPESP, o número de cientistas por mil habitantes em São Paulo é cerca de 0,8, o que equivale aos números de países da América Latina. Para chegar a um número semelhante ao dos países desenvolvidos, seria preciso ter o triplo de cientistas em território paulista.
“Se São Paulo quer ter um peso internacional proporcional à sua excelência científica, terá que multiplicar por três o número de cientistas atuando hoje no estado. A expansão do empreendimento científico de São Paulo precisa estar na ordem do dia para uma estratégia de desenvolvimento”, afirmou.