Turbulência no quinto estado da matéria
Físicos brasileiros observam nova versão de fenômeno quântico no condensado de Bose-Einstein
Ricardo Zorzetto
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Manipulando uma nuvem de gás microscópica mantida a baixíssimas temperaturas, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, no interior do estado, detectou nesse gás um fenômeno antes observado no mundo das partículas apenas em hélio líquido superfluido.
No experimento os físicos mantiveram uma nuvem contendo entre 100 mil e 200 mil átomos do elemento químico rubídio aprisionada por campos magnéticos em um espaço dezenas de vezes menor do que a cabeça de um alfinete e resfriada a uma temperatura bem próxima do zero absoluto (-273,15 graus Celsius).
Emaranhado de vórtices (manchas escuras) no interior de um condensado de Bose-Einstein
Nessas condições, os átomos de rubídio alcançam o menor nível de energia possível, praticamente param de se movimentar e passam a se comportar como se fossem um único superátomo, com a dimensão total da nuvem. Esse superátomo é o chamado Condensado de Bose-Einstein, o quinto estado da matéria, previsto em 1924 por Albert Einstein com base na formulação quântica do físico indiano Satyendra Bose. Nele, as partículas atômicas se comportam segundo as leis da mecânica quântica e apresentam propriedades distintas das que têm nos estados de sólido, líquido, gás ou plasma.
Agitando de modo muito sutil o condensado de átomos de rubídio, a equipe do físico Vanderlei Salvador Bagnato observou o surgimento de vórtices, regiões em que os átomos espiralam formando imagens que lembram a de um ciclone. Ao aumentar a agitação, os vórtices isolados se emaranharam gerando a chamada turbulência, que deixou o condensado com aparência de queijo suíço, onde os buracos correspondem aos vórtices.
“Antes desse experimento, não se sabia se existia turbulência no condensado de Bose-Einstein, nem como ela se manifestava”, conta Bagnato, coordenador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica, financiado pela FAPESP, e do Instituto Nacional de Óptica e Fotônica, que conta com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia. Segundo Bagnato, esse resultado abre mais um caminho para se estudar a turbulência quântica, antes observada apenas em hélio líquido (a 2,17 graus acima do zero absoluto ou cerca de -271 graus Celsius).
Muitos físicos acreditam que, a compreensão de como e por que esse fenômeno surge no mundo das partículas quânticas, permitirá desvendar as leis que governam a ocorrência de turbulência no mundo macroscópico. A turbulência, terror dos pilotos de aviões e comandantes de navios, é considerada pela Sociedade Americana de Física (APS, na sigla em inglês) um dos maiores desafios da física moderna.
Bagnato e os físicos Emanuel Henn, Jorge Seman, Kilvia Magalhães e Giacomo Roati descreveram o achado em artigo publicado na edição de 24 de julho da revista Physical Review Letters. Por sua importância, o artigo foi comentado pelos físicos Natalia Berloff, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, e de Boris Svistunov, da Universidade de Massachusetts, Estados Unidos na seção viewpoint da Physics, da Sociedade Americana de Física.