“Evolução e religião”: desviando os holofotes das insuficiências heurísticas da teoria da evolução de Darwin – Parte 1

quinta-feira, outubro 15, 2009

O artigo “Evolução e religião”, de Sérgio Danilo Junho Pena, publicado na sua coluna “Deriva Genética” [1] do Ciência Hoje On-Line, destacado no Jornal da Ciência E-Mail, e publicado com destaque pela Academia Brasileira de Ciências, é a velha polarização desviando os holofotes das insuficiências heurísticas da teoria da evolução de Darwin. Há uma resistência empedernida dos darwinistas ortodoxos reconhecerem publicamente as dificuldades fundamentais da teoria geral da evolução no contexto de justificação teórica. Esta situação ocorre porque as evidências empíricas contrárias são desprezadas pela postura anticientífica do materialismo filosófico que posa como se fosse a própria ciência.

Todas as teorias científicas têm implicações metafísicas inevitáveis. O ideal seria que nenhuma fosse utilizada para avançar ideologias materialistas ou religiosas. Destacamos: não são as religiões somente que precisam se adaptar lidando com os avanços da ciência. A comunidade científica também se adaptou à teoria heliocêntrica do sistema solar 500 anos atrás.

A Igreja Católica e a comunidade científica precisaram se adaptar para adequar suas doutrinas ao fato de a Terra não ser o centro do universo. Mas, existe centro do universo? Alguém já localizou? É hora dos evolucionistas se adaptarem epistemologicamente para aceitar a realidade da nova teoria da evolução — a Síntese Evolutiva Ampliada — que, ao que tudo indica, não será selecionista.

Pena não disse qual fato da evolução é absolutamente incontestável quando existem várias definições e várias teorias da evolução. A “evolução” pode ser definida como:

A. Mudança ao longo do tempo. O termo evolução é usado para se referir que as formas de vida atuais são diferentes das que existiram no passado distante, e também às mudanças mínimas nas características de espécies individuais num curto espaço de tempo (microevolução) resultante de uma mudança na proporção de variantes diferentes de um gene dentro de uma população (genética das populações). Os teóricos e proponentes da TDI não têm dificuldades com esta definição de evolução.

B. Ancestral comum universal – LUCA [Last Universal Common Ancestor]. O termo evolução expressa a hipótese de que todos os atuais organismos surgiram e descenderam gradualmente de um ancestral comum no passado distante. Geralmente é representado por uma árvore da vida com muitos ramos e um só tronco e raiz. Esta definição parece ser a defendida por Pena no seu artigo. Os teóricos e proponentes da TDI também não têm dificuldades com esta definição de evolução, mas reconhecem a fragilidade da hipótese pelas evidências científicas circunstanciais e conflitantes disponíveis.

C. O poder criativo da Seleção Natural. O termo evolução neste caso se refere a uma causa ou mecanismo de mudança biótica. O mecanismo evolutivo, entre outros, geralmente enfatizado é a seleção natural agindo sobre variações aleatórias. Os teóricos e proponentes da TDI também não têm dificuldades com esta definição de evolução, mas afirmam a insuficiência da seleção natural para explicar a diversidade e complexidade das coisas bióticas, e que o processo é guiado.

São várias as teorias da evolução discutidas pela comunidade científica: a teoria neutralista de Motoo Kimura, a teoria do equilíbrio pontuado de Gould e Eldredge [PDF], a teoria simbiótica de Lynn Margulis, a do macaco aquático de Elaine Morgan, a Síntese Evolutiva Moderna. Enfim, a teoria da evolução, evoluiu, mas o problema da teoria no contexto de justificação teórica continua desde 1859: como que a seleção natural pode explicar a origem e a evolução das espécies?

Em cada celebração a Darwin, os cientistas questionam este aspecto de sua teoria. Foi assim em 1909 em Cambridge, em 1959 em Chicago no centenário do Origem das Espécies, e não foi assim em 2009 por causa das comemorações dos 200 anos do aniversário de Darwin e dos 150 anos do Origem das Espécies. Mas em 2010 deve ser apresentada à comunidade científica uma nova teoria da evolução: a Síntese Evolutiva Ampliada que, dizem, não será selecionista.

Pena salientou que os dados paleontológicos, geológicos e fisiológicos fornecem ampla evidência da origem única na Terra e de sua evolução progressiva formando milhões de espécies de animais e plantas. Todavia, uma rápida, pequena, mas objetiva incursão na literatura científica não revela isso.


