JC e-mail 3876, de 26 de Outubro de 2009.
6. A polêmica do plágio entre mestres e doutores
Tratada com discrição, a cópia de trabalhos acadêmicos utiliza empresas especializadas em teses ou sites na internet
Maria Elisa Alves escreve para "O Globo":
Um assunto que é tratado nas universidades quase como um tabu, sempre na maior discrição, está vindo à tona cada vez com mais frequência. Trata-se do plágio de trabalhos acadêmicos, que deixou de ser protagonizado, como no passado, apenas por alunos da graduação.
Atualmente, estudantes de pós-graduação, querendo obter o título de mestre ou doutor, e até mesmo professores universitários têm se apropriado da pesquisa alheia, recorrendo às antigas empresas especializadas em fornecer trabalhos e também a uma ferramenta ainda mais eficaz - a internet. A fraude acontece até em cursos conceituados, como o Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, que cassou, em 2008, o diploma de doutor de um ex-aluno.
Mudança de títulos e de ordem nos parágrafos O aluno - que não respondeu aos contatos do Globo - apresentou uma tese, em 2003, que foi aprovada. Cinco anos depois, um amigo do músico André Cardoso, autor do trabalho plagiado, teve acesso ao documento.
Desconfiado com as semelhanças com a tese de doutorado de Cardoso - defendida em 2001 no programa de pós-graduação em música da UniRio e ganhadora do primeiro prêmio no II Concurso de Monografias da Academia Brasileira de Música -, ele mandou uma cópia para o músico.
- Identifiquei aproximadamente 120 páginas de texto copiado de minha tese, além de tabelas e gráficos idênticos. O "autor" do trabalho modificou ligeiramente alguns títulos e subtítulos e trocou a ordem de parágrafos - contou André, diretor da Escola de Música da UFRJ.
Ele procurou a UFF, que convocou uma comissão para analisar o caso, e cassou o título.
- Tivemos até agora dois casos como esse. Não é muito, se consideramos que temos 300 alunos, mas é um problema que vem acontecendo em todos os departamentos. Enfrentamos ainda o uso de ideias sem referências, o "vampirismo" - diz Martha Abreu, coordenadora do programa, que defende a criação de comissões para discutir essa conduta pouco ética.
Um dos professores da Pós-Graduação em História da UFF enfrenta problema semelhante, mas como vítima. Verificando na internet trabalhos realizados em outros estados na sua área de pesquisa - escravidão e imprensa abolicionista -, Humberto Fernandes Machado deparou-se com um resumo de uma dissertação de mestrado, da Universidade de Brasília, idêntico ao de sua tese de doutorado.
Curioso, conseguiu que um amigo do Distrito Federal lhe mandasse uma cópia. Da primeira à última linha, o trabalho era uma cópia, sem trocar uma palavra, da sua tese: - Passei quase dois anos pesquisando no Arquivo Nacional e na Biblioteca Nacional para elaborar a tese sobre José de Patrocínio e a imprensa abolicionista.
Como uma pessoa pode simplesmente copiar tudo durante o mestrado? O único trabalho que o plagiador teve foi trocar o título e uma parte dos agradecimentos. Por incrível que pareça, até na hora de mencionar a orientadora e a família, ele copiou meu texto.
Em e-mail ao Globo, o acusado de plágio disse que, ao entrar na pós-graduação da UnB, teria 30 meses para fazer a defesa final da dissertação. Nesse período, teve um problema de doença na família e, para não perder o prazo, apelou a um serviço de redação de monografias.
- Eu havia passado pelo difícil e rigoroso processo de seleção para ingressar no mestrado, cursado as disciplinas e, se não defendesse a dissertação, seria um prejuízo enorme para mim. Então, contratei um serviço de redação de monografias, dissertações e teses. Jamais pude imaginar que a pessoa encarregada de me prestar o serviço fosse capaz de copiar um trabalho de autoria de um renomado pesquisador. Em momento algum desconfiei da má-fé do redator, já que ele me pediu todos os meus apontamentos, resenhas, textos das aulas.
Para Márcio Brandão, professor da Faculdade de Direito da UFF, ao contratar uma empresa para fazer o texto da tese, o pesquisador cometeu o crime de falsidade ideológica, cuja pena é de até seis anos de detenção.
O acusado só soube que a dissertação pela qual ele pagou era um plágio no início de setembro, quando recebeu uma citação do Juizado Especial Cível do Fórum do Catete, onde o professor Machado entrou com uma ação por danos morais, ainda em tramitação. Já André ganhou a ação que moveu.
(O Globo, 25/10)