Era uma vez um avião que resolveu ter a capacidade de voar. Para isso é necessário ter um sistema sofisticado de vôo, com hélices e/ou turbinas a jato potentes e, para poder voar com certa margem de segurança, um sofisticado sistema de radar.
Bem, só que a realidade da vida é mais complexa. O avião não dispunha de etapas evolutivas, oops recursos suficientes, e teve que fazer a opção mais escatológica de sua história evolutiva: voar sem radar ou ficar em terra com radar, mas sem as hélices e/ou turbinas a jato?
Moral da história, como a evolução é mais sábia do que você, idiota, este nosso protótipo de avião moderno, o Tupiniquim santosdumontium resolveu que era mais sábio evolutivamente voar sem radar.
O Tupiniquim santosdumontium correu na pista todo faceiro, e alçou vôo. Não foi muito longe não, pois bateu na primeira montanha. Apesar da batida há milhões de anos atrás, o avião orgulho de Pindorama foi encontrado quase que completamente intacto na sua condição de fóssil. Uma fazendeira encontrou o “fóssil” do Tupiniquim santosdumontium, e um grupo de estudantes ajudou os cientistas a “destrincharem” o resto da história do primeiro avião tupiniquim que voou sem radar.
Você não acreditou na história que eu acabei de contar, acreditou? Mas a “história verdadeira” foi contada por um biólogo no jornal Estado de São Paulo — via JC E-Mail.
Fui, pensando: o que é melhor — um avião plenamente formado e funcional que voe com sonar, ou um avião com radar, mas sem motor parado em terra, ou um avião com motor, mas sem radar, tentando voar às cegas pelos ares de Pindorama?
O DAC e a Infraero advertem: Senhores passageiros, um avião sem radar faz mal à sua vida! Don’t leave home without it! [Propaganda do cartão de crédito American Express nos anos 1980s nos Estados Unidos].
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JC e-mail 3459, de 28 de Fevereiro de 2008.
20. Um morcego sem sonar, artigo de Fernando Reinach
“O sistema de ecolocalização depende de três componentes: a capacidade de emitir pulsos sonoros bem definidos, um sistema auditivo capaz de identificar e captar as ondas sonoras refletidas pelos objetos e um cérebro sofisticado”
Fernando Reinach é biólogo. Artigo publicado no “O Estado de SP”:
Faz 50 anos que descobrimos que os morcegos têm um sofisticado sistema de sonar. Parece muito tempo, mas esses animais desenvolveram a capacidade de ecolocalização há mais de 50 milhões de anos, 49 milhões de anos antes de os humanos surgirem no planeta. Os morcegos são mamíferos peculiares, pois além de possuírem sonares, são os únicos capazes de voar.
Faz anos que os cientistas debatem se o sonar teria surgido antes das asas ou se o vôo teria precedido o aparecimento do sonar. É o tipo da discussão que parece falta de assunto, afinal não é fácil especular, quanto mais descobrir, o que ocorreu 50 milhões de anos atrás, em uma época em que nem sequer os macacos existiam. Mas agora um grupo de paleontólogos, auxiliados por estudantes do ensino secundário, resolveu a questão.
O sistema de ecolocalização depende de três componentes: a capacidade de emitir pulsos sonoros bem definidos, um sistema auditivo capaz de identificar e captar as ondas sonoras refletidas pelos objetos e um cérebro sofisticado. Quanto mais longe o objeto maior o tempo necessário para as ondas chegarem ao objeto, serem refletidas e, finalmente, captadas pelo ouvido.
O sistema não funciona sem um cérebro capaz de calcular a distância do objeto a partir do tempo que o eco leva para chegar ao ouvido e ainda determinar de que direção ele vem. Com esses dados, o morcego consegue localizar objetos com tal precisão que alguns morcegos são capazes de capturar insetos em pleno vôo.
De todos esses sistemas, o único que tem alguma chance de ser preservado por 50 milhões de anos é a enorme cóclea, uma estrutura óssea, parte do ouvido interno, extremamente desenvolvida em todos os morcegos conhecidos. É essa cóclea enorme que permite ao morcego captar os sons refletidos pelos objetos.
Sem controle aéreo
Em 21 de agosto de 2003, na Mina de Finney, em Wyoming, EUA, uma senhora chamada Bonnie Finney (deve ser da família dos proprietários da mina) coletou um fóssil bem preservado de uma criatura que parecia ser um morcego. Os paleontólogos que estudaram o fóssil determinaram que a formação geológica em que o morcego foi preservado tem pelo menos 52 milhões de anos. Esse novo morcego foi denominado de Onychonycteris finneyi. Onycho porque possui unhas em todos os dedos e finneyi em homenagem a sua descobridora.
O fato de ter asas e garras indica que, provavelmente, o morcego locomovia-se utilizando as quatro patas quando não estava voando. O mais interessante é que o O. finneyi possui cóclea pequena, do tamanho encontrado na maioria dos mamíferos que têm ouvidos “normais”, incapazes de ecolocalização. Esse resultado foi confirmado comparando medidas de cócleas de centenas de esqueletos de morcegos, tanto fósseis quanto contemporâneos (provavelmente foi aí que os estudantes ajudaram).
A falta de uma cóclea desenvolvida indica que esse morcego não tinha sonar, mas como ele era capaz de voar, os cientistas concluíram que o sonar surgiu em morcegos que já eram capazes de voar. O incrível é como, a partir de um único fóssil, é possível imaginar o que teria ocorrido faz mais de 50 milhões de anos. Mas talvez o mais importante é que dezenas de jovens tiveram o prazer de fazer uma descoberta científica.
(O Estado de SP, 28/2)