Árvore da Vida de Darwin – Única figura no Origem das Espécies – 1859

1. WOESE, C., “The universal ancestor”, Proceedings of the National Academy of Sciences USA, Vol. 95: 6854-6859 (June, 1998). WOESE escreveu: “No consistent organismal phylogeny has emerged from the many individual protein phylogenies so far produced”. Ele concluiu que os organismos primitivos adquiriram muitos dos seus genes e proteínas não pela via darwiniana de descendência com modificação, mas por “lateral gene transfer” onde os organismos trocam genes com outros organismos.

Ele admite neste artigo o fato da existência de incongruências filogenéticas por toda a árvore da vida: “Phylogenetic incongruities can be seen everywhere in the universal tree, from its root to the major branchings within and among the various taxa to the makeup of the primary groupings themselves.”

WOESE afirmou: “The universal ancestor is not an entity, a thing, but a community of complex molecules — a sort of primordial soup — from which different kinds of cells emerged independently.”

2. DOOLITTLE, W. F., “Phylogenetic Classification and the Universal Tree”, Science, Vol. 284:2124-2128 (June 25, 1999). DOOLITTLE é um eminente biólogo molecular evolucionista. Neste artigo ele explica que a base da “Árvore da Vida” é impossível de se transformar numa árvore porque a distribuição dos genes entre os principais grupos de vida não se encaixam num padrão nítido de ancestralidade comum. DOOLITTLE afirmou: “Molecular phylogenists will have failed to find the ‘true tree,’ not because their methods are inadequate or because they have chosen the wrong genes, but because the history of life cannot properly be represented as a tree.”

3. DOOLITTLE, W. F. e BAPTESTE, E., “Pattern pluralism and the Tree of Life hypothesis”, Proceedings of the Biological Society of Washington USA, Vol. 104 (7):2043–2049 (February 13, 2007). DOOLITTLE e BAPTESTE defendem que os dados fornecem um forte desafio para as noções darwinistas tradicionais de descendência com modificação:

“Darwin claimed that a unique inclusively hierarchical pattern of relationships between all organisms based on their similarities and differences [the Tree of Life (TOL)] was a fact of nature, for which evolution, and in particular a branching process of descent with modification, was the explanation. However, there is no independent evidence that the natural order is an inclusive hierarchy, and incorporation of prokaryotes into the TOL is especially problematic. The only data sets from which we might construct a universal hierarchy including prokaryotes, the sequences of genes, often disagree and can seldom be proven to agree. Hierarchical structure can always be imposed on or extracted from such data sets by algorithms designed to do so, but at its base the universal TOL rests on an unproven assumption about pattern that, given what we know about process, is unlikely to be broadly true.”

4. LOPEZ, P. e BAPTESTE, E., “Molecular phylogeny: reconstructing the forest”, Comptes Rendus Biologies, doi:10.1016/j.crvi.2008.07.003. Os autores abandonam a caracterização da vida como uma “árvore” darwiniana. Antes, eles preferem uma metáfora de “floresta”. LOPEZ e BAPTESTE afirmam no artigo:

“instead of focusing on an elusive universal tree, biologists are now considering the whole forest corresponding to the multiple processes of inheritance, both vertical and horizontal. This constitutes the major challenge of evolutionary biology for the years to come.”

5. KOONIN et al. “The Phylogenetic Forest and the Quest for the Elusive Tree of Life”, Cold Spring Harbor Symposia on Quantitative Biology, Volume LXXIV. Aug. 17, 2009, DOI:10.1101/sqb.2009.74.006. Neste artigo, os autores destacam que a extensiva transferência horizontal de gene (HGT) entre os procariotos parece solapar o conceito de árvore da vida (TOL), mas que permanece a possibilidade de a TOL poder ser salva como sendo apenas uma tendência estatística central na “floresta da vida” filogenética (FOL).


A comunidade do ancestral comum de células primitivas de Woese
Séculos 20 e 21

Em 2002, Woese sugeriu no artigo “On the evolution of cells”, Proceedings of the National Academy of Sciences USA 99 (2002):8742-8747, que a biologia deveria avançar além da doutrina da descendência com modificação de Darwin. Em 2004 ele afirmou: “The root of the universal tree is an artifact resulting from forcing the evolutionary course into a tree representation when that representation is innapropriate.” Vide “A new biology for a new century”, in Microbiology and Molecular Biology Reviews 68 (2004):173-186.

