JC e-mail 3867, de 13 de Outubro de 2009.
24. Recém-achadas, aranhas já são contrabandeadas
Pet shops virtuais vendem espécies antes da ciência identificá-las
Alexandre Gonçalves escreve para "O Estado de SP":
Pesquisadores do Instituto Butantan publicaram no mês passado um artigo que descreve três aranhas caranguejeiras da Mata Atlântica - duas novas espécies e uma velha conhecida, sumida há décadas e reencontrada recentemente. Antes mesmo de serem catalogadas pelos cientistas, pelo menos duas delas já foram contrabandeadas e vendidas em pet shops virtuais na Europa.
O crime motivou os pesquisadores a acrescentar um anexo pouco usual ao trabalho divulgado na revista científica ZooTaxa: um apêndice com fotos e informações para funcionários de alfândegas e órgãos de policiamento ambiental. A iniciativa fez sucesso e o artigo foi o mais acessado no site da revista durante o mês de setembro: 8.149 downloads.
Os biólogos Rogério Bertani e Carolina Sayuri Fukushima encontraram as aranhas no sul da Bahia durante uma pesquisa de campo financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
A Avicularia diversipes já havia sido descrita em 1842, mas desaparecera nos raros remanescentes de Mata Atlântica do Nordeste. Os dois pesquisadores reencontraram um exemplar entre as folhas da floresta.
Bertani solicitou a um museu de Berlim o envio do espécime que baseara a descrição em 1842. O corpo da caranguejeira morta há mais de um século ainda mantinha o brilho azulado das patas: exatamente como a aranha recém-coletada.
Internet
A alegria só não foi maior porque os cientistas logo perceberam que não precisavam passar vários dias na mata para realizar a redescoberta. Bastaria navegar na internet. Contrabandistas já abasteciam pet shops no Velho Mundo com a caranguejeira. O preço de uma aranha desse tipo costuma variar de R$ 75 a R$ 90.
Uma das novas espécies descritas no artigo - a Avicularia sooretama - também entrou no circuito do tráfico internacional de animais. Durante uma viagem por museus de história natural na Europa, Carolina descobriu que a caranguejeira recém-descoberta já estava à venda do outro lado do mundo.
Mas as aranhas brasileiras não atraem só a cobiça de adolescentes que procuram bichos de estimação pouco usuais. Farmacêuticas têm grande interesse nos animais, sem falar na indústria química e nos laboratórios de cosméticos (mais informações nesta página).
"De um modo geral, os animais mais procurados são aqueles com veneno", aponta Bruno Barbosa, coordenador da Divisão de Fiscalização do Acesso ao Patrimônio Genético do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ele explica que as toxinas costumam ser ótimas candidatas para novos princípios ativos de fármacos.
Remédios
"Estima-se que 40% dos remédios são fruto de pesquisa biotecnológica. O Brasil contém 20% das espécies do planeta", calcula Barbosa. "Não é difícil intuir o valor do patrimônio genético nacional."
Para Bertani, a vida nas grandes corporações fica cada vez mais fácil. "Não precisam mais vir até aqui e embrenhar-se na mata: basta visitar uma loja de animais do outro lado da rua", ironiza.
Barbosa defende um levantamento amplo de todos os produtos biotecnológicos patenteados lá fora que usaram biodiversidade brasileira. Esse seria o primeiro passo para o país exigir uma compensação econômica e tecnológica em função do uso do material.
"O dinheiro obtido com a fauna e a flora brasileiras deve retornar ao país para ser reinvestido em novos projetos de pesquisa", opina Robert Raven, editor da ZooTaxa e curador do Museu Queensland, localizado na Austrália.
Espécie chilena inspirou droga contra arritmia
Uma caranguejeira de reflexos rosados, originária dos Andes chilenos, conquistou as lojas de animais nos Estados Unidos. Tornou-se tão comum que custa apenas US$ 1.
Atenta às oportunidades, a indústria farmacêutica americana fez fortuna com a aranha: identificou no veneno uma droga eficaz contra a arritmia. Os chilenos nunca receberam um centavo.
O exemplo é citado pelo biólogo Pedro Ismael da Silva Junior, do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Butantan. Ele também procura remédios nos venenos. "A solução é investir mais em pesquisas para os frutos da biodiversidade ficarem aqui", pondera.
(O Estado de SP, 12/10)
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NOTA MAROTA DO BLOGGER:
A ciência não identifica nada. Quem identifica são os cientistas.