JC e-mail 3876, de 26 de Outubro de 2009.
24. Santiago Ramón y Cajal - 75 anos sem o pai da neurociência moderna, artigo de Marco Aurélio M. Freire
"A mais importante das láureas recebidas por ele foi o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1906, por sua contribuição para o entendimento da estrutura e fisiologia do sistema nervoso"
Marco Aurélio M. Freire é biólogo e doutor em neurociências pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":
Quando se fala de sistema nervoso, imediatamente somos remetidos ao nome de Santiago Ramón y Cajal. Cajal é considerado o pai [sic - um dos precursores] da neurociência moderna e seu nome se confunde com a própria história desta ciência. Seus estudos constituem até os dias atuais a base do conhecimento neste campo. Em 2009 completam-se 75 anos de seu falecimento.
Santiago Ramón y Cajal nasceu em 1º de maio de 1852, em Petilla de Aragón, uma pequena vila ao norte da Espanha, filho de Justo Ramón e Antonia Cajal. Quando jovem, aprendeu diversos ofícios, como barbeiro e sapateiro; desde muito cedo demonstrou também uma habilidade incomum para as artes, especialmente pintura e fotografia. Esta última, inclusive, se transformou em um de seus passatempos prediletos.
Sob influência de seu pai, que era professor de anatomia na Universidade de Zaragoza, Cajal ingressou na Faculdade de Medicina daquela Universidade, graduando-se em 1873. Após sua formatura, ingressou no Exército Espanhol, servindo como médico em Cuba em 1874 e 1875, onde contraiu malária e tuberculose. Considerado inapto para continuar servindo ao Exército, retornou à Espanha no final de 1875, passando a trabalhar como assistente na Escola de Anatomia da Faculdade de Medicina de Zaragoza (onde havia se graduado) e depois como diretor do Museu de Zaragoza.
Em 1877 obteve o grau de doutor em medicina em Madri, com a tese intitulada 'Patogenía de la Inflamación'. Neste mesmo ano, foi introduzido pelo histologista espanhol Aureliano Maestre de San Juan às técnicas de observação microscópica. Em 1979 casa-se com Silvería Fañanás Garcia, com quem tem sete filhos, dos quais três homens. Após a finalização de seu doutorado lecionou anatomia em Valência (1883) e histologia em Barcelona (1887), mudando-se para Madri em 1892.
Ainda em Barcelona, em 1888, começa a revolução. Cajal havia tido contato com a técnica de impregnação do tecido nervoso pela prata (desenvolvida pelo italiano Camilo Golgi alguns anos antes). Impressionado pelo que via e sem entender muito bem por que tão pouca atenção havia sido dada às descrições de Golgi, resolveu se dedicar ao estudo do sistema nervoso, a partir do aperfeiçoamento da técnica de impregnação pela prata. A história das neurociências começava a ser reescrita.
Cajal descreveu em detalhes a organização do sistema nervoso em diversas espécies (desde aves até o humano), publicando trabalhos fantásticos no período de 1889 a 1905, dentre os quais o 'Manual de histología normal y técnica micrográfica' (1889), o 'Manual de Anatomía patológica general' (1890) e o célebre 'Textura del sistema nervioso del hombre y de los vertebrados' (1904), sua obra mais famosa.
Em 1888 Cajal descreve a presença de células isoladas no tecido nervoso (batizadas de neurônios pelo alemão Wilhelm von Waldeyer em 1891). Cajal caracterizou as partes constituintes da célula nervosa, nomeando-as de soma (corpo celular), dendritos e axônio. Além disso, descreveu a presença das espinhas dendríticas e intuiu como ocorreria o processo de transmissão da informação ao longo do neurônio e entre dois neurônios, além de intuir que as espinhas dentríticas seriam o sítio principal de contato sináptico entre os neurônios, lançando assim as bases da organização funcional do sistema nervoso dos vertebrados.
Em 1901, Cajal foi escolhido para dirigir o Laboratório de Investigações Biológicas, o que constituiu o embrião do Instituto Cajal, um dos maiores centros de neurociências do mundo. Alguns dos maiores cientistas espanhóis foram seus discípulos, destacando-se Pío del Río-Hortega e Rafael Lorente de Nó.
Cajal, ao longo de sua carreira científica, recebeu diversos prêmios e homenagens, como por exemplo, os títulos de doutor honoris causa pelas Universidades de Oxford e Cambridge (Inglaterra), Sorbone (França) e Clark (Estados Unidos), a medalha de Moscou e as Medalhas Cruz da Ordem do Mérito Científico e Helmholtz na Alemanha.
No entanto, a mais importante das láureas recebidas por ele foi o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1906, por sua contribuição para o entendimento da estrutura e fisiologia do sistema nervoso, prêmio dividido (para muitos injustamente) com o italiano Golgi.
Cajal permaneceu em intensa atividade científica até 1932, quando se retirou, aos 80 anos de idade. Entre 1933 e 1934 lançou suas duas últimas obras ('¿Neuronismo o reticularismo?' e 'El mundo visto a los ochenta años').
Cajal faleceu no dia 17 de outubro de 1934 em Madri, aos 82 anos. Sua vastíssima obra se perpetuou ao longo das diferentes gerações de neurocientistas, servindo de alicerce para estudos de neuroanatomia e neurofisiologia até os dias atuais.