JC e-mail 3811, de 23 de Julho de 2009.
20. Um passo em direção à imortalidade, artigo de Fernando Reinach
“E se transplantássemos as características que tornam as células germinativas imortais para nossas células somáticas, será que nos tornaríamos imortais?”
Fernando Reinach é biólogo (fernando@reinach.com). Artigo publicado no “Estado de SP”:
Existem dois tipos de imortalidade. Uma que desejamos, mas estamos longe de atingir. E outra que já possuímos, mas desprezamos. Um grupo de cientistas utilizou parte das características da imortalidade que já possuímos para aumentar a longevidade de um pequeno verme. É um pequeno passo em direção à imortalidade que desejamos.
A imortalidade que sonhamos é a preservação de nossa mente e de nosso corpo por tempo indeterminado. Queremos escapar da morte, que para nós significa o momento em que o corpo deixa de funcionar e a consciência desaparece de maneira irreversível. É o sonho da vida eterna.
A imortalidade que já possuímos é a das nossas células germinativas. São essas células que dão origem aos milhões de espermatozoides nos homens e às centenas de óvulos nas mulheres. Essas células são descendentes diretas das células equivalentes que existiam no corpo de nossos pais.
Do mesmo modo que elas deram origem às nossas células germinativas e sobrevivem em nosso corpo após a morte de nossos pais, elas continuarão sua existência no corpo de nossos filhos. Elas abandonam o corpo do homem durante o ato sexual, fundem-se ao seu par, o óvulo, geram um feto e finalmente abandonam o corpo da mãe durante o parto. Sabemos que elas são imortais, mas isso não é consolo. Associamos a morte de uma pessoa à morte das células do corpo, principalmente os neurônios, onde estão os pensamentos e as memórias (veja o artigo O sexo e a origem da morte, publicado no Estado em 15/02/2006).
E se transplantássemos as características que tornam as células germinativas imortais para nossas células somáticas, será que nos tornaríamos imortais? Foi exatamente este o experimento feito com pequenos vermes chamados de Caenorhabditis elegans.
Começou quando os cientistas estavam isolando mutantes capazes de viver por mais tempo. Eles submetiam os vermes a agentes mutagênicos e selecionavam animais que viviam mais do que a média da população. Ao verificar as características desses vermes longevos, descobriram que as células do corpo desses animais (seu soma) expressavam genes que normalmente só eram expressos em células germinativas.
Com base nessa pista, construíram vermes transgênicos com o objetivo de "forçar" as células somáticas a se comportarem como germinativas. Primeiro bloquearam a expressão destes genes "germinativos" nas células somáticas. Os animais passaram a envelhecer mais rapidamente.
Depois aumentaram a expressão desses genes nas células somáticas. Os animais passaram a envelhecer lentamente e a viver mais. Repetindo esses experimentos com diversos genes e genes que regulam outros genes, foi possível listar os genes que interagem entre si, conferindo imortalidade às células germinativas.
É impressionante a descoberta de que as células somáticas possam ser reprogramadas de modo a aumentar sua longevidade, mas ainda estamos longe de impedir o envelhecimento das células somáticas. Sem dúvida, é um passo importante nesse sonho tão humano que é a imortalidade. No longo prazo, e muito antes de tentar nos imortalizar, os cientistas esperam utilizar essa descoberta para retardar o envelhecimento de órgãos, como o cérebro e o coração. De passo em passo, talvez seja possível chegar lá.
Mais informações: A soma-to-germline transformation in long-lived Caenorhabditis elegans mutants. Nature, vol 459
(O Estado de SP, 23/7)