Sociologia econômica
3/11/2009
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – A sociologia econômica procura avaliar os fenômenos da economia por meio das ciências sociais – uma abordagem ainda pouco difundida no Brasil. Discutir as possibilidades de analisar esses fenômenos a partir das relações entre as diversas redes sociais é a proposta do livro Redes e sociologia econômica, lançado pela EdUFSCar, editora da Universidade Federal de São Carlos.
Organizada por Ana Cristina Braga Martes, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, a obra coloca em debate a contribuição inovadora das duas abordagens – as redes sociais e a sociologia econômica – para a compreensão de questões clássicas das ciências sociais.
Livro indica trajetória teórica e caminhos empíricos da abordagem que usa redes sociais para analisar temas de economia
De acordo com a autora, a sociologia econômica fornece uma abordagem que permite entender os fenômenos econômicos de uma maneira distinta da que é proposta pela teoria econômica. “Trata-se de uma perspectiva importante do ponto de vista da conjuntura internacional, pois ela consiste em uma crítica muito sólida à economia neoclássica e ao método hipotético dedutivo adotado pelos economistas ortodoxos”, disse à Agência FAPESP.
Segundo Ana Cristina, que concluiu no início do ano pós-doutorado na Faculdade de Economia e Ciência Política de Londres (Inglaterra), com apoio da FAPESP na modalidade Bolsa de Pesquisa, a abordagem da sociologia econômica “coloca em questão o pressuposto da racionalidade econômica que permeia a visão ortodoxa”.
“Os sociólogos não devem restringir seus interesses aos aspectos irracionais da ação ou das organizações econômicas, mas devem repensar as noções de racionalidade, preferências, egoísmo, mercado e demais conceitos fundamentais da economia. Essa visão combina perfeitamente com a abordagem de redes sociais, que tira o foco do indivíduo e transmite a análise para o campo das relações sociais”, disse.
As redes sociais consistem em uma tentativa de compreensão da realidade por meio das relações sociais. “A análise de redes é uma das vertentes dessa abordagem. Há vários softwares gratuitos que permitem identificar os laços entre pessoas e organizações sociais, para mostrar quais deles estão em posição de centralidade, fazendo intermediações entre os grupos”, apontou.
Formada na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em ciências sociais, a autora realizou mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo (USP), sob orientação da professora Ruth Cardoso (1930-2008). Seu primeiro pós-doutorado foi concluído em 2002 na Universidade de Boston, nos Estados Unidos.
Elaboração teórica
De acordo com Ana Cristina, o novo livro procura revelar de que modo as instituições e estruturas sociais formam os mercados e as organizações econômicas e como a estrutura de relações, o contexto social e os processos históricos afetam a organização da produção, a troca e o consumo.
“Para isso, o livro reúne textos de autores consagrados que se dedicaram à elaboração teórica sobre redes e sociologia econômica, além de trabalhos recentes, que têm como base pesquisas empíricas produzidas no Brasil”, disse.
Um aspecto comum entre os textos dos diversos autores incluídos no livro é que todos têm algo a dizer sobre a atual crise econômica mundial. “A teoria econômica concebe o mercado como um mecanismo de aferição de preço por meio do equilíbrio entre oferta e demanda. E não se dá conta de que não há um mercado, mas vários mercados. Nem percebe que esses mercados são construções históricas e sociais. O modelo utilizado pela teoria econômica é demasiadamente reducionista para permitir a compreensão da realidade”, indicou.
Segundo a autora, o livro é indicado para alunos, professores e pesquisadores em ciências sociais, em especial sociólogos e economistas, mas também para áreas como a engenharia de produção. “A ideia é introduzir o tema da sociologia econômica aos leitores que têm iniciação em sociologia”, disse.
O livro traz textos de autores como Mark Granovetter (Ação econômica e estrutura social: o problema da imersão), da Universidade de Stanford, e Richard Swedberg (A sociologia econômica do capitalismo: uma introdução e agenda de pesquisa), da Universidade de Cornell, que, segundo Ana Cristina, deram grande contribuição à sistematização e difusão da sociologia econômica no mundo.
O italiano Alberto Martinelli, da Universidade de Milão, que escreveu na década de 1960 um dos primeiros livros sobre a sociologia econômica, contribuiu com o artigo O contexto do empreendedorismo. Já o francês Benoît Lévesque, da Universidade de Québec, em Montreal, é o autor de Contribuição da nova sociologia econômica para repensar a economia no sentido do desenvolvimento sustentável.
“Análise de redes sociais: avanços recentes e controvérsias” é o tema do artigo de Mark Mizruchi, da Universidade de Michigan, pioneiro na discussão das redes sociais como estrutura de governança. Neil Fligstein, da Universidade da Califórnia em Berkeley, com Habilidade social e teoria dos campos, completa a parte do livro dedicada à contribuição teórica de autores internacionais.
Potencial empírico
A segunda parte de Redes e sociologia econômica consiste em contribuições da pesquisa empírica realizada no Brasil. Ana Cristina contou com apoio da Revista de Administração de Empresas, da FGV, para a seleção dos artigos nacionais. “A intenção dessa seleção é dar ao leitor uma boa ideia do potencial de aplicação da sociologia econômica combinada com a abordagem das redes sociais”, disse.
Oswaldo Mário Serra Truzzi, da UFSCar, e Mário Sacomano Neto, professor da Universidade Metodista de Piracicaba, são os autores de Economia e emprendedorismo étnico: balanço histórico da experiência paulista. Reginaldo Sales Magalhães, da International Finance Corporation do Banco Mundial, contribuiu com o texto Habilidades sociais no mercado de leite. “Ele procurarou entender a organização das cooperativas de produção de leite e avaliar as habilidades sociais necessárias para atuar nesse mercado”, contou a autora.
Calçado do Vale: imersão social e redes interorganizacionais é o artigo de Mariana Baldi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Marcelo Milano Falcão Vieira, da FGV do Rio de Janeiro. “Esse texto sobre a indústria de calçados tem foco na importância das redes sociais, revelando a configuração histórica e social de um cluster mundial da indústria calçadista”, disse Ana Cristina.
A indústria cinematográfica nacional é o tema de Charles Kirschbaum, do Instituto de Ensino e Pesquisa (antigo Ibmec), no artigo Renascença da indústria brasileira de filmes: destinos entrelaçados?. “Não é um tema comum na nossa área. O autor faz uma análise das redes que compõem a indústria do cinema no país, mostrando casos de sucesso e sobrevivência, refletindo sobre o conceito de cadeia de valor”, disse.
Redes e sociologia econômica
Organização: Ana Cristina Braga Martes
Lançamento: 2009
Preço: R$ 52
Mais informações: http://editora.ufscar.br