JC e-mail 3877, de 27 de Outubro de 2009.
24. Mundos infinitos, artigo de Marcelo Gleiser
"Giordano Bruno adoraria ver dados da caça a planetas extrassolares"
Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo". Artigo publicado na "Folha de SP":
Inúmeros objetos celestes, estrelas, globos, sóis e terras podem ser percebidos por nós, e uma infinidade de outros pode ser inferida pela nossa razão." Assim escreveu, no final do século 16, o filósofo, monge e mártir da Inquisição Giordano Bruno. Para ele, que se contrapunha à opinião predominante na época, a Terra não tinha nada de especial.
Misturando cristianismo com um misticismo pagão inspirado em crenças egípcias, Bruno não tinha dúvida de que o Sol era, como havia proclamado Copérnico em 1543, o centro do Sistema Solar. Mas o monge foi além, ao dizer que o Sol e a Terra eram apenas dois dos infinitos mundos perdidos na vastidão infinita do Universo. Para ele, o que vemos aqui se repete indefinidamente, refletindo a glória infinita de Deus.
Durante séculos, a existência de outros mundos -principalmente planetas girando em torno de outras estrelas- ficou relegada à especulação filosófica ou à ficção científica. Sem telescópios poderosos e técnicas avançadas de observação, é simplesmente impossível detectar a presença de pequenos planetas girando em torno de estrelas. Seria como enxergar uma pulga à frente de um enorme holofote aceso na nossa frente.
Claro, astrônomos suspeitavam havia muito de que Bruno tinha razão, que existem mesmo muitos planetas girando em torno de estrelas. A razão para a suspeita vem de como as estrelas nascem, a partir do colapso de gigantescas nuvens de hidrogênio salpicadas dos outros elementos da tabela periódica: carbono, ferro, cálcio etc.
O matemático Pierre de Laplace, em torno de 1800, havia fornecido um modelo convincente de como o Sol surgiu; e, junto com ele, os planetas. De certa forma, os planetas são as sobras da matéria da nuvem original, a fração que não foi ao centro e virou estrela. Portanto, se as estrelas são formadas da mesma forma que o nosso Sol, planetas devem ser bastante comuns. Faltava apenas o crucial "ver para crer" do método científico.
Tudo isso mudou nos últimos 15 anos. Um punhado de técnicas de observação começou a render frutos, e a "caça" aos planetas extrassolares tornou-se uma área de intensa atividade. Até hoje, foram já descobertos 400 planetas extrassolares, ou "exoplanetas". Como numa caçada, na qual os maiores animais são os mais fáceis de serem avistados, a maioria dos exoplanetas são bem mais avantajados que a Terra, assemelhando-se mais a Júpiter ou Saturno em massa e composição: planetas gigantes e gasosos.
Na semana passada, um grupo do ESO (Observatório Europeu do Sul) revelou a descoberta de 32 planetas novos, todos bem grandes. O menor tinha uma massa equivalente a cinco vezes a da Terra. Porém, outras descobertas estão já apontando para planetas terrestres, isto é, com massas semelhantes à da Terra e a distâncias do Sol que, em princípio, permitem que a água líquida exista em sua superfície.
O objetivo é criar uma espécie de catálogo de mundos, estudando o quanto o nosso Sistema solar é (ou não) comum. Uma técnica, em particular, promete render frutos em breve: a luz de uma estrela é ligeiramente reduzida quando um planeta passa à sua frente. Um satélite americano chamado Kepler já está em órbita, tentando medir esses "trânsitos", como são chamados. Seu objetivo é achar outras Terras. Com sorte, será até capaz de analisar, ainda que superficialmente, a atmosfera do planeta.
Já que não podemos ir até eles devido às enormes distâncias que nos separam, que ao menos a sua luz, coletada aqui, revele a nós alguns de seus segredos. Giordano Bruno com certeza adoraria ver os resultados. Só não sei se gostaria muito de saber da raridade da vida extraterrestre.
(Folha de SP, 25/10)