JC e-mail 3797, de 03 de Julho de 2009.
23. Ciclo da água em Marte é desvendado
Artigo sobre astrobiologia, assinado por brasileiro e por mais três colegas da Universidade de Michigan, sugere que a busca por vida em Marte privilegie a estratégia de tentar encontrar água, salgada e em estado líquido
Carlos Orsi escreve para “O Estado de SP”:
Marte tem neve de madrugada: cristais de gelo caem das nuvens sobre o ártico. Eles não chegam a tocar o solo, evaporando-se no caminho e saturando a atmosfera de água. Essa neblina espessa produz uma geada que vira vapor ao amanhecer, devolvendo a água à atmosfera. Por volta da meia-noite, as nuvens formam-se outra vez, nutrindo os cristais que cairão na madrugada seguinte.
"São cristais grandes, caindo e movendo-se com o vento", descreve o cientista brasileiro Nilton Rennó, da Universidade de Michigan. "Às vezes, o nevoeiro cobre tudo, da superfície até as nuvens", explica ele, que é um dos autores do trabalho que registra o ciclo das águas marciano, publicado na Science.
A revista traz uma série de quatro artigos, resumindo as principais descobertas feitas pelos instrumentos da sonda Phoenix, da Nasa, que operou em Marte no ano passado.
O texto sobre a água marciana confirma a presença, no ártico, de uma camada de gelo no subsolo, começando a uma profundidade de 5 centímetros. Também menciona a teoria, defendida por Rennó, de que água líquida ainda pode existir no planeta, sob a forma de gotículas, ou em poças. O ponto de congelamento da substância cai por causa da grande concentração de sais dissolvidos.
"Pode existir líquido em qualquer ponto do planeta onde a temperatura mínima fique acima dos 70°C negativos e exista uma fonte de água", como gelo subterrâneo, diz o cientista, que detalha as evidências a favor da presença atual de água líquida em Marte em dois outros artigos: um que será publicado na revista especializada Journal of Geophysical Research e outro que será apresentado, em agosto, em um congresso de astrobiologia - a ciência da busca pela vida em outros planetas.
"A presença de água em estado líquido facilita muito" a presença de vida, avalia o pesquisador brasileiro.
Rennó apresenta como prova cabal da presença de água em estado líquido em Marte uma sequência de três imagens de uma das pernas da Phoenix.
Elas mostram o desaparecimento de um glóbulo de gelo que havia se formado na peça. O glóbulo escurece antes de sumir. Como a água em estado líquido é mais escura do que gelo, aí estaria um indicador de que a pequena esfera congelada derreteu e escorreu.
O artigo sobre astrobiologia, assinado pelo brasileiro e por mais três colegas da Universidade de Michigan, sugere que a busca por vida em Marte privilegie a estratégia de tentar encontrar água, salgada e em estado líquido, na vizinhança dos locais de onde se originam as emanações de gás metano, a mais simples das moléculas orgânicas, já detectadas em Marte por sondas orbitais.
‘Sal combustível’
Um tipo de sal, o perclorato, é outra estrela da família de artigos da Science. Sua detecção no solo marciano surpreendeu os cientistas.
"Os únicos solos que conheço e que são tão ricos em perclorato (quanto o marciano) estão no deserto de Atacama, no Chile", diz o cientista da Nasa Michael Hecht.
Além de ser capaz de manter água em estado líquido mesmo em condições climáticas extremas, o sal é uma possível fonte de energia - alimento - para micro-organismos. A substância também poderá ser útil para astronautas que venham a visitar Marte no futuro, diz Hecht. Eles poderão processar os percloratos do solo e obter, por exemplo, combustível para seus veículos ou oxigênio para respirar.
(O estado de SP, 3/7)