9. Plano Nacional de Educação terá proposta para apertar controle de ensino privado
Conferência define ensino como bem público, sujeito a controle. Iniciativa, porém, depende de mudança constitucional
Inspirado nas agências reguladoras de atividades como saúde, energia e petróleo, professores, pais e alunos, gestores públicos, sindicalistas e representantes de organizações sociais querem que o poder público aperte a regulação da educação particular, com foco maior no ensino superior.
Cerca de 3 mil delegados reunidos na 1ª Conferência Nacional de Educação (Conae), encerrada na quinta-feira, em Brasília, aprovaram proposta prevendo que no âmbito de um sistema nacional articulado "o Estado deve normatizar, controlar e fiscalizar todas as instituições de ensino sob os mesmos parâmetros e exigências aplicados no setor público". [Nota do blogger: É aqui que mora o perigo da mordaça secularista contra as instituições confessionais]
A reivindicação deve ser incluída no Plano Nacional da Educação (PNE), documento com as principais políticas públicas educacionais dos próximos dez anos, que em breve entrará na lista de prioridades do Congresso Nacional. Na prática, a conferência definiu que a educação passe a ser interpretada legalmente como um bem público e sua oferta pela iniciativa privada se dê por meio de concessão. Para vingar, a ideia depende de alteração do artigo 209 da Constituição, que prevê a livre iniciativa no setor.
José Thadeu Almeida, secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), reconhece que a medida é polêmica por atacar, principalmente, as grandes empresas e fundos que controlam as maiores universidades privadas brasileiras.
"Assim como acontece na mídia e no setor energético, a concepção de concessão pública permite ao Estado atuar com mais agilidade, mais rigor e intervir com processos regulatórios mais eficientes nas instituições privadas, que operam hoje claramente vinculadas apenas à lucratividade e não oferecem ensino de qualidade", argumenta o sindicalista.
Segundo Almeida, o papel de agência reguladora caberia ao Ministério da Educação (MEC) e às secretarias estaduais e municipais da área, que passariam a ter mais poder de intervenção, e a fóruns consultivos e de controle social constituídos nas três esferas de governo por integrantes da sociedade civil organizada. "Os processos de avaliação de qualidade do MEC se arrastam por causa de ações judiciais das universidades. Uma nova regulação garantiria resultados mais rápidos para esse tipo de cobrança."
Presente à Conae como observador e sem direito a voto, Celso Frauches, consultor da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), diz que a conferência foi montada para atender a interesses corporativistas. "As entidades privadas ficaram de fora, a gente entende que foi um evento voltado para o interesse sindical, com 40 entidades alheias aos interesses acadêmicos", reclama Frauches.
Um integrante da comissão organizadora do evento esclareceu que a iniciativa privada teria direito a voto se elegesse delegados nas etapas regionais. "O jogo político prevê o debate, enquanto as empresas preferem um canal de negociação direto com o ministro", afirma Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Mesmo assim, a ABMES se mostra favorável à criação de uma agência reguladora para a educação, desde que os critérios de regulação não prejudiquem o setor privado, que responde por 75% das matrículas no ensino superior no país.
"É lógico que o setor privado terá de se articular para esclarecer essa questão. O governo e os sindicalistas não podem se esquecer que sem a iniciativa privada o Estado não seria capaz de atender à demanda. O MEC não pode mais tratar a iniciativa privada com todo esse ranço ideológico de esquerda", opina Frauches. Ele acusa o ministério de privilegiar as universidades públicas em detrimento das privadas no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). "Em São Paulo, a Universidade Federal do ABC abriu seu primeiro vestibular sem sequer ter local para funcionar, sem biblioteca, estacionamento, e além disso, quase nenhuma federal cumpre os requisitos de acessibilidade. Uma universidade nunca conseguiria credenciamento sem isso."
A secretária de Ensino Superior do MEC, Maria Paula Dallari Bucci, assegurou que não há diferenciação e que o foco da supervisão é a qualidade. "Todas as imposições de avaliação são equivalentes. Desde 2003, o MEC criou 13 universidades federais. Tirando as últimas três, todas já têm programa de mestrado e doutorado, professores com titulação. Assim como as privadas, as instituições públicas são obrigadas a seguir padrões muito altos."
Ela esclareceu também que conceitos ruins no Sinaes podem acarretar punições aos dirigentes públicos e que o governo federal abriu uma linha de repasses de recursos para adaptação às exigências de acessibilidade.
(Luciano Máximo)
(Valor Econômico, 6/4)