A literatura especializada revela que as noções tradicionais de uma árvore da vida darwiniana (monofilética) defendidas por Pena estão sendo abandonadas pela comunidade científica: chegou a hora de os cientistas se adaptarem para aceitar a Floresta da Vida. [2]

Evolução comparada ou design comum?

Realmente os dados gerados pelo Projeto Genoma mostraram a sequência de DNA do genoma humano sendo 99% semelhante ao chimpanzé (!), 65% com o camundongo (!!), 47% com a mosca de frutas Drosophila melanogaster (!!!), 20% com a mostarda Arabidopsis thaliana (!!!!) e 15% igual à levedura Saccharomyces cerevisiae (!!!!!), que produz o pão e a cerveja. [Exclamações de Pena]

Todavia, GLAZKO, G. et al., no artigo “Eighty percent of proteins are different between humans and chimpanzees”, Gene, Vol. 346:215-219 (2005), destacaram que se as proteínas (as principais responsáveis pelas diferenças fenotípicas) forem consideradas, o quadro é muito diferente: cerca de 80% das proteínas são diferentes entre as duas espécies (!!!!!!). [Nossa exclamação].

Além disso, SALZBERG, S. L. et al., “Microbial Genes in the Human Genome: Lateral Transfer or Gene Loss?”, Science, Vol. 292:1903-1906 (June 8, 2001), pesquisaram muitos genes de vários grupos de organismos e descobriram que “about 40 genes were found to be exclusively shared by humans and bacteria.” Ora, isso contradiz frontalmente as noções tradicionais de herança vertical que forma a base das metodologias normalmente usadas para se inferir ancestralidade comum.

Pena destacou o alto grau de compartilhamento genômico de toda a biosfera indicando a herança de um genoma primordial que deu origem ao primeiro ser vivo na Terra, a partir do qual todos os outros derivaram. Todavia, o código genético não é universal: desde 1985 os biólogos moleculares descobriram pelo menos 17 códigos genéticos diferentes em várias espécies. Vide The Genetic Codes.

Ao afirmar que não somos o produto final e perfeito da criação, Pena não disse aos leitores como que chegou a esta gnose. Epifania? Onisciência? Pereçam tais pensamentos! Nós concordamos com ele: não temos o direito de destruir nossos ‘primos animais e plantas’ bel-prazerosamente, já que somos parte desta rede de vida e, se a esfacelarmos, destruiremos a nós mesmos. Por outro lado, e para ser fiel a Darwin, não é o mais apto que sobrevive? Então por que ‘impedir’ a ação da evolução através das extinções? A nossa interferência na história evolutiva é teleológica: garantir a sobrevivência nossa e das outras coisas bióticas.

Todavia, não é a consciência desse parentesco genômico com outros organismos terrestres, tampouco a origem única e nem a herança do DNA que une todos os seres vivos que deve motivar tratar o nosso planeta com renovado respeito. A questão, Pena, é simplesmente pragmática: instinto de sobrevivência que a ciência não sabe até hoje explicar como se dá e nem por que é assim.

Assim, parece que a genômica comparada não é a cereja no topo do sorvete de Pena, e nem o elemento que deu a prova final da verdade incontestável da evolução. Não existe prova final de verdade incontestável em ciência. Nem tampouco Theoria perennis. Em ciência, nós seguimos as evidências aonde elas forem dar... Se deixarem!

NOTAS

1. Deriva genética: uma mudança nas freqüências de genes numa população resultante do cruzamento aleatório em vez da seleção natural.

2. Para outras pesquisas e artigos assim, vide ALMEIDA FILHO, E. E. “A sugestão de Edgar Morin para o ensino das incertezas das ciências da evolução química e biológica — uma bibliografia brevemente comentada”, in Anais do II Congresso Nacional de Licenciaturas 2009, Universidade Presbiteriana Mackenzie. Neste trabalho, mais de 100 pesquisas e artigos abordam as ‘zonas de incertezas’ das ciências da evolução química e biológica que Edgar Morin sugeriu a UNESCO fossem ensinadas.

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Solicitamos a Bernardo Esteves, editor executivo do Ciência Hoje On-Line,a publicação desta réplica. Lamentavelmente uma réplica a artigos ali publicados "não se alinha com a orientação editorial das publicações do Instituto Ciência Hoje".

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15/10/2009: Dia dos Professores.