JC e-mail 3863, de 06 de Outubro de 2009.
2. Geociências: conferência aponta falta de profissionais de língua portuguesa
Evento lusófono discute Ano Internacional do Planeta Terra preocupado com futuro da mão de obra
Marcelo Medeiros escreve para o "JC e-mail":
A Conferência de Geociências nos Países de Língua Portuguesa, realizada no Rio de Janeiro, nesta segunda e terça-feira, dias 5 e 6 de outubro, discutiu ensino e avanços desse campo de estudos após as celebrações do Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT), comemorado no triênio 2007-2009. Os debatedores se mostraram preocupados com futuro do mercado de trabalho das ciências da terra nos países lusófonos, dada a crescente demanda por técnicos nos últimos anos, principalmente no Brasil.
"Um dos objetivos do AIPT foi tornar a profissão mais atraente para a juventude", lembrou Eduardo Mulder, secretário-executivo das comemorações oficiais da efeméride, organizadas pela União Internacional de Ciências Geológicas e Unesco.
De acordo com Mulder, se nos anos 1970 a quantidade de formados aumentava à medida que o preço do petróleo subia, na década seguinte o número de geólogos diplomados estagnou, mesmo com a recente alta no preço do minério e as descobertas de poços em diversas partes do mundo. "Precisamos atrair mais pessoas para a área", alerta.
No Brasil, o ponto alto das celebrações foi o último Congresso Brasileiro de Geologia, realizado em 2008 em Curitiba. "Realizamos cursos sobre os dez temas do AIPT e nos focamos na questão educacional, um dos pontos centrais do Ano", disse Diógenes Campos, presidente do Comitê Nacional para o AIPT.
Os temas do Ano Internacional para o Planeta Terra foram água subterrânea, desastres naturais, terra e saúde, clima, recursos naturais e energia, megacidades, crosta e núcleo da Terra, oceano, solos e Terra e Vida.
"Organizamos também vários eventos para divulgar as geociências", relata Campos. Entre eles, a exposição relacionada o AIPT no Museu de Ciências da Terra, no Rio de Janeiro. Para comprovar a eficiência do trabalho de popularização do tema, o geólogo lembrou que algumas cidades, como Sorocaba (SP), Franca (SP) e Cuiabá (MT), decidiram instituir uma data oficial de celebração do Planeta Terra.
"Falta atenção para as ciências da terra há muito, mas estamos trabalhando para diminuir esse lapso envolvendo especialistas de diversos países que falam a mesma língua", finalizou Campos.
Para pesquisador, ensino de geociências no Brasil é conservador
"O ensino das geociências no Brasil ainda é muito conservador. Ele precisa ampliar seu foco sobre a sociedade para lidar melhor com as ações humanas sobre o planeta". A afirmação é de Umberto Cordani, professor titular da USP e ex-presidente da União Internacional de Ciências Geológicas.
Para ele, a universidade brasileira precisa de um enfoque multidisciplinar e holístico se quiser compreender o que realmente acontece na Terra e manter sua qualidade, reconhecida internacionalmente.
Em apresentação no primeiro dia da Conferência de Geociências nos Países de Língua Portuguesa, na segunda-feira, dia 5, Cordani condenou a maioria dos currículos universitários da área. Segundo o pesquisador, o quadro disciplinar é defasado por dar mais ênfase a áreas como cálculo, química e física, do que às relações existentes entre a geologia e demais campos do saber.
"É preciso equilíbrio entre os conhecimentos básicos e os da geologia a serviço da sociedade", afirma. "A formação convencional impede o diálogo com outras áreas. O papel da geologia na mineração sempre será grande, mas é preciso entender a relação dela com o resto do mundo. Os geólogos precisam assumir isso".
O professor apresentou dados que demonstram o tamanho do consumo de recursos minerais pela humanidade e a necessidade de aumentar o campo de visão do ensino da ciência no país. Em média, cada pessoa consome, por ano, cinco mil toneladas de pedra, 21 quilos de carvão mineral e meia tonelada de ferro e aço. "O homem já é o maior agente corrosivo do planeta e precisamos entender como ele age", diz. "Daí a necessidade de diálogo com outras áreas".
Apesar das críticas, Cordani reconhece a qualidade dos cursos de geologia no país. Atualmente, 19 universidades formam cerca de 400 geólogos por ano. A maioria dos novos profissionais acaba atraída pelas empresas da área petrolífera, em expansão no país. Se por um lado as companhias e a economia nacional se beneficiam desse fluxo, por outro, na análise do professor da USP, a academia está carente de novos profissionais.
"A quantidade de pessoas na pós-graduação em relação ao mercado é pequena. Daqui a pouco vai começar a faltar professores. Precisamos criar meios de atrair mais gente para as universidades", alerta.
De acordo com o professor, a pós-graduação em geociências atualmente possui qualidade internacional, superior, inclusive, a países desenvolvidos. São 13 cursos em funcionamento, a maior parte em São Paulo.